quinta-feira, novembro 20, 2003

OBITUÁRIO

Não fazia ideia que a personagem ainda fosse viva. Só em Setembro, aos 101 anos, é que Serrano Suñer deixou este mundo. Como é normal nesta idade, foram os pulmões que lhe falharam.

O cunhado de Francisco Franco, «caudillo de España por la gracia de Dios», foi o mais importante pró-germanista do país vizinho nos anos difíceis da 2ª Guerra Mundial. Nessa época de fervores falangistas, o “cunhadíssimo” foi mesmo o homem mais poderoso de Espanha, com excepção, claro está, do próprio “generalíssimo”, que não deixava que ninguém lhe fizesse sombra por muito tempo.

Bem, mas a razão deste post tem a ver com as ideias peculiares de Suñer sobre Portugal. Ainda como ministro do Interior, e depois, a partir de 1940, já como ministro dos Negócios Estrangeiros, ele foi o principal interlocutor espanhol de Hitler e Ribbentrop. Por isso, foi um dos actores fulcrais da cimeira de Hendaya entre Hitler e Franco. Como é lógico, Portugal era tema recorrente dessas discussões.

Segundo Paul Preston, provavelmente o melhor historiador do franquismo, Suñer teria dito a Ribbentrop, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, que «geograficamente falando, Portugal não tem qualquer direito de existência». Ao embaixador italiano em Madrid, Francesco Laquio, foi mais longe ainda: «Portugal deveria fazer parte de uma grande Espanha».

Não admira, pois, que surja neste contexto a ideia de que Serrano Suñer negociou com Hitler a anexação de Portugal pela Espanha, no que seria uma das moedas de troca pela participação espanhola na guerra ao lado do Eixo, e de que teria havido mesmo uma proposta alemã nesse sentido.

Na verdade, a documentação conhecida não nos diz isso. Franco nunca deu muita rédea solta às ambições anexionistas da Falange (ou de parte dela). Tal como António José Telo mostra na sua magistral obra «Os Açores e o Controlo do
Atlântico», Hitler nunca teve um interesse profundo na Península Ibérica. Os planos de invasão que existiam tinham como objectivo a tomada de Gibraltar. Esse é o único ponto de interesse estratégico alemão para além dos Pirineus, e, mesmo assim, só subsiste até 1941, quando a invasão da União Soviética vira o esforço de guerra nazi definitivamente para Leste.

Quanto aos devaneios iberistas de Serrano Suñer, o que poderia restar deles foi definitivamente enterrado em 1942, com a assinatura do Pacto Ibérico, que estabelece um entendimento duradouro entre os dois regimes.

Franco tinha mais que fazer.

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