Recebi este natal, o livro “Heike Monogatari” (ou a epopeia dos Heike, traduzido de forma muito aproximada). Já tinha abordado o conflito dos Taira e Minamoto por isso vou concentrar-me mais no poema em si e na visão do mundo que ele nos dá.
Ao longo do séc. XIII foram surgindo poemas sobre o assunto: a ascensão e queda de uma família que detivera tanto poder era um tema bem apetecível. Artistas itinerantes cantavam e declamavam, espalhando-se as estórias. Foi-se criando um verdadeiro ciclo, até que no séc. XIV foi compilado uma versão do que seria considerada a versão canónica do tema (um pouco como sucedeu com as lendas arturianas), embora numerosos episódios fossem deixados à margem. Formaram-se duas escolas de interpretação do tema em mosteiros (uma delas sobreviveu até aos nossos dias), sendo os intérpretes normalmente cegos. A forma de interpretar era a seguinte: era tocado um tema com o Biwa (instrumento vagamente semelhante ao alaúde) e depois cantava os versos apropriados. Tenho um cd e para ser franco não gosto na sonoridade que me parece demasiado estilizada (mesmo em relação ao Kabuki e ao Noh, que aliás o suplantaram no gosto dos públicos respectivamente popular e aristocrático). Ainda no princípio do séc. XX o Imperador Meiji gostava de ouvir esse repertório.
segunda-feira, dezembro 29, 2003
sábado, dezembro 20, 2003
A Galiza Celta
Temos conhecimento dos celtas através dos seus adversários: os gregos (Heródoto e Estrabão) e sobretudo pelos romanos (Avieno, Mela), todos eles membros da mesma cultura mediterrânica, que depreciava outras formas devida que não a que os rodeavam, chamando-lhe barbarum (literalmente, "que não fala", "que balbuceia"). Rechaçavam, portanto, uma cultura procedente das margens do Mar Cáspio e montanhas do Cáucaso, que se instalou primeiro na Europa Central, sendo posteriormente empurrada pelas tribos germânicas para a orla da costa atlântica: Bretanha, Ilhas Britânicas, Gália e Ibéria (costa Cantábrica e Galiza), por volta do ano 600 a. C.
Os celtas careciam de chefes e de um poder central, sendo o conceito de Estado desconhecido para eles. Na verdade, o mundo celta estava dividido numa miríade de pequenos grupos de dez a quarenta famílias unidas por laços de parentesco e independentes umas das outras. Residiam em povoamentos fortificados a que os arqueólogos chamam Citânias e a tradição popular galega Castros e Cróas. Eram recintos de forma circular ou oval, rodeados de parapeitos concêntricos, terraplanados ou muralhas de terra ou pedra, geralemnte construídas no alto de montes de difícil acesso e bem protegidos. A sua construção formava uma espirar desde o solo até ao cume, dando voltas ao redor da colina onde se encontravam, terminando numa plataforma circular. Desde as suas atalaias controlavam as culturas, os rebanhos, as explorações mineiras, e davam o alarme em caso de serem atacados. Estes pequenos povoados salpicavam todo o território ( só na Galiza foram contabilizados 3.000 castros), e de tempos a tempos guerreavam entre si, se bem que não entendiam a guerra como uma conquista, mas sim uma incursão em busca de saque: ataques rápidos, apanhar o que podia (na maioria cabeças de gado) e regressar ao povoamento antes do adversário reagir.
Para além da Agricultura e da Pecuária, conheciam os rudimentos da Metalurgia, formando armas de ferro que os ajudaram a impor-se sobre os seus vizinhos. Também levantaram monumentos de pedra, com fins religiosos e/ou funerários: os Dólmens (chamados na Galiza Arquetas), os Túmulos (Mamoas) e os Menires (Pedras Fitas).
Eram grandes comerciantes e fabricavam embarcações com peles, com as quais se aventuravam para longe da cosnta.
As práticas religiosas eram levadas a cabo pelos Druídas (Sacerdotes, Juízes, Profetas, Astrónomos, Astrólogos, Médicos, Filósofos, Políticos...), não sendo em vão que o seu nome signifique Homens Sábios ou Mestres de Sabedoria ( os entendidos não chegam a acordo na tradução exacta de Druída. Pessoas com mais poder que os chefes de clã, que não podiam falar na sua presença e que deviam consultá-los antes de tomar uma decisão.
Certos aspectos da cultura celta faziam-nos particularemnte ingratos aos olhos dos seus "civilizados" vizinhos do sul: realizavam sacrifícios humanos aos seus deuses, cortavam a cabeça dos seus inimigos, e combatiam trajando somente os seus torques e seus longos cabelos, preferindo a morte à derrota. Deles dirá Estrabão com desprezo, que tinham "...insensibilidade animal".
Consideravam uma honra morrer no campo de batalha, e os corpos dos caídos eram deixados no campo de batalha como alimento para os animais necrófagos, especialmente as aves, que levarám a sua alma para o Paraíso...
Os celtas careciam de chefes e de um poder central, sendo o conceito de Estado desconhecido para eles. Na verdade, o mundo celta estava dividido numa miríade de pequenos grupos de dez a quarenta famílias unidas por laços de parentesco e independentes umas das outras. Residiam em povoamentos fortificados a que os arqueólogos chamam Citânias e a tradição popular galega Castros e Cróas. Eram recintos de forma circular ou oval, rodeados de parapeitos concêntricos, terraplanados ou muralhas de terra ou pedra, geralemnte construídas no alto de montes de difícil acesso e bem protegidos. A sua construção formava uma espirar desde o solo até ao cume, dando voltas ao redor da colina onde se encontravam, terminando numa plataforma circular. Desde as suas atalaias controlavam as culturas, os rebanhos, as explorações mineiras, e davam o alarme em caso de serem atacados. Estes pequenos povoados salpicavam todo o território ( só na Galiza foram contabilizados 3.000 castros), e de tempos a tempos guerreavam entre si, se bem que não entendiam a guerra como uma conquista, mas sim uma incursão em busca de saque: ataques rápidos, apanhar o que podia (na maioria cabeças de gado) e regressar ao povoamento antes do adversário reagir.
Para além da Agricultura e da Pecuária, conheciam os rudimentos da Metalurgia, formando armas de ferro que os ajudaram a impor-se sobre os seus vizinhos. Também levantaram monumentos de pedra, com fins religiosos e/ou funerários: os Dólmens (chamados na Galiza Arquetas), os Túmulos (Mamoas) e os Menires (Pedras Fitas).
Eram grandes comerciantes e fabricavam embarcações com peles, com as quais se aventuravam para longe da cosnta.
As práticas religiosas eram levadas a cabo pelos Druídas (Sacerdotes, Juízes, Profetas, Astrónomos, Astrólogos, Médicos, Filósofos, Políticos...), não sendo em vão que o seu nome signifique Homens Sábios ou Mestres de Sabedoria ( os entendidos não chegam a acordo na tradução exacta de Druída. Pessoas com mais poder que os chefes de clã, que não podiam falar na sua presença e que deviam consultá-los antes de tomar uma decisão.
Certos aspectos da cultura celta faziam-nos particularemnte ingratos aos olhos dos seus "civilizados" vizinhos do sul: realizavam sacrifícios humanos aos seus deuses, cortavam a cabeça dos seus inimigos, e combatiam trajando somente os seus torques e seus longos cabelos, preferindo a morte à derrota. Deles dirá Estrabão com desprezo, que tinham "...insensibilidade animal".
Consideravam uma honra morrer no campo de batalha, e os corpos dos caídos eram deixados no campo de batalha como alimento para os animais necrófagos, especialmente as aves, que levarám a sua alma para o Paraíso...
sexta-feira, dezembro 19, 2003
Madame de Pompadour-III
Mas como estava a dizer, a pobre Pompadour foi considerada responsável por estas derrotas: o que era uma guerra vital para a França era visto como um capricho de mulher que queria exibir-se. O facto de serem amigos seus os responsáveis pela condução da política só piorava as coisas (em Inglaterra, como o regime era parlamentar e eleito- mesmo que fossem umas eleições muito estranhas com os “burgos podres”, -existia uma maior legitimidade a toda a política do governo).
Os serões que organizava para distrair o rei eram (relativamente) simples: pouco mais que uma dezena de amigos íntimos do rei e da marquesa, e um punhado de pessoas que conseguia com enormes intrigas ser admitido a esses serões para mostrar o favor régio. Ceava-se à lareira com mínimo cerimonial e etiqueta (por vezes o próprio rei servia um convidado e via-se duques de pé perante nobres plebeus), num ambiente (relativamente) descontraído, lia-se, cantava-se. Chegou-se mesmo a representar peças de teatro numa parte do palácio que foi alterado para o efeito, (e aí as disputas eram terríveis para se ser admitido na companhia ou num determinado papel). Esse teatro acabou por ser interrompido pelo rei por ficar muito caro (guarda-roupas, cenários, etc.) e pelas intrigas que eram criadas. Tudo isso era feito, depois das cerimónias normais da corte de modo que se prolongava pela noite dentro.
