Voltei das férias. De entre vários locais, estive em S. Maria da Feira. Assisti a um torneio, visitei o castelo, (que tinha figurantes e mobiliário), lancei dardos (tenho jeito para a coisa), disparei flechas (aí sou uma miséria), vi saltimbancos, músicos, aves de rapina, muitas tendas com todo o tipo de produtos (desde sangria a amuletos como é costume), comi bem e vi imensa gente: parecia um S. João no Porto. Realmente, quando as coisas da cultura são bem organizadas, atraem as pessoas e são populares. Só que é preciso meios e muito, muito trabalho. Único pormenor negativo, foi a não realização do casamento no dia acordado (quarta-feira): é que houve uma falha de energia o que inviabilizou os sistemas de som e luz (irónico, não é?).
E de leituras? Bem, hoje falo só de um livro “A história de Genji” (Genji Monogatari). Foi escrito no Japão em princípios do séc. XI (apogeu do período Heian), por uma mulher membro da corte imperial. É conhecida por Murasaki (o nome de uma personagem do livro já que se ignora o seu real nome), sabe-se que pertencia a um ramo menor da família Fujiwara (toda poderosa na época).
A sociedade nada tem de parecido com a que nos é familiar dos filmes de samurais. É uma sociedade palaciana, que se dedica à poesia, música e outros prazeres da vida. Quem domina o país são os Kuge, aristocratas imperiais, descendentes longínquos de um imperador, ou dos clãs que a ele se aliaram quando se deu a centralização. Estão divididos em vários graus de nobreza (pode-se ser nobre de 1º, 2º, 3º, ou mais ordens); desempenha-se um cargo de acordo com a sua hierarquia, embora o favor imperial e as influências possam favorecer um indivíduo ou uma linhagem... até certo ponto. Mesmo para se ser uma humilde concubina (já não falo de esposa) de personagens ilustres, não estava ao alcance de qualquer uma (as restantes esposas, concubinas e sobretudo as que dessem herdeiros podiam dificultar a escolha do interessado, dado que um filho de uma concubina de humilde proveniência -leia-se, nobreza pobre ou rural que um século depois seriam samurais- tinha os mesmo direitos se reconhecido ao filho de uma primeira esposa. A poligamia era de facto algo complicada.
Os que desempenham cargos administrativos, governadores e militares são vistos com um desprezo mal disfarçado: se deixam as mulheres na corte, elas enganam-nos (depois de oferecer uma certa resistência claro), se vão acompanhados, as mulheres são lamentadas por irem para o desterro em territórios longínquos fora dos encantos da capital). Os maridos são assim descritos como boçais, gordos, velhos.
O herói é um filho do imperador (e de uma mulher de baixa extracção, isto é baixa nobreza e não de uma poderosa família): os seus passatempos são tentar conquistar belas mulheres por quem se vai interessando (algumas casadas), arranjar esquemas para entrar nos seus aposentos sem ser apanhado (numa das aventuras, ele é rejeitado, e para se consolar dorme com o irmão mais novo dela que é uma criança ainda, até nova tentativa). As personagens descritas são muito sensíveis, entrando em melancolia, depressão e morte com desgostos amorosos. À medida que o tempo vai passando, é descrito a mudança nas flores, o chilrear dos pássaros, o evoluir das estações.
Completamente oposto assim ao “Heike Monogatari”, que descreve batalhas, e o processo que pôs fim à sociedade cortesã um século e meio depois.
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