sexta-feira, setembro 15, 2006

Desenhos animados

Esta semana chamou-me à atenção uma série de desenhos animados que dá no canal 2: Era uma vez os inventores (é dos mesmo produtores e com as mesmas personagens do Era uma vez…o Homem). O episódio era sobre Henrique o navegador (e acessoriamente Portugal). Lá descrevia como Henrique decidia atacar Ceuta sozinho (errado, o rei e vários príncipes também foram). Depois mostra-o a financiar a construção de um novo modelo de barco para viajar no atlântico, a caravela) e depois patrocinar as expedições na costa africana apesar das superstições da época que diziam que não se podia navegar (na realidade foi o Infante D. Pedro o apoiante das descobertas, D. Henrique preferia as conquistas). O episódio termina com a passagem do cabo da boa esperança como resultado da visão de D. Henrique. Enfim, embora contenha erros, e siga sobretudo a historiografia tradicional (que ainda se ensina nas escolas secundárias portuguesas, embora já se tenha outra visão nas faculdades), vale mais do que imensas aulas chatas em que os miúdos nada aprendem.
Entretanto um pormenor curioso: a minha mulher ficou muito surpreendida de que para Ceuta tivesse ido o Rei D. João I, o príncipe herdeiro D. Duarte, vários outros infantes (creio que só ficou em Portugal o príncipe D. Fernando por ser muito novo), o topo da nobreza, D. Nuno Alvares Pereira, o melhor do nosso exército (15000 homens). Ela perguntou-me se isso não tinha sido muito arriscado (poderia ter corrido mal ou haver uma tempestade, em que eles morressem). Pois podia, o que significa que a famosa planificação da empresa, os motivos económicos racionais e outros afins (de que nos enchem a cabeça na escola) se limitava a uma expedição de cavaleiros na esperança de que tudo corresse bem (pilhar e ir embora); se tivesse corrido mal, tínhamos tido outro Alcácer Quibir 200 anos antes. Planear na idade média não era o mesmo que agora.

6 comentários:

João Moutinho disse...

Apesar de "Alcácer Quibir" não ser central neste texto vou fazer uma referência que gostaria de ser comentada (i.e. se lhe apetececer ;-)).
O desastre que ocorreu com D. Sebastião poderá ter sido uma benção.
Vejamos, a alta nobreza, guerreira e continental identificava-se com esse projecto. Mas a a nobreza e burguesias marítima e mercantil tiveram a oportunidade de se expadirem.
E o próprio domínio Filipino (em particular o de Filipe II [deles])não terá sido tão mau como muitos pintam.

Fabiano disse...

Depende. Podemos dizer que atendendo à situação (perca do exército, alta nobreza e endividamento extremo do país), o resultado (ficarmos unidos a Espanha) nem foi mau de todo. A questão é as alternativa.
Digamos que D. Sebastião tivesse (apesar de todas as asneiras) conseguido vencer a batalha. Ficaria conhecido como um brilhante táctico que não se deixando intimidar pelos velhos do Restelo, realizara um desígnio nacional (só existindo uns quantos historiadores revisionistas que colocariam essa ideia em causa). Quanto a consequências da vitória: conseguiríamos sair do atoleiro marroquino? É que apesar da destruição dos exércitos muçulmanos, nada nos garantia que as restantes cidades se rendessem sem mais nem menos, e aí continuaríamos em campanhas no norte de africa. Se tudo corresse pelo melhor (onda de pânico dos marroquinos que abririam as portas sem mais nem menos), teríamos de ocupar com guarnições de milhares de homens um território que nos era hostil, desviando homens de outros sectores. Depois disso, estaríamos sujeitos a uma revolta islâmica assim que viesse um líder carismático que colocaria tudo em causa (mas isso são os azares da guerra e tanto podia acontecer um ano como 200 anos depois). E continuaríamos a ter o problema da sucessão de d. Sebastião (dada a sua manifesta falta de vontade de fazer um herdeiro).
Outro cenário: perdemos Alcácer Quibir, mas por um milagre o prior do Crato consegue o trono português. Neste caso passaríamos anos em guerra com Espanha, concentrando os recursos na defesa da metrópole em vez do ultramar. Talvez conseguíssemos que os holandeses não nos atacassem tanto nas colónias dada a luta comum contra Espanha. Mas duvido. Conseguiríamos uma certa neutralidade dos conflitos em que a Espanha se envolveu, mas os piratas não costumam respeitar tréguas.
O que significa que o que sucedeu foi provavelmente o melhor: unimo-nos à maior potência do mundo, beneficiamos de alguma ajuda, e quando as coisas correram mal, livramo-nos deles (apesar de uma guerra de anos).
Filipe II era um excelente administrador (D. Sebastião até que foi bom, dado que deixava os conselheiros administrarem à vontade).
Quanto à questão da burguesia mercantil, esta nunca se pode expandir muito, já tinha um concorrente de peso, o estado.
Depois existe outro factor: grande parte do exército que se perdeu foram mercenários e recrutas. Os terços das praças de norte de africa conseguiram sobreviver sem grande mossa, dado que assim que viram que as coisas estavam a correr mal “retiraram-se” e deixaram a alta nobreza dar os golpes que queria (eles já deviam considerar a expedição um suicídio de qualquer maneira).

João Moutinho disse...

Parca,
Estou-lhe muito grato pela atenção demonstrada.

Anónimo disse...

Excelente blog. Quanto à expedição a Ceuta: não se tratou, em termos militares, de um risco muito calculado? A praça não estava praticamente abandonada e muito mal defendida?

Fabiano disse...

Por acaso a cidade foi apanhada desprevenida. Mas pensava-se que o mesmo iria suceder em Tânger e deu no que deu. Bastava que o mar tivesse sido caprichoso ou que um mouro maldoso atirasse um dardo e ficavamos sem rei ou herdeiro (estas coisas acontecem) num combate que não era vital para a nação.

Anónimo disse...

A ida de D. Sebastião a Alcacer Kibir, teria sido uma benção! Pena é que Socrates não lhe siga o exemplo!