A família real auto-excluía-se deste círculo para mostrar a sua desaprovação para com a favorita, e nem sequer reconhecia a sua existência, mas acabaram por algum modo por transigir dado ela ter feito tudo para lhes agradar (pagava dívidas à rainha, arranjava cargos para os seus amigos) e afinal as anteriores favoritas tinham sido bem mais antipáticas.
Amiga de Voltaire e do círculo de filósofos, favoreceu a princípio os enciclopedistas. Mais tarde, com as suas responsabilidades políticas acrescidas e afastou-se desse grupo (sem nunca romper abertamente com eles), mas o partido devoto nunca lhe perdoou (que já a detestava pela função que ocupava), e acusou-a de ser em parte responsável pela expulsão dos Jesuítas.
Morreu com 43 anos, tuberculosa, em 1764 (já tinha deixado a função de Favorita por uma década, por não ter saúde nem beleza e dedicou-se a ajudar o real amante na governação- isso faz-nos pensar sobre quais os trabalhos mais difíceis).
Já agora, como não vou ter acesso a computador para a semana que vem, venho desejar a todos os leitores do Tempore um Feliz Natal!
Os serões que organizava para distrair o rei eram (relativamente) simples: pouco mais que uma dezena de amigos íntimos do rei e da marquesa, e um punhado de pessoas que conseguia com enormes intrigas ser admitido a esses serões para mostrar o favor régio. Ceava-se à lareira com mínimo cerimonial e etiqueta (por vezes o próprio rei servia um convidado e via-se duques de pé perante nobres plebeus), num ambiente (relativamente) descontraído, lia-se, cantava-se. Chegou-se mesmo a representar peças de teatro numa parte do palácio que foi alterado para o efeito, (e aí as disputas eram terríveis para se ser admitido na companhia ou num determinado papel). Esse teatro acabou por ser interrompido pelo rei por ficar muito caro (guarda-roupas, cenários, etc.) e pelas intrigas que eram criadas. Tudo isso era feito, depois das cerimónias normais da corte de modo que se prolongava pela noite dentro.
A família real auto-excluía-se deste círculo para mostrar a sua desaprovação para com a favorita, e nem sequer reconhecia a sua existência, mas acabaram por algum modo por transigir dado ela ter feito tudo para lhes agradar (pagava dívidas à rainha, arranjava cargos para os seus amigos) e afinal as anteriores favoritas tinham sido bem mais antipáticas.
Amiga de Voltaire e do círculo de filósofos, favoreceu a princípio os enciclopedistas. Mais tarde, com as suas responsabilidades políticas acrescidas e afastou-se desse grupo (sem nunca romper abertamente com eles), mas o partido devoto nunca lhe perdoou (que já a detestava pela função que ocupava), e acusou-a de ser em parte responsável pela expulsão dos Jesuítas.
Morreu com 43 anos, tuberculosa, em 1764 (já tinha deixado a função de Favorita por uma década, por não ter saúde nem beleza e dedicou-se a ajudar o real amante na governação- isso faz-nos pensar sobre quais os trabalhos mais difíceis).
Já agora, como não vou ter acesso a computador para a semana que vem, venho desejar a todos os leitores do Tempore um Feliz Natal!
terça-feira, dezembro 16, 2003
Madame de Pompadour-II
Tendo recebido uma excelente educação num colégio religioso, tinha uma cultura que lhe permitiu tornar-se uma mecena das artes ao patrocinar imensos artistas (Boucher): o estilo Luís XV, é em grande parte fruto do seu próprio gosto (a arte rocócó). Ora a sua carreira mostra os pontos fortes do regime absoluto e as suas tremendas limitações. Vinda de um estrato social inferior, conseguiu galgar as escadas do poder; estando a sua beleza e saúde a fenecer (a partir dos 30), a sua situação ficaria comprometida. Conseguiu no entanto (mudando é certo as suas funções), manter o seu poder. Como já tinha referido ela era inteligente e culta e deste modo procurou alegrar e manter o rei bem disposto, depois dos seus afazeres na corte e governo, e para a substituir no leito real, escolhia jovens bonitas mas que cujo intelecto limitado não lhe fizesse sombra. Arranjou uma mini-corte que passava os serões com o rei e que servia para o distrair. E começou a dedicar-se à política e a colocar amigos no poder. Por vezes com bons resultados: o duque de Choiseul, um competente governante era seu amigo. Mas a opinião pública ficava irritada por ver uma amante dedicar-se à grande política. Foi acusada de ser a responsável pela inversão das alianças tradicionais, ao aliar-se ao inimigo de sempre a Áustria (ou Sacro-Império Romano-Germánico pela designação correcta, e não a Inglaterra como muitas vezes se pensa) e entrar em guerra com a Prússia de Frederico o Grande. Se assim foi, tinha maior perspicácia do que se julga: esta era a verdadeira ameaça, com o seu regime militarista e vontade de expansão, e não o Sacro-Império. A guerra que se travou e que ficou conhecida como guerra dos 7 anos foi um desastre para a França: disputava-se “apenas” o domínio da América do Norte (e Canadá), Índia e outras possessões (entrepostos em Africa, Ásia, etc.) com a Inglaterra, ao mesmo tempo que se combatia com a Prússia no continente europeu. Ora enquanto a burguesia inglesa apostava tudo neste conflito, a nobreza da corte francesa não tinha grande interesse em fazer sacrifícios pelas possessões que nada lhe rendiam directamente (nem sequer glória, pois os postos de comando não valiam o sacrifício da travessia). A própria capacidade de mobilização de recursos era diferente: embora a França fosse mais rica em habitantes e recursos naturais, a Inglaterra tinha melhor capacidade de mobilização e de produção. A nobreza francesa dependia dos rendimentos de propriedades agrícolas (de que eram normalmente abstencionistas), e de dádivas do rei gastando tudo nas despesas de representação da corte, uma vez que esta era a melhor garantia de manter a sua posição social (mantendo o favor do rei), mas não reinvestindo no país (excepto com os artesãos que se dedicavam à manufactura de produtos de luxo); na Inglaterra, os grupos dominantes dedicavam-se conforme os casos à agricultura, comércio e indústria produzindo riquezas (ou indo à bancarrota se as coisas corressem mal, sem um rei que lhes pagasse as dívidas), e investindo produzindo mais riqueza.
segunda-feira, dezembro 15, 2003
Madame de Pompadour-I
O rei Luís XV teve a sorte de ter sempre gente a governar por ele. Bisneto de Luís XIV, sucedeu-lhe em 1715, mas sendo uma criança (5 anos de idade), a regência coube a Filipe, duque de Orleães, um devasso notório que passava boa parte do tempo em orgias; de qualquer modo tentou estabilizar as finanças que estavam um caos após as guerras do rei sol (nem sempre correndo bem, como no escândalo de Law, uma especulação que correu mal), levou uma política pacífica, abrandou o absolutismo e abriu de algum modo o regime ao devolver poderes ao parlamento. O cardeal Fleury foi mais bem sucedido, e com medidas de austeridade (e mantendo um bom entendimento com os outros países), levou a França à prosperidade. Com a sua morte (1743), o rei teve de começar a governar sozinho. Dedicou-se o que pôde, e para enganar o tédio da vida da corte de Versailles, participava em caçadas e arranjou amantes. Uma delas, Poisson, era de origem burguesa, o que provocou escândalo, dado que as favoritas eram sempre escolhidas dentro da alta aristocracia. Conseguiu cativar as boas graças do rei (tinha ela uns 24 anos), e recebeu o título de Marquesa de Pompadour (e uma série de propriedades, jóias, etc.), nome pelo qual ficou célebre na história.
sexta-feira, dezembro 12, 2003
HNN
Aproveitando a deixa do Parca, vou também recomendar uma página de Internet que me parece de consulta absolutamente obrigatória para quem se interessa por História. Trata-se da History News Network da George Mason University. Tal como o nome indica, é um portal de notícias sobre temática histórica, onde se recolhem artigos, polémicas, discussões sobre todos os temas possíveis e imagináveis. Quem quer saber o que a comunicação social (principalmente anglo-saxónica, mas também de outros países) diz sobre assuntos históricos, aqui é o lugar certo para procurar. Além disso também publica artigos próprios, onde, por exemplo, se corrigem erros historiográficos recorrentes. É um verdadeiro ponto de encontro entre História, Jornalismo, Política e Opinião Pública.
Kendo
Comecei recentemente a praticar kendo e por isso vou fazer um pequeno post sobre o assunto (o kendo, não sobre a minha experiência).
O Japão ao contrário da Europa no período medieval, desenvolveu verdadeiras escolas de treino no combate à espada (embora os cavaleiros medievais europeus fossem treinados desde a infância, isso era feito de forma informal em casa ou pelo tutor), com filosofias e técnicas distintas, que atraíam estudantes aos melhores mestres. O treino era feito com espadas de madeira, antes de se pegar em espadas. Mas mesmo um golpe de uma espada de madeira além de extremamente doloroso, podia provocar ferimentos razoavelmente graves (crânio e ossos partidos, etc). Com a pacificação do período Tokugawa, procurou-se elaborar um treino geral e comum, e começou-se a utilizar espadas feitas de bambu com armaduras parciais que garantiam um risco quase nulo de ferimentos.
