Para quem acha que a hegemonia americana foi a pior coisa que aconteceu ao mundo desde Gengis Khan, nada melhor que contemplar a obra-prima do general George C. Marshall, guerreiro e diplomata como houve poucos.
Para muitos (senão a maioria), a predominância dos Estados Unidos nos últimos 60 anos tem sido tudo menos benigna. Como acontece com todos os domínios mais ou menos imperiais (e isto levava-nos para outra discussão, muito mais extensa), o dos Estados Unidos também está cheio de episódios lamentáveis, criminosos, ridículos, patéticos, e o que mais de negativo o leitor conseguir imaginar.
O problema aqui é de grau. A última grande potência global pré-1945 foi a Grã-Bretanha, e basta ler um pouco sobre a história do império britânico (recomendo “The Rise and Fall of the British Empire”, de Lawrence James, publicado pela St. Martin’s Press) para perceber que os americanos, face ao poder esmagador de que dispõem, até o têm utilizado com relativa parcimónia. Os ingleses, com bem menos recursos, não hesitavam em recorrer às ameaças, à humilhação e à sua especialidade favorita, a chamada “diplomacia de canhoneira”. Se os “nativos” (e isto incluía-nos a nós, portugueses, como se viu em 1890, no Ultimato) não se “portassem como deve ser”, mandavam-se umas quantas canhoneiras para “metê-los na ordem”. Incidentes destes, hoje em dia impensáveis, ocorreram às dezenas, e eram provocados por motivos tão triviais como a prisão (legítima) de um súbdito de Sua Majestade. Raro era o ano em que não havia um "Iraque" ou um "Afeganistão", muitas vezes porque um coronel qualquer estava aborrecido pela falta de caça decente ou de um bom jogo de pólo. Era o que os britânicos chamavam “espalhar os valores da Cristandade ocidental”.
Utilizando as categorias de Joseph Nye, o poder dos Estados Unidos tem sido muito mais soft do que hard: valores, cultura, sonhos, e não tanto armas, soldados, invasões. Nesta perspectiva, o Plano Marshall é o auge da política de segurança americana. Nunca na história da Humanidade o vencedor tinha estendido a mão aos derrotados da forma que os Estados Unidos o fizeram após a 2ª Guerra Mundial – cheia de dinheiro. Harry Truman, que, pelos padrões europeus, seria tão ou mais bronco que George W. Bush, teve a larga visão de dar ao seu secretário de Estado os meios necessários ao cumprimento de um plano decisivo para o Ocidente: desenvolvimento, bem-estar, paz, segurança.
Se a Europa é o que é hoje, deve-o em boa medida ao general Marshall. Ele percebeu, tal como Lincoln 80 anos antes, que a força dos Estados Unidos estava na magnanimidade. Ele percebeu que, para assegurarem a sua segurança e a fidelidade aos valores da democracia liberal, os europeus precisavam muito mais de dinheiro do que de armas, ou soldados. Percebeu também que a guerra tinha acabado, e que os alemães deviam ter acesso à abastança americana, tal como os ingleses ou os franceses.
É claro que nada disto foi feito desinteressadamente. Os americanos sabiam que boa parte dos biliões de dólares que emprestaram iriam servir para comprar produtos americanos. Sabiam também que estavam a apertar com um nó extremamente forte o laço de dependência da Europa em relação aos EUA (só agora, passados quase 60 anos, ele parece ceder). Mas nada disso dilui o facto dos Estados Unidos terem fornecido os meios necessários à reconstrução europeia, sem exigirem em troca um papel directo na condução dos assuntos desses países.
O melhor símbolo da herança de Marshall é, infelizmente, uma construção feia e triste que dividiu um país inteiro. Ele não a quis, nem a mandou fazer, mas sem o seu plano ela, provavelmente, só seria necessária muito mais tarde. É que em 1961, quando o muro de Berlim começou a ser construído, o fosso entre o nível de vida da Alemanha federal e o da RDA era já gigantesco. É preciso não esquecer (e como parece difícil às vezes...) que o Muro foi construído a Leste, e não a Oeste. Bem vistas as coisas, a Guerra Fria pode muito bem ter sido perdida/ganha logo ali. Quando um regime constrói uma gigantesca prisão para evitar que os seus cidadãos vão procurar noutro lado aquilo que ele próprio não é capaz de lhes dar, as hipóteses de sobrevivência não são famosas...
1 comentário:
Aquele que viveu na segunda guerra e não se encantou com as mentiras dos "aliados", por certo, sabem inclusive que a rendição japonesa dito como incondicional, na verdade não o foi, pois o Imperador Hiroito,no Porta Aviões norte americano Saratoga, assumiu toda responsabilidade da guerra e só ele deveria ser julgado, o que por análise clara, o mesmo seria condenado á morte e como o Imperador no Japão era um Deus, talvez 50% de seus súditos praticariam o haraquiri, deixando os americanos em uma situação pior, como os ataques com as bombas atômicas. O esquema referido no caso do domínio americano/inglês, sempre foi usurpação, pirataria, assassinato em massa, vejam, índios americanos, mexicanos e tantos outros povos.
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