O Mundo Muçulmano
Na altura das cruzadas a febre da conquista islâmica dos sécs. VIII e IX estava a esbater-se. Durante esta altura o Islão espalhava-se pelo Médio Oriente, Pérsia, África do Norte e Península Ibérica. As províncias deste vasto império eram governadas por sultões, de acordo com a autoridade do Califa, o descendente de Maomé e a figura política central do mundo muçulmano. Um dos mais conhecidos califas desta era foi Harun Al-Rashid, imortalizado nos fantásticos contos de As Mil e Uma Noites.
No entanto, nos finais do séc. XI o mundo islâmico estava fortemente dividido. Um Califado rival tinha ascendido no Egipto, Fatímida, descendentes de Ali Ibn Talid genro e sobrinho do Profeta, premissa esta utilizada para basear o seu poder, revoltando-se contra a autoridade de Abu Bakr, o primeiro Califa de Bagdad. Os apoiantes dos Fatímidas eram denominados Shi'ah i-Ali (os seguidores de Ali), ou Shi'itas. Os apoiantes do Califado Abassida de Bagdad eram Sunitas, porque, segundo o seu ponto de vista, seguiam a Sunna (o caminho, a via) de Maomé. Estas seitas eram rivais políticos, não religiosos, e os membros das duas facções políticas eram muçulmanos, observando o Corão, a Sharia e os Pilares do Islão.
Enquanto o Califa Fatímida conservava a sua soberania, o Califado de Bagdad era essencialmente um fantoche dos Turcos, na medida em que a tribo Seljúcida tinha rumado desde a Ásia Central até terem conquistado grande parte da Pérsia e capturado Bagdad em 1055. Em 1071 derrotaram o exército Bizantino, do qual resultou o diálogo entre o Imperador Bizantino e o Papa que apelou à Primeira Cruzada.
Os Seljúcidas converteram-se ao Islão e mantiveram o Califa em Bagdad, mas o sultão turco detinha as rédeas do poder de decisão a nível político e militar no mundo sunita, mantendo aquele os símbolos da sua posição e prestígio, os palácios, o respeito e o harim (harém). A majestosa cidade de Bagdad foi lentamente caindo na ruína, enquanto hordas de soldados turcos, normalmente alcoolizados, vagueavam pela cidade à noite, contribuindo ainda mais para o caos urbano. Durante as Cruzadas, o Califado de Bagdad era o símbolo vivo da decadência no mundo árabe e das suas irrecuperáveis glórias passadas.
Os príncipes turcos eram geralmente cruéis e não olhavam a meios para exterminarem possíveis rivais quando atingiam o poder, para que estes não o depusessem mais tarde. Normalmente isso incluía o harém do falecido pai, os seus meios-irmãos e, às vezes, alguns familiares mais próximos. Devido à brutalidade das guerras de sucessão, os turcos criaram a figura do atabeg para proteger o jovem herdeiro até que este atingisse a maioridade e pudesse lutar por ele próprio. Ás vezes um atabeg recusava-se a devolver o poder e, nesse caso, o antigo servo ou escravo acabaria por fundar a sua própria dinastia.
Embora o Sultão de Bagdad teoricamente controlasse todos os senhores turcos no seu império, na realidade as províncias eram praticamente independentes de qualquer autoridade central. Em cada província os príncipes turcos lutavam entre si pelo poder dinástico. Barkiyaruq, o sultão turco de Bagdad não era excepção: quando Al-Harawi chegou a Bagdad em 1099 protestando pela perda de Jerusalém, o sultão estava ocupado numa batalha no norte da cidade, lutando contra o seu próprio irmão, Maomé. Durante este conflito, que os árabes observavam com algum divertimento, Bagdad mudou de mãos entre os dois beligerantes oito vezes em menos de três anos.
A situação no Egipto não era melhor. A administração corrupta dos conselheiros, os vizires, levou à má gestão do governo sob a autoridade teorética do Califa Fatímida. Todos os anos os vizires egípcios enviavam exércitos para reconquistar Jerusalém. Estas campanhas eram caracterizadas por falta de planeamento. Embora os recursos do Egipto fossem constantes e às vezes derrotassem os Firanj (os francos, os europeus) em batalha, os ineptos vizires fatímidas nunca reconquistaram Jerusalém.
Durante a Primeira Cruzada, as maiores potências políticas do mundo islâmico eram impotentes face aos cruzados. Pela Síria, Pérsia e Anatólia, os príncipes turcos lutavam constantemente contra os seus parentes. Em Bagdad os Turcos forçaram o califa Abássida a retirar-se para os prazeres perfumados do seu harém. Os vizires egípcios apoderavam-se da administração e operações militares do califado Fatímida. Em resumo, o mundo islâmico estava fragmentado, caótico, à mercê da conquista pelos firanj.
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