Como técnica de combate procura desferir um golpe o mais depressa possível de modo a incapacitar o adversário, logo, aposta no ataque (compreendem assim melhor aquelas coreografias dos filmes de samurai, em que um combatente por ser mais rápido a mexer-se vence inúmeros adversários?). Não se preocupa assim em defender (ao contrário da esgrima), pois um adversário com os intestinos abertos (no caso de um duelo a sério) não dá mais problemas. Se os combates devido à técnica utilizada são curtos, a extrema exigência em termos físicos, também facilita a sua curta duração.
O Japão ao contrário da Europa no período medieval, desenvolveu verdadeiras escolas de treino no combate à espada (embora os cavaleiros medievais europeus fossem treinados desde a infância, isso era feito de forma informal em casa ou pelo tutor), com filosofias e técnicas distintas, que atraíam estudantes aos melhores mestres. O treino era feito com espadas de madeira, antes de se pegar em espadas. Mas mesmo um golpe de uma espada de madeira além de extremamente doloroso, podia provocar ferimentos razoavelmente graves (crânio e ossos partidos, etc). Com a pacificação do período Tokugawa, procurou-se elaborar um treino geral e comum, e começou-se a utilizar espadas feitas de bambu com armaduras parciais que garantiam um risco quase nulo de ferimentos.
Como técnica de combate procura desferir um golpe o mais depressa possível de modo a incapacitar o adversário, logo, aposta no ataque (compreendem assim melhor aquelas coreografias dos filmes de samurai, em que um combatente por ser mais rápido a mexer-se vence inúmeros adversários?). Não se preocupa assim em defender (ao contrário da esgrima), pois um adversário com os intestinos abertos (no caso de um duelo a sério) não dá mais problemas. Se os combates devido à técnica utilizada são curtos, a extrema exigência em termos físicos, também facilita a sua curta duração.
quinta-feira, dezembro 11, 2003
Links
Este site contém numerosas fontes primárias na área de História Medieval, abarcando temas como a literatura, legislação, historiografia, teologia. Como exemplos: contém os decretos do concílio de Niceia (de que já falei num post), o épico os nibelungos, a história da decadência e queda do império romano de Gibbons (pronto, este não é uma fonte primária, mas é um clássico na mesma), os textos de Boécio, o manual do inquisidor de Bernardo Gui (o inquisidor do nome da rosa). Haja tempo de vida suficiente para se ler tudo, e ninguém tem desculpa para dizer que não pode ler essas obras porque são caras, não existem na sua biblioteca, estão esgotadas ou coisa do género. E que saiba ler inglês e latim.
terça-feira, dezembro 09, 2003
Agradecimentos
Queria agradecer a simpatia com que acolheram este último post e indicar um site nacional de pintura que me parece muito bom, cortesia de RP; de facto a imagem portuguesa que indiquei no post sobre iluminuras podia ser bonita, mas era apenas uma.
sexta-feira, dezembro 05, 2003
Iluminuras
Hoje decidi fazer alguma "propaganda" a um site porque acho que merece pela qualidade das imagens.
Contém algumas das fantásticas iluminuras do livro “Les três riches heures du Duc de Berry”. Para os que tem preguiça de ler em inglês, são iluminuras de um livro de horas (livro que continha as orações segundo as horas canónicas (vésperas, matinas, etc), acrescido de orações para certos dias santos especiais e para as missas). O patrono da obra foi o duque de Berry: politicamente era moderadamente incompetente, mas foi sempre um defensor da causa francesa contra os borguinhões e ingleses (com o resultado na batalha de Azincourt em 1415).
As imagens deste site mostram o quotidiano dos camponeses segundo as estações do ano; outras descrevem festas, banquetes e caçadas dos senhores. Característica do gótico tardio é a imensa riqueza de pormenores (alguns artistas chegariam ao ponto de saturar a imagem, a ponto de não se perceber qual o tema em questão- esta seria uma das criticas de Miguel Ângelo). As cores também são outra das maravilhas desta forma de arte: muito azul e uma variedade que não deixa de surpreender. Embora as leis da perspectiva não fossem conhecidas matematicamente, eram de algum modo intuídas. Lembremo-nos que o renascimento em Itália estava a dar os primeiros passos, mas o gótico estava a fechar com chave de ouro.
Mas para mostrar que cá dentro também se faziam coisas de excelente qualidade, aqui vai um link com uma imagem do apocalipse de Lorvão (depositado na Torre do Tombo).
É um manuscrito de finais do século XII, sobre o comentário ao apocalipse da autoria de Beato de Liebana (séc. VIII). O desenho para o olho não habituado pode aparecer algo tosco, mas como se pode observar as cores são muito mais quentes (para quem se recorda do livro “O nome da Rosa”, é feita essa referência dos apocalipse da península serem os melhores), e esta pequena amostra lusitana confirma-o plenamente (já agora, não posso deixar de agradecer à Patrícia por me ter ensinado como se colocam estes links que tanta dor de cabeça me deram, na ausência do meu conselheiro habitual que está de férias).
Contém algumas das fantásticas iluminuras do livro “Les três riches heures du Duc de Berry”. Para os que tem preguiça de ler em inglês, são iluminuras de um livro de horas (livro que continha as orações segundo as horas canónicas (vésperas, matinas, etc), acrescido de orações para certos dias santos especiais e para as missas). O patrono da obra foi o duque de Berry: politicamente era moderadamente incompetente, mas foi sempre um defensor da causa francesa contra os borguinhões e ingleses (com o resultado na batalha de Azincourt em 1415).
As imagens deste site mostram o quotidiano dos camponeses segundo as estações do ano; outras descrevem festas, banquetes e caçadas dos senhores. Característica do gótico tardio é a imensa riqueza de pormenores (alguns artistas chegariam ao ponto de saturar a imagem, a ponto de não se perceber qual o tema em questão- esta seria uma das criticas de Miguel Ângelo). As cores também são outra das maravilhas desta forma de arte: muito azul e uma variedade que não deixa de surpreender. Embora as leis da perspectiva não fossem conhecidas matematicamente, eram de algum modo intuídas. Lembremo-nos que o renascimento em Itália estava a dar os primeiros passos, mas o gótico estava a fechar com chave de ouro.
Mas para mostrar que cá dentro também se faziam coisas de excelente qualidade, aqui vai um link com uma imagem do apocalipse de Lorvão (depositado na Torre do Tombo).
É um manuscrito de finais do século XII, sobre o comentário ao apocalipse da autoria de Beato de Liebana (séc. VIII). O desenho para o olho não habituado pode aparecer algo tosco, mas como se pode observar as cores são muito mais quentes (para quem se recorda do livro “O nome da Rosa”, é feita essa referência dos apocalipse da península serem os melhores), e esta pequena amostra lusitana confirma-o plenamente (já agora, não posso deixar de agradecer à Patrícia por me ter ensinado como se colocam estes links que tanta dor de cabeça me deram, na ausência do meu conselheiro habitual que está de férias).
quarta-feira, dezembro 03, 2003
Questões rápidas...
Hoje vou fazer um pequeno teste de conhecimentos. Sabem o que significa Jihaad? Acham que é Guerra Santa? Resposta errada. Significa esforçar-se (ou esforço, ou algo do género). A jihaad é o esforço que cada muçulmano deve fazer dentro de si.
E Intifada? Acham que é guerra das pedras? Lamento mas erraram novamente: significa reagir bem (segundo me asseguraram, é uma expressão muito usada no futebol quando uma equipa está a perder na 1ª parte e depois consegue recuperar na segunda).
Faz-nos pensar sobre o quanto o ocidente percebe do mundo muçulmano. E lembrem-se aqueles que acham que percebem ao menos da história do ocidente, que se acham que um cruzado é um tipo de armadura que vai matar infiéis numa cruzada, estão novamente enganados: o termo aplicava-se aos peregrinos que iam a Jerusalém e que levavam uma cruz bordada ao peito.
E Intifada? Acham que é guerra das pedras? Lamento mas erraram novamente: significa reagir bem (segundo me asseguraram, é uma expressão muito usada no futebol quando uma equipa está a perder na 1ª parte e depois consegue recuperar na segunda).
Faz-nos pensar sobre o quanto o ocidente percebe do mundo muçulmano. E lembrem-se aqueles que acham que percebem ao menos da história do ocidente, que se acham que um cruzado é um tipo de armadura que vai matar infiéis numa cruzada, estão novamente enganados: o termo aplicava-se aos peregrinos que iam a Jerusalém e que levavam uma cruz bordada ao peito.
segunda-feira, dezembro 01, 2003
A Caaba
Aproveitando o recente findar da festa do Ramadão, aqui lanço umas pistas sobre o Santuário da Cidade Santa Muçulmana que é Meca: A (Al-)Kaaba, que contém nela a Pedra Negra, um meteorito semelhante a um bétilo.
