O aparecimento das armas nucleares foi um acontecimento transcedente em muitos aspectos. Para além dos meramente militares (como é que se ganha uma guerra atómica?), ou dos filosóficos e éticos (será que há alguma coisa que justifique desencadear-se uma guerra em que não há hipóteses de vitória, nem sequer de sobrevivência?), havia outros mais burocráticos, mas nem por isso menos vitais, que ocuparam a cabeça de muita gente, durante muito tempo.
É assim que, enquanto uns tentavam criar estratégias vencedoras (tarefa felizmente inglória, como sabemos), outros, no Ocidente, proclamavam alegremente que «Better red than dead» («mais vale ser comuna vivo, do que capitalista morto»), e outros ainda preocupavam-se em saber quem mandaria nas coisas se o pior acontecesse.
Ora, nos anos quarenta e cinquenta, ninguém dos dois lados da Cortina de Ferro sabia muito bem o que andava a fazer relativamente a estes assuntos. Pela primeira vez na História havia a possibilidade muito real da Humanidade se aniquilar a si própria e, portanto, estava-se a entrar em território desconhecido. Por outras palavras, não havia livros de instruções para nada disto, e por isso tinha-se que ir inventando à medida que se ia avançando (se é que lhe podemos chamar isso...).
Os sistemas de aviso prévio (radares) eram ainda rudimentares e as infra-estruturas de protecção dos sistemas de governo e respectivos titulares eram pouco fiáveis. Em caso de ataque nuclear era bem provável que o governo norte-americano, ou o soviético, não soubessem atempadamente o que se estava a passar. Todos os principais governantes poderiam muito bem morrer nos primeiros minutos da guerra.
Daí que a administração do presidente Dwight Eisenhower (1952-60) tenha tomado uma atitude que nos pode parecer estranha, mas que, no contexto da época, talvez fizesse algum sentido. Foram enviadas cartas a vários líderes económicos e sociais, espalhados um pouco por todos os Estados Unidos, dando-lhes poderes para administrar várias áreas de actividade do país, caso um ataque nuclear incapacitasse o governo.
Repare-se, nenhum destas figuras tinha sido designada através de qualquer procedimento trasparente estabelecido previamente para isto. Tratou-se apenas de uma decisão arbitrária de Eisenhower. Depois, já durante a administração Kennedy, percebeu-se que as coisas não podiam funcionar assim, e tratou-se de revogar as cartas enviadas por Ike. O documento que nos mostra isso está aqui.
É facil, em retrospectiva, olhar para as cartas como uma manifestação maligna de um qualquer Dr. Estranhoamor. Para mim, só mostra que tempos perigosos obrigam a decisões muito difíceis, em que prevalece a lei do mal menor. Algo muito difícil de entender nos dias de hoje, e que leva a que os Homens de Estado sejam cada vez mais raros.
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