quinta-feira, março 11, 2004

Hooch

Há uns anos atrás vi uma curta-metragem (creio que no programa onda-curta, ou então a minha memória está a pregar-me partidas) chamada "O Mestre Flamengo". Era uma estória simples e despretenciosa mas com uma notável ironia, que vertia a paixão de uma jovem por um quadro na national gallery (e que mais tarde conseguia entra no quadro- ok, dito assim pode parecer ridículo, mas há filmes que só podem ser devidamente apreciados se vistos). Este era "uma mulher a beber com dois homens e uma criada" de Peter Hooch. Embora apreciado, é considerado nitidamente inferior a Vermeer seu contemporâneo. Pessoalmente também prefiro Vermeer, mas acho que Hooch tem alguns quadros que são verdadeiras obras-primas, e este é um deles.

quarta-feira, março 10, 2004

Os Franciscanos

Segunda uma lenda apócrifa, S. Francisco ter-se-ia deslocado a Portugal em 1214 e fundado a primeira comunidade Franciscana. Mais provavelmente, teria sido no final dessa década que teriam vindo Franciscanos espanhóis. O prestígio e forma de vida asseguraram-lhes um êxito rápido: vivendo pobremente, instalando-se nas cidades ou arredores e misturando-se com o povo mais pobre formavam um forte contraste com os membros das ordens tradicionais (beneditinos) ou com o clero secular (bispos, cabido). Ora este que também vivia nas cidades não viu com bons olhos os novos rivais: sendo preferidos, recebiam as esmolas, as doações testamentárias, os pagamentos pelas missas, etc, etc. Daí terem os Franciscanos sido atacados e excomungados em diversas cidades onde se tentaram instalar, sendo acusados de serem ladrões, vadios e heréticos disfarçados. Sendo o apoio do Papa e do Rei muito longínquo, o seu principal auxílio veio dos burgueses e populações locais que por devoção sincera e como forma de contrariar os seus senhores, prestou o seu apoio. Com o passar dos anos, a situação foi-se resolvendo: esferas de competência foram estabelecidas e uma situação de entendimento foi-se acordando. Mas os próprios Franciscanos tinham mudado. Sucessivas dispensas papais, tinham-nos liberto das exigências do fundador (que aliás já tinham sido “suavizadas” na regra com o estabelecimento da Ordem) tornando-se em mais uma ordem abastada e levando a criar um reportório de estórias com frades gordos. No entanto alguns quiseram manter-se fiéis ao espírito original da ordem, recusando o fausto. No séc. XIV os menoritas (quem leu o nome da Rosa reconhece bem o nome) acabaram por ter de lutar pelo seu “direito” à pobreza, sendo apelidados de heréticos sofrendo perseguições e protecção conforme os interesses políticos (originando ou misturando-se por vezes com grupos à margem da ortodoxia). No séc. XV receberam o nome de observantes (em contraste com os conventuais). Mais grupos iriam surgir em seguida.

segunda-feira, março 08, 2004

sexta-feira, março 05, 2004

Haiti

Quem anda mais atento aos noticiários já deve ter ouvido as queixas do ex-presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide, sobre a forma pouco cortez como os Estados Unidos o terão "despachado" do país.

Se Aristide foi ou não metido à força num avião, a meio da noite, não faço ideia - embora possa quase jurar que vi um sorrisinho trocista na boca de Donald Rumsfeld quando ele negou que os EUA tivessem obrigado o homem a ir embora.

Há, no entanto, uma coisa que posso garantir: os americanos estão muito habituados a lidar de uma forma...hum...digamos, pouco simpática com os líderes do Haiti.

Para exemplificar, vou só relatar uma das muitas histórias dos quase vinte anos (1915-34) em que os EUA controlaram directamente o país. Se ela aconteceu exactamente assim ou não, é secundário. O que interessa aqui é que ela ilustra a forma "desinibida" como os marines orientavam os assuntos locais.

Logo no início da presença militar norte-americana, em 1915, Washington quis dar uma cobertura legal à ocupação do Haiti. Fez-se (no Departamento de Estado, claro está) um tratado entre os dois países, que concedia aos EUA controlo sobre as finanças, as alfândegas e a polícia haitianas. Ou seja, tudo o que importava. O acordo era válido por dez anos, e renovável por outros dez, se qualquer uma das partes assim o desejasse. Como se já não fosse suficientemente seguro, ainda dava aos americanos o direito de intervirem militarmente em caso de incumprimento.

Ora, o problema com estes tratados é que têm de ser assinados pelas duas partes. E, neste caso concreto, o então presidente do Haiti, Philippe Dartiguenave, não estava com muita vontade de assinar. O senhor em causa até tinha sido escolhido a dedo (os marines tinham "supervisionado" a votação na Assembleia Nacional, e nem sequer se deram ao trabalho de esconder as baionetas), mas ele lá deve ter achado que o que é demais, é demais...

Bem, mas, como se costuma dizer, «a espada é mais forte do que a pena». O major Smedley Butler, um marine que já era uma lenda viva entre os seus camaradas, foi enviado para obter a necessária assinatura. O que aconteceu a seguir, ninguém sabe ao certo. Sabe-se que o tratado voltou assinado e que começou a correr a lenda de que Butler tinha obtido a rubrica na casa-de-banho. Passo a explicar: chegando ao palácio presidencial, o marine descobriu que Dartiguenave se tinha escondido na dita instalação sanitária. Plantou-se à porta, mas nada. O presidente recusava-se a sair. Smedley Butler, que nunca foi homem de se deter com nada, saiu, pôs uma escada na parede, subiu e entrou na casa-de-banho pela janela. Apanhou o presidente sentado na sanita (mas com as calças em cima), ordenou-lhe que assinasse o tratado, e ele assinou - que remédio...