A palavra etimologicamente designa o que é quadrado, mas também os seios de uma virgem, e foi relacionada ao nome da deusa Kaabou, dado poe Santo Epifânio à deusa virgem, mãe de Dusares. Essa estrutura quadrada, na qual foi integrada a Pedra Negra no tempo de Maomé, abrigaria um bétilo, simbolo da deusa-mãe. Durante a época pré-islâmica o santuário foi contornado pela muralha sagrada (Hâram) e estava coberto por um tecido que foi queimado na juventude de Maomé, antes de ter iniciado a sua missão religiosa. Não sendo possível qualquer qualquer escavação no local, é difícil determinar a época da fundação do santuário, apesar das várias propostas. A sua construção deve ter-se iniciado pelo início da nossa era, embora o culto da Pedra Negra seja muito anterior. Segundo as tradições muçulmanas, influenciadas pelos textos bíblicos, situam neste santuário o sacrifício do filho de Abraão , e que lhe atribui a sua construção. A sua origem nabateia é possível, embora não tenha sido demonstrada. O santuário está ligado à fundação de Meca, em redor de um ponto de água, importantíssima na região desértica que medeia as regiões do Sul, produtoras de incenso, e a actual Jordânia, aonde chegavam as caravanas. O nome dessa nascente, Zamzam, foi ligado ao da divindade suméria Zababa. Seja como for, possuía um carácter sagrado que permitiu a fundação do santuário com o seu bétilo. Durante os séculos que precederam o islamismo, a Caaba tornou-se, certamente por questões económicas e em consequência da ascendente importância da família Quraychitas na Arábia, um lugar de peregrinação para numerosas tribos árabes. No seu Harâm estavam representadas todas as divindades da antiga Arábia e dos países vizinhos, trezentas e sessenta no total, quer sob a forma de bétilos ou de estátuas, quer pintadas. Assim, via-se aí uma representação de Jesus (Isa) e da virgem maria.
A palavra etimologicamente designa o que é quadrado, mas também os seios de uma virgem, e foi relacionada ao nome da deusa Kaabou, dado poe Santo Epifânio à deusa virgem, mãe de Dusares. Essa estrutura quadrada, na qual foi integrada a Pedra Negra no tempo de Maomé, abrigaria um bétilo, simbolo da deusa-mãe. Durante a época pré-islâmica o santuário foi contornado pela muralha sagrada (Hâram) e estava coberto por um tecido que foi queimado na juventude de Maomé, antes de ter iniciado a sua missão religiosa. Não sendo possível qualquer qualquer escavação no local, é difícil determinar a época da fundação do santuário, apesar das várias propostas. A sua construção deve ter-se iniciado pelo início da nossa era, embora o culto da Pedra Negra seja muito anterior. Segundo as tradições muçulmanas, influenciadas pelos textos bíblicos, situam neste santuário o sacrifício do filho de Abraão , e que lhe atribui a sua construção. A sua origem nabateia é possível, embora não tenha sido demonstrada. O santuário está ligado à fundação de Meca, em redor de um ponto de água, importantíssima na região desértica que medeia as regiões do Sul, produtoras de incenso, e a actual Jordânia, aonde chegavam as caravanas. O nome dessa nascente, Zamzam, foi ligado ao da divindade suméria Zababa. Seja como for, possuía um carácter sagrado que permitiu a fundação do santuário com o seu bétilo. Durante os séculos que precederam o islamismo, a Caaba tornou-se, certamente por questões económicas e em consequência da ascendente importância da família Quraychitas na Arábia, um lugar de peregrinação para numerosas tribos árabes. No seu Harâm estavam representadas todas as divindades da antiga Arábia e dos países vizinhos, trezentas e sessenta no total, quer sob a forma de bétilos ou de estátuas, quer pintadas. Assim, via-se aí uma representação de Jesus (Isa) e da virgem maria.
quarta-feira, novembro 26, 2003
Vikings-III
Para terminar este assunto, o que levou ao fim da saga dos vikings?
Várias explicações são normalmente apresentadas. Por um lado, as populações dos países atacados na Europa reagiram agrupando-se e refugiando-se junto aos senhores locais que os protegeriam (instituindo o feudalismo), e tornando menos proveitosas as pequenas expedições. Com o ano mil, começaram também a reorganizar-se os estados, preparando-os melhor para a defesa contra essas razias.
Aos poucos, foram-se formando estados cada vez mais centralizados que foram instituindo alguma ordem nos emergentes estados escandinavos e diminuindo os conflitos internos (e a necessidade de grupos se porem à aventura), e dedicando-se à guerra entre nações, formando os núcleos do que seriam um dia a Dinamarca, Suécia, e Noruega.
Depois das primeiras levas andarem a pilhar o que podiam, os grupos seguintes foram-se fixando e fundando estados (Normandia, sul de Itália, Sicília, Rússia), aliviando a pressão demográfica que for apresentado como causa dessa migração e aumentando a ordem e estabilidade (e permitindo que novos grupos de vikings migrassem pacificamente). Esses novos estados iriam é certo manter uma forte agressividade (os normandos da Normandia invadiram a Inglaterra, os do sul de Itália iriam provocar dores de cabeça ao Papa e ao Sacro-Império), até progressivamente perderem a sua identidade nos finais do séc. XII e XIII. A cristianização dos vikings, deveria também, ter levado a uma certa diminuição do seu ardor guerreiro (ou pelo menos a uma escolha mais selectiva dos seus alvos do que os mosteiros indefesos), com o abandono da moral que lhes garantia a entrada no Valhahala se morressem de espada na mão. E apesar de continuarem a dedicar-se à guerra, esta era feita de uma forma mais respeitável, contra estados e barcos com o qual se estavam em guerra e muçulmanos e não contra aldeias que apenas estivessem na rota de viagem.
Várias explicações são normalmente apresentadas. Por um lado, as populações dos países atacados na Europa reagiram agrupando-se e refugiando-se junto aos senhores locais que os protegeriam (instituindo o feudalismo), e tornando menos proveitosas as pequenas expedições. Com o ano mil, começaram também a reorganizar-se os estados, preparando-os melhor para a defesa contra essas razias.
Aos poucos, foram-se formando estados cada vez mais centralizados que foram instituindo alguma ordem nos emergentes estados escandinavos e diminuindo os conflitos internos (e a necessidade de grupos se porem à aventura), e dedicando-se à guerra entre nações, formando os núcleos do que seriam um dia a Dinamarca, Suécia, e Noruega.
Depois das primeiras levas andarem a pilhar o que podiam, os grupos seguintes foram-se fixando e fundando estados (Normandia, sul de Itália, Sicília, Rússia), aliviando a pressão demográfica que for apresentado como causa dessa migração e aumentando a ordem e estabilidade (e permitindo que novos grupos de vikings migrassem pacificamente). Esses novos estados iriam é certo manter uma forte agressividade (os normandos da Normandia invadiram a Inglaterra, os do sul de Itália iriam provocar dores de cabeça ao Papa e ao Sacro-Império), até progressivamente perderem a sua identidade nos finais do séc. XII e XIII. A cristianização dos vikings, deveria também, ter levado a uma certa diminuição do seu ardor guerreiro (ou pelo menos a uma escolha mais selectiva dos seus alvos do que os mosteiros indefesos), com o abandono da moral que lhes garantia a entrada no Valhahala se morressem de espada na mão. E apesar de continuarem a dedicar-se à guerra, esta era feita de uma forma mais respeitável, contra estados e barcos com o qual se estavam em guerra e muçulmanos e não contra aldeias que apenas estivessem na rota de viagem.
sexta-feira, novembro 21, 2003
Derrotas coloniais-IV
Que se note que o conselho dos XIX (órgão que liderava a companhia) se esforçava para resolver esses problemas, nomeando pessoas competentes com uma folha de serviço o mais adequado possível; o problema era que a estratégia perfeita para corso e enriquecimento rápido não se coadunava com investimentos a longo prazo de retorno duvidoso; uma expedição de saque trazia lucros imediatos, enquanto que preparar e manter a conquista exigia a manutenção de guarnições, tropas e frotas de socorro durante anos a fio para a guerra, ou seja unicamente dinheiro a sair e pouco ou nenhum a entrar. Portugal podia dar-se a esse luxo, uma vez que a manutenção do seu império era vital para a sua sobrevivência como estado independente, enquanto que nos Países-Baixos, via-se o comércio como a actividade prioritária, a guerra só em caso de último recurso ou se os riscos fossem mínimos. Ou seja, sobreviveria não apenas quem tivesse recursos, mas quem os sacrificasse sem remorsos à guerra.
Claro que os cenários foram muito diferentes uns dos outros: S. Tomé povoada por portugueses que se dedicavam à plantação de açúcar, pouca resistência ofereceu, colaborou activamente com os neerlandeses e só deu problemas no fim (e mesmo assim, “comprou” a retirada dos ocupantes). Em Pernambuco, a anos pacíficos sob o governo do Conde de Nassau, sucederam confrontos e guerrilhas quando a ocupação endureceu um pouco (mas não tanto assim que justificasse a reacção portuguesa!). Em Angola, a guerra pode-se dizer que foi praticamente contínua, com uns breves intervalos, usando-se as tribos indígenas como auxiliares, devastando-se aldeias e massacrando-se populações (alguns acabaram por ser mais astutos e iam balançando de acordo com a sorte das armas).
A Companhia das Índias Ocidentais depois de um começo promissor acabou por perder em quase todas as frentes: foi corrida de Angola, S. Tomé, Brasil, da Baia de Hudson, do comércio no Canadá. Conseguiu sobreviver com algumas feitorias na costa do Ouro e com os escravos obtidos aí, lá pode manter e desenvolver os territórios das Caraíbas que conquistara.
Claro que os cenários foram muito diferentes uns dos outros: S. Tomé povoada por portugueses que se dedicavam à plantação de açúcar, pouca resistência ofereceu, colaborou activamente com os neerlandeses e só deu problemas no fim (e mesmo assim, “comprou” a retirada dos ocupantes). Em Pernambuco, a anos pacíficos sob o governo do Conde de Nassau, sucederam confrontos e guerrilhas quando a ocupação endureceu um pouco (mas não tanto assim que justificasse a reacção portuguesa!). Em Angola, a guerra pode-se dizer que foi praticamente contínua, com uns breves intervalos, usando-se as tribos indígenas como auxiliares, devastando-se aldeias e massacrando-se populações (alguns acabaram por ser mais astutos e iam balançando de acordo com a sorte das armas).
A Companhia das Índias Ocidentais depois de um começo promissor acabou por perder em quase todas as frentes: foi corrida de Angola, S. Tomé, Brasil, da Baia de Hudson, do comércio no Canadá. Conseguiu sobreviver com algumas feitorias na costa do Ouro e com os escravos obtidos aí, lá pode manter e desenvolver os territórios das Caraíbas que conquistara.
quinta-feira, novembro 20, 2003
OBITUÁRIO
Não fazia ideia que a personagem ainda fosse viva. Só em Setembro, aos 101 anos, é que Serrano Suñer deixou este mundo. Como é normal nesta idade, foram os pulmões que lhe falharam.
O cunhado de Francisco Franco, «caudillo de España por la gracia de Dios», foi o mais importante pró-germanista do país vizinho nos anos difíceis da 2ª Guerra Mundial. Nessa época de fervores falangistas, o “cunhadíssimo” foi mesmo o homem mais poderoso de Espanha, com excepção, claro está, do próprio “generalíssimo”, que não deixava que ninguém lhe fizesse sombra por muito tempo.
Bem, mas a razão deste post tem a ver com as ideias peculiares de Suñer sobre Portugal. Ainda como ministro do Interior, e depois, a partir de 1940, já como ministro dos Negócios Estrangeiros, ele foi o principal interlocutor espanhol de Hitler e Ribbentrop. Por isso, foi um dos actores fulcrais da cimeira de Hendaya entre Hitler e Franco. Como é lógico, Portugal era tema recorrente dessas discussões.
Segundo Paul Preston, provavelmente o melhor historiador do franquismo, Suñer teria dito a Ribbentrop, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, que «geograficamente falando, Portugal não tem qualquer direito de existência». Ao embaixador italiano em Madrid, Francesco Laquio, foi mais longe ainda: «Portugal deveria fazer parte de uma grande Espanha».
Não admira, pois, que surja neste contexto a ideia de que Serrano Suñer negociou com Hitler a anexação de Portugal pela Espanha, no que seria uma das moedas de troca pela participação espanhola na guerra ao lado do Eixo, e de que teria havido mesmo uma proposta alemã nesse sentido.
Na verdade, a documentação conhecida não nos diz isso. Franco nunca deu muita rédea solta às ambições anexionistas da Falange (ou de parte dela). Tal como António José Telo mostra na sua magistral obra «Os Açores e o Controlo do
Atlântico», Hitler nunca teve um interesse profundo na Península Ibérica. Os planos de invasão que existiam tinham como objectivo a tomada de Gibraltar. Esse é o único ponto de interesse estratégico alemão para além dos Pirineus, e, mesmo assim, só subsiste até 1941, quando a invasão da União Soviética vira o esforço de guerra nazi definitivamente para Leste.
Quanto aos devaneios iberistas de Serrano Suñer, o que poderia restar deles foi definitivamente enterrado em 1942, com a assinatura do Pacto Ibérico, que estabelece um entendimento duradouro entre os dois regimes.
Franco tinha mais que fazer.
O cunhado de Francisco Franco, «caudillo de España por la gracia de Dios», foi o mais importante pró-germanista do país vizinho nos anos difíceis da 2ª Guerra Mundial. Nessa época de fervores falangistas, o “cunhadíssimo” foi mesmo o homem mais poderoso de Espanha, com excepção, claro está, do próprio “generalíssimo”, que não deixava que ninguém lhe fizesse sombra por muito tempo.
Bem, mas a razão deste post tem a ver com as ideias peculiares de Suñer sobre Portugal. Ainda como ministro do Interior, e depois, a partir de 1940, já como ministro dos Negócios Estrangeiros, ele foi o principal interlocutor espanhol de Hitler e Ribbentrop. Por isso, foi um dos actores fulcrais da cimeira de Hendaya entre Hitler e Franco. Como é lógico, Portugal era tema recorrente dessas discussões.
Segundo Paul Preston, provavelmente o melhor historiador do franquismo, Suñer teria dito a Ribbentrop, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, que «geograficamente falando, Portugal não tem qualquer direito de existência». Ao embaixador italiano em Madrid, Francesco Laquio, foi mais longe ainda: «Portugal deveria fazer parte de uma grande Espanha».
Não admira, pois, que surja neste contexto a ideia de que Serrano Suñer negociou com Hitler a anexação de Portugal pela Espanha, no que seria uma das moedas de troca pela participação espanhola na guerra ao lado do Eixo, e de que teria havido mesmo uma proposta alemã nesse sentido.
Na verdade, a documentação conhecida não nos diz isso. Franco nunca deu muita rédea solta às ambições anexionistas da Falange (ou de parte dela). Tal como António José Telo mostra na sua magistral obra «Os Açores e o Controlo do
Atlântico», Hitler nunca teve um interesse profundo na Península Ibérica. Os planos de invasão que existiam tinham como objectivo a tomada de Gibraltar. Esse é o único ponto de interesse estratégico alemão para além dos Pirineus, e, mesmo assim, só subsiste até 1941, quando a invasão da União Soviética vira o esforço de guerra nazi definitivamente para Leste.
Quanto aos devaneios iberistas de Serrano Suñer, o que poderia restar deles foi definitivamente enterrado em 1942, com a assinatura do Pacto Ibérico, que estabelece um entendimento duradouro entre os dois regimes.
Franco tinha mais que fazer.
quarta-feira, novembro 19, 2003
Derrotas coloniais-III
Se os portugueses eram corruptos, a Companhia das Índias com a sua avareza conseguia exasperar os seus subordinados: muitas vezes eram embarcados alimentos já com bicho por serem mais baratos, e água em pouca quantidade. Os produtos para comerciar com os indígenas escasseavam devido ao desejo de poupar e muitos dos escravos morriam nas viagens por não lhes ser atribuída alimentação. Os oficias do exército ignoravam assim muitas vezes os protestos dos representantes da companhia nas suas instruções por considerarem que por a Companhia não cumprir a sua parte ao assegurar-lhes roupas, comida e medicamentos, eles e os seus homens deveriam arranjar-se por outros meios (leia-se ficar com parte do espólio conquistado). As tropas rapidamente se trocavam indisciplinadas, recusando-se a cumprir ordens.
Outra praga era a cupidez devido ao espírito comercial: estando a decorrer combates, os representantes da companhia vendiam produtos aos portugueses. E se os portugueses raras vezes desertavam, o mesmo não sucedia com os neerlandeses (para quem ficar surpreendido pelo facto de eles desertarem para os “papistas”, é preciso não esquecer que a esmagadora parte da população do campo era católica, sendo calvinista a elite das cidades, mercadores e nobres, mas o medo aos espanhóis era tão grande, assim como o nacionalismo, que o país conseguiu manter-se unido), sob a promessa de melhores condições de alimentação. E esses desertores nunca eram entregues pelos portugueses, mesmo que acordos assim o estipulassem. Essa gente acabou por ficar integrada na população branca local.
Ou seja, se as pessoas pareciam tolerar que as coisas corressem mal, por o sistema ser todo corrupto e incompetente (acabando por ser uma justificação para o próprio comportamento), outra bem diferente, é tratar mal as pessoas deliberadamente para poupar custos e aumentar os lucros dos accionistas (coisa que já não era tão bem aceite).
Outra praga era a cupidez devido ao espírito comercial: estando a decorrer combates, os representantes da companhia vendiam produtos aos portugueses. E se os portugueses raras vezes desertavam, o mesmo não sucedia com os neerlandeses (para quem ficar surpreendido pelo facto de eles desertarem para os “papistas”, é preciso não esquecer que a esmagadora parte da população do campo era católica, sendo calvinista a elite das cidades, mercadores e nobres, mas o medo aos espanhóis era tão grande, assim como o nacionalismo, que o país conseguiu manter-se unido), sob a promessa de melhores condições de alimentação. E esses desertores nunca eram entregues pelos portugueses, mesmo que acordos assim o estipulassem. Essa gente acabou por ficar integrada na população branca local.