A história é chocante, mas é indiscutível que o período em que os americanos estiveram no Haiti foi talvez o menos mau dos duzentos anos de independência que o país já tem. Não é políticamente correcto dizer-se isto, mas o Haiti é um país falhado. Foram duzentos anos a oscilar entre o caos e as ditaduras sangrentas. Será mero acaso que, na presente crise, não há uma única voz a levantar-se contra a presença militar norte-americana? Aristide subiu ao poder graças ao apoio americano, mas os guerrilheiros passeiam-se nas ruas com camisolas e lenços onde aparece a bandeira dos EUA.

Não defendo um regresso ao colonialismo, mas não será uma boa altura para pensar num outro rumo (pelo menos temporário) para este e outros paises em situação semelhante? Não seria melhor colocá-los sob responsabilidade directa das Nações Unidas, transformando-os numa espécie de protectorado da Humanidade?

Invenções

Estava-se no reinado do Imperador Vespasiano (A.D. 69-79), quando um engenheiro criou uma um guindaste que conseguia fazer o trabalho de 10 homens. O imperador louvou-o, deu-lhe um prémio, comprou os planos e mandou destruír a invenção, pois isso levaria a que os homens ficassem sem o seu ganha-pão.
Este episódio é fulcral para mostrar o que era considerado a manutenção do status quo: não significava só ajudar os senadores a ficarem no senado, mas que a plebe e escravos tivessem trabalho. Mas em troca da paz social, a longo prazo condenava-se a sociedade à estagnação, e quando se desse uma sucessão de crises, a morte.
Mais uma nota curiosa: quando estava no seu leito de morte, Vespasiano disse que estava a sentir tornar-se um deus. Por aqui vemos que exceptuando alguns megalómanos, os imperadores com bom senso não acreditavam na sua natureza divina (passado uns meses ele foi deificado).

quinta-feira, março 04, 2004

A colonização alemã na africa oriental-II

As diferentes companhias dedicaram-se rapidamente à exploração dos territórios, mas a sua administração passou para as mãos do funcionalismo imperial, dadas as revoltas de indígenas. Das mais terríveis retemos duas: a dos Masai em 1889 e a dos Maji-Maji em 1905. A revolta dos Masai começou por arrogância mútua; habituados a serem o povo hegemónico no Quénia e Tanzânia exigiam mostras de submissão por quem passasse no seu território executando quem não o fazia. Uma expedição alemã provocou-os propositadamente levando-os à revolta; os masai foram derrotados em campo aberto e passaram a fazer raids até ao fim da guerra. A dos Maji-Maji foi conduzida por um conjunto de feiticeiros que conseguiram convencer várias tribos de que tinham feitiços que paravam as balas alemãs; morreram dezenas de milhares de africanos (que atacavam em massa, ao contrário dos Masai que se aproximavam agachados para evitar as balas); as forças alemãs com pouco mais de um milhar de homens (mas bem equipados e armados) saem vitoriosas.
Com a primeira guerra, as colónias alemãs são conquistadas rapidamente excepto em Africa: o general Von Lettow-Vorbeck com poucos milhares de homens manteve as forças aliadas à distância (que em termos teóricos ultrapassavam a centena de milhar), até se dar a inevitável rendição.

terça-feira, março 02, 2004

A colonização alemã na africa oriental-I

Esta é normalmente pouco conhecida: tirando alguns filmes de aventuras dos anos 60 e referências em Corto Maltese, o papel colonial alemão é esquecido dado as colónias terem sido perdidas em 1914-18; de uma forma resumida tentarei apresentar alguns pontos.
Em meados do séc. XIX as principais potências em Africa continuavam a ser as tradicionais: Portugal, Reino Unido, França. A Libéria e o Egipto eram os únicos países independentes (este cada vez menos); nações como a Espanha e a Bélgica iam aos poucos talhando o seu império, quando na segunda metade do século, a recém-formada Alemanha decidiu tentar a sorte.
Em 1884 foi fundada a sociedade da Africa oriental por particulares. Foram organizadas diversas expedições na costa de Zanzibar resultando numa colónia com vários entrepostos. Apesar de serem feitos alguns acordos com tribos locais, os mercadores muçulmanos de escravos fizeram os possíveis para lançar os indígenas contra os recém-chegados.
Nesse mesmo ano (uns meses depois do começo da aventura), dá-se a conferência de Berlim que pretende regularizar as partilhas do território africano: como consequências importantes temos o conceito de que nenhum país pode estabelecer entrepostos onde outro país já existe, e a não legitimação automática do direito de expansão para o interior a partir de colónias litorais (este ponto seria importante no caso português quando se deu a questão do mapa cor-de-rosa).
Se Bismarck não era à partida muito favorável a uma expansão de territórios (dispersava-se os recursos e corria-se o risco de entrar em conflito com outros países), a pressão de alguns meios levou-o a mudar de posição (é de notar a forte emigração para os E.U.A. e Brasil nesse período superior a um milhão de pessoas).