Ou seja, se as pessoas pareciam tolerar que as coisas corressem mal, por o sistema ser todo corrupto e incompetente (acabando por ser uma justificação para o próprio comportamento), outra bem diferente, é tratar mal as pessoas deliberadamente para poupar custos e aumentar os lucros dos accionistas (coisa que já não era tão bem aceite).
segunda-feira, novembro 17, 2003
Derrotas coloniais-II
A política que os portugueses tinham desde cedo procurado implementar, passava pelo povoamento das colónias. Rapidamente se formou uma casta intermédia composta por mestiços filhos das indígenas. Logo, ao fixar-se, os portugueses consideravam aquele o seu território e não apenas um local para ganhar dinheiro (embora este motivo fosse sempre fundamental). Por um sistema de alegre corrupção, nos territórios africanos, toda a gente vivia do comércio (do simples soldado ao governador), desfalcando o monopólio do estado quando este existia. Daí que quando eram conquistados, às propostas de trabalhar para as Províncias Unidas, os portugueses reagiam fugindo na maior parte das vezes para o interior e fazendo uma guerra de guerrilha. Mesmo os que ficavam, consideravam o domínio dos “heréticos” calvinistas insuportável (apesar de lhes ser concedida uma razoável tolerância religiosa), criando focos de instabilidade. A religião era assim um elemento inconciliável. Os “Holandeses” pelo contrário não tinham qualquer problema em se retirar se as coisas corressem mal; assim os indígenas que a princípio os tinham acolhido bem, começaram a considerar que não valia a pena dar o seu apoio a esses visitantes, se depois, tivessem de ficar à mercê da vingança dos portugueses. Não eram feitos esforços significativos pela Companhia para enviar colonos para esses territórios, por medo que as autoridades militares locais tentassem obter a independência da Companhia (mas teria sido tal motivo alguma vez válido?).
E o clima: as guarnições lusas estavam sempre com baixos efectivos mal-alimentadas e com pólvora estragada o que facilitara a conquista por tropas frescas neerlandesas, mas rapidamente a malária veio impor o seu tributo, assim comos as chuvas, equilibrando as coisas.
E o clima: as guarnições lusas estavam sempre com baixos efectivos mal-alimentadas e com pólvora estragada o que facilitara a conquista por tropas frescas neerlandesas, mas rapidamente a malária veio impor o seu tributo, assim comos as chuvas, equilibrando as coisas.
sexta-feira, novembro 14, 2003
Derrotas coloniais-I
Não tenho podido escrever nestes dias mas tenho uma boa desculpa: uma crise de gastrite que me deixou (literalmente) de rastos. Aproveitei a minha convalescença para ler um livro que me despertou a atenção “Os holandeses no Brasil e na Costa Africana : Angola, Kongo e São Tomé (1600-1650)” por Klaas Ratelband, editado recentemente entre nós. De um historiador holandês completamente desconhecido entre nós, parece-me fundamental para quem se interessar sobre a problemática da manutenção do império português no séc. XVII, ao debruçar-se do porquê do falhanço do estabelecimento de um império holandês duradouro nesses territórios apesar das condições aparentemente tão favoráveis.
Vou poupar os pormenores fastidiosos e a cronologia, limitando-me a um breve resumo: desses acontecimentos e as conclusões que é o que interessa: com a união ibérica em 1580, o bom entendimento entre Portugal e as Províncias Unidas que estava em guerra com a Espanha terminou, e os territórios lusos passaram a ser cobiçados. Com a fundação da companhia das Índias Ocidentais tentou-se não só pilhar os barcos e estabelecimentos portugueses, mas também tentar criar um comércio alternativo com os povos indígenas (tratando-os bem e pagando preços mais razoáveis), e estabelecer feitoria ou mesmo conquistar territórios aos portugueses; estes deviam ser plenamente integrados no novo estado desde que prometessem não revoltarem, permitindo assim que a economia continuasse a funcionar sem as interrupções, que a substituição e confisco dos bens inevitavelmente traria. As décadas de 30 e 40 iriam ver a conquista de Luanda, São Tomé, Pernambuco, sem que os portugueses parecessem conseguir travar a maré invasora. Um acordo assinado depois, iria legitimar essas conquistas. No entanto, os portugueses conseguiram (na maioria das vezes sem receber qualquer apoio da metrópole) recuperar esses territórios (outros como S. Jorge na Mina ficaram definitivamente perdidos). Como sucedeu isso? Normalmente os “Holandeses” são apresentados como muito mais eficientes que os portugueses nos seus métodos comerciais, dominando a corrupção e incompetência do lado dos fidalgos portugueses, passando metade do tempo à guerra com Jesuítas pela conquista do poder, só lhes restando uma imensa coragem que teria permitido nalgumas vitórias providenciais recuperar tudo. A realidade é bem mais complicada.
Vou poupar os pormenores fastidiosos e a cronologia, limitando-me a um breve resumo: desses acontecimentos e as conclusões que é o que interessa: com a união ibérica em 1580, o bom entendimento entre Portugal e as Províncias Unidas que estava em guerra com a Espanha terminou, e os territórios lusos passaram a ser cobiçados. Com a fundação da companhia das Índias Ocidentais tentou-se não só pilhar os barcos e estabelecimentos portugueses, mas também tentar criar um comércio alternativo com os povos indígenas (tratando-os bem e pagando preços mais razoáveis), e estabelecer feitoria ou mesmo conquistar territórios aos portugueses; estes deviam ser plenamente integrados no novo estado desde que prometessem não revoltarem, permitindo assim que a economia continuasse a funcionar sem as interrupções, que a substituição e confisco dos bens inevitavelmente traria. As décadas de 30 e 40 iriam ver a conquista de Luanda, São Tomé, Pernambuco, sem que os portugueses parecessem conseguir travar a maré invasora. Um acordo assinado depois, iria legitimar essas conquistas. No entanto, os portugueses conseguiram (na maioria das vezes sem receber qualquer apoio da metrópole) recuperar esses territórios (outros como S. Jorge na Mina ficaram definitivamente perdidos). Como sucedeu isso? Normalmente os “Holandeses” são apresentados como muito mais eficientes que os portugueses nos seus métodos comerciais, dominando a corrupção e incompetência do lado dos fidalgos portugueses, passando metade do tempo à guerra com Jesuítas pela conquista do poder, só lhes restando uma imensa coragem que teria permitido nalgumas vitórias providenciais recuperar tudo. A realidade é bem mais complicada.
sexta-feira, novembro 07, 2003
Vikings-II
Para Ocidente começaram as suas incursões pela Inglaterra (que a princípio decidiu livrar-se deles pagando um tributo; acabaram por conquistar o país até Alfredo lhes fazer frente, depois conseguiram mesmo ter um rei seu com Cnut), a Irlanda (destruindo os mosteiros que tinham possuído um incomparável brilho intelectual e cultural na triste Europa de até então), França (para se livrar deles, um rei de França entregou-lhes mesmo uma província que se chamaria Normandia), Península Ibérica (fizeram mais estragos na zona controlada pelos muçulmanos porque eram os únicos que tinham cidades dignas desse nome), Itália, e um pouco do mediterrâneo oriental e sul.
Para leste, dirigiram-se até à Rússia, criando estados em território eslavo; em Bizâncio formaram a guarda Varegue, uma unidade de elite, absolutamente fiel ao Imperador.
Para ocidente, chegaram à Islândia onde criaram uma república razoavelmente igualitária (pelo de acordo com os padrões da época), fundaram colónias da Gronelândia (a última extinguiu-se por inícios do séc. XVI, por pouco que os portugueses não tropeçaram neles) e existe elevada probabilidade de terem atingido a América. Digo “elevada probabilidade”, porque não há vestígios arqueológicos irrefutáveis. Existem sim sagas, e crónicas da descrição de terras que correspondem a esse continente e respectivos habitantes. Numa dessas crónicas descrevem como encontraram um grupo que os foi receber, mas dois conseguiram depois escapar com vida (dois índios que se entenda)... Supostamente passaram um Inverno numa povoação algures no norte, mas o seu temperamento algo “fogoso”, levou à guerra com os indígenas. Acabaram por levantar âncora e partir de volta à Europa (muito semelhante com o que se passou com os espanhóis de Colombo, com a excepção de que estes voltaram). Claro que mesmo que tenham sido eles os primeiros a chegar à América (ou outros povos anteriormente como já se sugeriu- chineses, fenícios, romanos, egípcios, para não falar dos próprios índios), a realidade é que a viagem que interessou para colocar a América no circuito dos mapas foi a de Colombo e não Leif Erikson (ou do mercador que lhe deu a informação para ser mais exacto).
Com os seus barcos pequenos e robustos, passaram rapidamente de meros assaltantes (como ainda se nota por tesouros arqueológicos descobertos na Escandinávia), a piratas/comerciantes dado os lucros que podiam obter juntando as duas actividades(nunca perdendo a sua faceta violenta quando necessária).
Para leste, dirigiram-se até à Rússia, criando estados em território eslavo; em Bizâncio formaram a guarda Varegue, uma unidade de elite, absolutamente fiel ao Imperador.
Para ocidente, chegaram à Islândia onde criaram uma república razoavelmente igualitária (pelo de acordo com os padrões da época), fundaram colónias da Gronelândia (a última extinguiu-se por inícios do séc. XVI, por pouco que os portugueses não tropeçaram neles) e existe elevada probabilidade de terem atingido a América. Digo “elevada probabilidade”, porque não há vestígios arqueológicos irrefutáveis. Existem sim sagas, e crónicas da descrição de terras que correspondem a esse continente e respectivos habitantes. Numa dessas crónicas descrevem como encontraram um grupo que os foi receber, mas dois conseguiram depois escapar com vida (dois índios que se entenda)... Supostamente passaram um Inverno numa povoação algures no norte, mas o seu temperamento algo “fogoso”, levou à guerra com os indígenas. Acabaram por levantar âncora e partir de volta à Europa (muito semelhante com o que se passou com os espanhóis de Colombo, com a excepção de que estes voltaram). Claro que mesmo que tenham sido eles os primeiros a chegar à América (ou outros povos anteriormente como já se sugeriu- chineses, fenícios, romanos, egípcios, para não falar dos próprios índios), a realidade é que a viagem que interessou para colocar a América no circuito dos mapas foi a de Colombo e não Leif Erikson (ou do mercador que lhe deu a informação para ser mais exacto).
Com os seus barcos pequenos e robustos, passaram rapidamente de meros assaltantes (como ainda se nota por tesouros arqueológicos descobertos na Escandinávia), a piratas/comerciantes dado os lucros que podiam obter juntando as duas actividades(nunca perdendo a sua faceta violenta quando necessária).
quinta-feira, novembro 06, 2003
Vikings-I
Juntamente com os cavaleiros e castelos, são uma das imagens de marca da Idade Média. Grupos de ferozes guerreiros em drakkars (barcos estreitos e compridos que funcionavam a remos e vela), assaltando as costas, pilhando e raptando gente. E surpresa, desta vez a imagem corresponde à realidade, (embora seja apenas uma das facetas).
Os antepassados dos vikings entre o séc. V e VI desalojaram os frísios do sul da Escandinávia (que juntamente com os anglos, saxões e outros, acabaram com os reinos celtas na Grande-Bretanha e instalaram-se também numa parte do que é agora os Países -baixos), e profundamente fragmentados, foram vivendo sem que alguém lhes desse importância.
Ora no séc. IX, sem que se tenha a certeza porque, começaram a expandir-se. Alguns argumentam que se teria dado um aumento do nível das águas que os teria privado das terras mais férteis, outros que a fuga dos saxões vítimas das campanhas de Carlos Magno teria levado a um aumento demográfico e a uma consequente hostilidade aos reinos cristãos; a mais credível pretende que o aumento demográfico numa terra não de si rica, levaria aos filhos segundos da nobreza a querer fora, as oportunidades que não tinham na sua terra. Em todo o caso, primeiro em pequenos grupos (1 ou 2 barcos), depois em autenticas frotas de dezenas de drakkars, assolaram as costas europeias e semearam o terror.
Eram denominados colectivamente por normandos (homens do norte) e deram origem a uma oração (da fúria dos homens do norte, livrai-nos senhor)
O seu sistema social embora simples estava longe de ser igualitário, como muitos pensavam: em primeiro lugar vinham os Karls (nobres), depois os Jarls (homens livres indo do agricultor, artesão, comerciante) e finalmente o Thrall (escravo ou servo, normalmente um prisioneiro de uma razia ou seu descendente, embora situações excepcionais pudessem levar à escravatura de homens livres). As expedições eram lideradas e financiadas pelos Karls, que compunham uma parte da tripulação, embora Jarls também fizessem parte. O objectivo era obviamente o enriquecer, mas como a sociedade não era muito rígida nas suas funções, o ganhar dinheiro negociando não era visto como desonroso (desde que não fosse actividade única).
Nas suas incursões se um grupo de vikings se apercebesse que as suas potenciais vítimas era demasiado poderosas para se atacar de forma segura, a resposta era a adaptação à situação: limitavam-se a fingir que eram negociantes, comerciavam (normalmente mercadorias não lhes faltariam) e depois assaltavam outra povoação menos preparada.
Os antepassados dos vikings entre o séc. V e VI desalojaram os frísios do sul da Escandinávia (que juntamente com os anglos, saxões e outros, acabaram com os reinos celtas na Grande-Bretanha e instalaram-se também numa parte do que é agora os Países -baixos), e profundamente fragmentados, foram vivendo sem que alguém lhes desse importância.
Ora no séc. IX, sem que se tenha a certeza porque, começaram a expandir-se. Alguns argumentam que se teria dado um aumento do nível das águas que os teria privado das terras mais férteis, outros que a fuga dos saxões vítimas das campanhas de Carlos Magno teria levado a um aumento demográfico e a uma consequente hostilidade aos reinos cristãos; a mais credível pretende que o aumento demográfico numa terra não de si rica, levaria aos filhos segundos da nobreza a querer fora, as oportunidades que não tinham na sua terra. Em todo o caso, primeiro em pequenos grupos (1 ou 2 barcos), depois em autenticas frotas de dezenas de drakkars, assolaram as costas europeias e semearam o terror.
Eram denominados colectivamente por normandos (homens do norte) e deram origem a uma oração (da fúria dos homens do norte, livrai-nos senhor)
O seu sistema social embora simples estava longe de ser igualitário, como muitos pensavam: em primeiro lugar vinham os Karls (nobres), depois os Jarls (homens livres indo do agricultor, artesão, comerciante) e finalmente o Thrall (escravo ou servo, normalmente um prisioneiro de uma razia ou seu descendente, embora situações excepcionais pudessem levar à escravatura de homens livres). As expedições eram lideradas e financiadas pelos Karls, que compunham uma parte da tripulação, embora Jarls também fizessem parte. O objectivo era obviamente o enriquecer, mas como a sociedade não era muito rígida nas suas funções, o ganhar dinheiro negociando não era visto como desonroso (desde que não fosse actividade única).
Nas suas incursões se um grupo de vikings se apercebesse que as suas potenciais vítimas era demasiado poderosas para se atacar de forma segura, a resposta era a adaptação à situação: limitavam-se a fingir que eram negociantes, comerciavam (normalmente mercadorias não lhes faltariam) e depois assaltavam outra povoação menos preparada.
segunda-feira, novembro 03, 2003
Arianismo-III
Mas fora do Império as coisas passavam-se de forma diferente.
Wulfila, um descendente de romanos da Capadócia que vivia no meio dos Germanos, ao visitar o império assistiu a um dos concílios de meados do séc. IV no período em que os arianos eram dominantes. De volta aos germanos, pregou naturalmente o arianismo, traduzindo mesmo a bíblia para a língua germânica, usando as runas como escrita; a maioria desses povos adoptaria essa religião (com excepção dos francos, lombardos e anglo-saxões que continuaram pagãos), desenvolvendo um clero próprio.
Com as invasões do séc. V e VI, os novos estados bárbaros enfrentaram uma situação delicada: os germanos representavam uma pequena minoria (1%? 2%? Mais ou menos?), que estava isolada perante a maioria da população que possuía outra cultura, língua e religião.
Os Vândalos instalados no norte de Africa foram os que fizeram mais esforços para estabelecer a unidade religiosa: confisco dos bens da Igreja católica, exílio de bispos e padres. No entanto não conseguiram convencer a população líbio-romana a converter-se (que iria acolher os bizantinos como libertadores com as vitórias de Belisário em 533).
Na Península Ibérica, os suevos, primeiro pagãos, converteram-se ao arianismo e em 556 ao catolicismo, antes de serem anexados pelos visigodos em 585. Estes, apesar de algumas perseguições esporádicas acabaram por ser relativamente tolerantes. Depois de 587, foi a sua vez de se converteram ao catolicismo. O mesmo se passou com os burgúndios que acabaram por ser absorvidos na mesma pelos francos logo em princípios do séc. VI.
Os ostrogodos merecem um destaque especial: convertidos ao arianismo, revelaram uma certa tolerância que seria afectada mais pelas vicissitudes das relações com o Império Romano do Oriente do que propriamente por motivos religiosos (o que não quer dizer que isso não fosse mais um motivo de fricção). Pagaria com a vida o filósofo Boécio (talvez o último latino por longo tempo a conseguir pensar e escrever em grego), a acusação de traição a favor dos Orientais. As guerras góticas em Itália que levariam à ocupação bizantina (535-555 entre batalhas, pausas e revoltas), destruíram o reino ostrogodo e o baluarte político do arianismo.
De se notar, que quando o soberano se convertia (para qualquer religião), o resto da população germânica seguia-o rapidamente, uma vez que se pretendia mostrar a fidelidade ao rei; a religião era quase como um património do clã que se adoptava como outras coisas, ou se abandonava conforme as necessidades.
Como já sucedera dentro do Império Romano, por conversão voluntária ou à força, só ficaria uma Igreja Católica.
Wulfila, um descendente de romanos da Capadócia que vivia no meio dos Germanos, ao visitar o império assistiu a um dos concílios de meados do séc. IV no período em que os arianos eram dominantes. De volta aos germanos, pregou naturalmente o arianismo, traduzindo mesmo a bíblia para a língua germânica, usando as runas como escrita; a maioria desses povos adoptaria essa religião (com excepção dos francos, lombardos e anglo-saxões que continuaram pagãos), desenvolvendo um clero próprio.
Com as invasões do séc. V e VI, os novos estados bárbaros enfrentaram uma situação delicada: os germanos representavam uma pequena minoria (1%? 2%? Mais ou menos?), que estava isolada perante a maioria da população que possuía outra cultura, língua e religião.
Os Vândalos instalados no norte de Africa foram os que fizeram mais esforços para estabelecer a unidade religiosa: confisco dos bens da Igreja católica, exílio de bispos e padres. No entanto não conseguiram convencer a população líbio-romana a converter-se (que iria acolher os bizantinos como libertadores com as vitórias de Belisário em 533).
Na Península Ibérica, os suevos, primeiro pagãos, converteram-se ao arianismo e em 556 ao catolicismo, antes de serem anexados pelos visigodos em 585. Estes, apesar de algumas perseguições esporádicas acabaram por ser relativamente tolerantes. Depois de 587, foi a sua vez de se converteram ao catolicismo. O mesmo se passou com os burgúndios que acabaram por ser absorvidos na mesma pelos francos logo em princípios do séc. VI.
Os ostrogodos merecem um destaque especial: convertidos ao arianismo, revelaram uma certa tolerância que seria afectada mais pelas vicissitudes das relações com o Império Romano do Oriente do que propriamente por motivos religiosos (o que não quer dizer que isso não fosse mais um motivo de fricção). Pagaria com a vida o filósofo Boécio (talvez o último latino por longo tempo a conseguir pensar e escrever em grego), a acusação de traição a favor dos Orientais. As guerras góticas em Itália que levariam à ocupação bizantina (535-555 entre batalhas, pausas e revoltas), destruíram o reino ostrogodo e o baluarte político do arianismo.
De se notar, que quando o soberano se convertia (para qualquer religião), o resto da população germânica seguia-o rapidamente, uma vez que se pretendia mostrar a fidelidade ao rei; a religião era quase como um património do clã que se adoptava como outras coisas, ou se abandonava conforme as necessidades.
Como já sucedera dentro do Império Romano, por conversão voluntária ou à força, só ficaria uma Igreja Católica.
quinta-feira, outubro 30, 2003
Arianismo-II
Claro que outros elementos vinham dificultar o acordo: o uso de qualquer palavra implicava a sua definição absoluta para representar uma realidade teológica, mas a necessidade de usar termos vindos da língua vulgar levava a confusões e más interpretações. A progressiva ignorância do grego pelos latinos dificultava o diálogo (os orientais nunca se tinham preocupado em aprender mais do que o latim básico- quando se davam a esse trabalho). Depois de intensas negociações (no qual se notabilizou Basílio de Cesareia), os niceianos e elementos ditos arianos (mas que defendiam na prática a doutrina de Niceia com um vocabulário ligeiramente diferente) no Oriente acabaram por reconhecer a fé defendida encarniçadamente pelos ocidentais, num concílio em Antioquia em 379. A subida ao poder de Imperadores Niceianos acabou por dar o apoio imperial e condenar à clandestinidade os defensores do Homoios, e a bem dizer, de todas as outras tendências cristãs não “católicas”, como outros grupos de aí em diante apelados de heréticos, os Judeus e os Pagãos. Estava estabelecida a doutrina que com algumas clarificações (por S. Agostinho), nunca mais seria seriamente posta em causa na maioria dos povos cristãos (com excepção talvez dos monofisitas no oriente). Mesmo o rompimento entre católicos e protestantes seria a nível prático (culto de imagens, hierarquia, etc: o ocidente nunca teve a subtileza grega).
Com Teodósio, que conseguiu reunificar as duas metades do Império (394), foi estabelecido que o catolicismo definido em Niceia era a religião oficial do Estado Romano (e não apenas apoiada), que recebia o seu apoio, e que a apoiava contra todas as outras tendências. De facto, a tendência do Império Romano era tornar-se um estado totalitário para assegurar a unidade (desde Diocleciano que tendera impor uma espécie de paganismo oficial e único), e a existência de uma religião com uma divindade única (no qual o Imperador era de algum modo o seu representante, muito mais do que qualquer Bispo), só facilitava esse processo. É provável que as lutas internas do cristianismo tivessem acelerado o processo ao apelar constantemente ao Imperador, e levar este a tomar um papel de árbitro (e jogador também interessado).
De facto, muito mais do que o Papa na época (que era apenas o Bispo de Roma, embora com um pouco mais de prestígio que os patriarcas orientais, mas que tinha a vantagem de ter uma certa obediência tácita, embora não explícita dos restantes bispos ocidentais) o Imperador (quer o de Ravena no ocidente, quer o de Constantinopla no Oriente) é a figura mais importante da terra. Desobedecer-lhe é um crime de lesa-majestade e contra a ordem divina (claro que a realidade era bastante diferente, com tantos usurpadores, mas o que interessa aqui é a doutrina).
Com Teodósio, que conseguiu reunificar as duas metades do Império (394), foi estabelecido que o catolicismo definido em Niceia era a religião oficial do Estado Romano (e não apenas apoiada), que recebia o seu apoio, e que a apoiava contra todas as outras tendências. De facto, a tendência do Império Romano era tornar-se um estado totalitário para assegurar a unidade (desde Diocleciano que tendera impor uma espécie de paganismo oficial e único), e a existência de uma religião com uma divindade única (no qual o Imperador era de algum modo o seu representante, muito mais do que qualquer Bispo), só facilitava esse processo. É provável que as lutas internas do cristianismo tivessem acelerado o processo ao apelar constantemente ao Imperador, e levar este a tomar um papel de árbitro (e jogador também interessado).
De facto, muito mais do que o Papa na época (que era apenas o Bispo de Roma, embora com um pouco mais de prestígio que os patriarcas orientais, mas que tinha a vantagem de ter uma certa obediência tácita, embora não explícita dos restantes bispos ocidentais) o Imperador (quer o de Ravena no ocidente, quer o de Constantinopla no Oriente) é a figura mais importante da terra. Desobedecer-lhe é um crime de lesa-majestade e contra a ordem divina (claro que a realidade era bastante diferente, com tantos usurpadores, mas o que interessa aqui é a doutrina).
quarta-feira, outubro 29, 2003
Arianismo-I
Hoje decidi meter-me num belo vespeiro e falar de teologia, mais concretamente do arianismo.
A fé ariana que tanta importância teve nas relações políticas entre bárbaros e romanos teve a sua origem em Arius um padre de Alexandria da primeira metade do séc. IV. Ao pretender valorizar a posição do Pai no seio da Santíssima Trindade vinha de algum modo desvalorizar a posição do filho. O Pai seria o único verdadeiramente não criado, existente desde sempre, eterno, enquanto o Filho (logos) embora não fosse criado do ponto de vista cronológico e estivesse acima de todas as outras criaturas pela sua condição divina, não partilhava de todos os privilégios do Pai. Não pretendia negar a Trindade, mas apenas valorizar o pai (e não como alguns diriam mais tarde, negar a divindade de Cristo). Foi imediatamente contestado e depois de algumas peripécias, fez-se um concílio em Niceia em 325 do qual saiu a fórmula ainda hoje usada: “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao Pai”. Homoousios.
Os arianos saíam completamente derrotados, pois esta posição dava um total equilíbrio entre os vários elementos da Trindade. Esta expressão iria provocar polémica, pois alguns consideravam que se estava a valorizar em demasia o elemento Divino do Filho, em detrimento do elemento humano do Logos. O ocidente latino, pouco afeito às polémicas teológicas ficou satisfeito com essa conclusão, mas o oriente grego ficaria em polvorosa entre arianos, niceianos e outras posições ainda mais subtis. O Imperador (Constantino) iria vacilar entre várias posições. O seu filho Constâncio II iria ficar pela fidelidade ariana. O comportamento dos que conseguiam a colaboração Imperial (independentemente da posição) seguiria sempre o mesmo padrão: calúnia sobre o comportamento moral dos adversários e seu exílio. Os arianos divididos também entre si, iriam fazer concílios (Antioquia em 345), existindo posições que eram praticamente não se distinguiam das niceianas a não ser pelo uso do termo Homoousios.
Passados uns anos surgiria um diácono de Antioquia elaborou uma nova doutrina saída do arianismo, mas que levava este a um maior rompimento com as doutrinas Niceianas: o filho não era em nada semelhante ao Pai. Essa posição seria mitigada anos mais tarde com uma posição mais moderada, considerando que o filho era semelhante ao Pai (homoios). Ora alguns arianos chegariam a considerar que o filho era em tudo igual ao pai, mesmo em substância. Sem o pretenderem, acabavam por partilhar a posição dos defensores do Homoousios. Mas as suas opiniões iniciais tornavam-nos suspeitos, o que dificultava um acordo.
A fé ariana que tanta importância teve nas relações políticas entre bárbaros e romanos teve a sua origem em Arius um padre de Alexandria da primeira metade do séc. IV. Ao pretender valorizar a posição do Pai no seio da Santíssima Trindade vinha de algum modo desvalorizar a posição do filho. O Pai seria o único verdadeiramente não criado, existente desde sempre, eterno, enquanto o Filho (logos) embora não fosse criado do ponto de vista cronológico e estivesse acima de todas as outras criaturas pela sua condição divina, não partilhava de todos os privilégios do Pai. Não pretendia negar a Trindade, mas apenas valorizar o pai (e não como alguns diriam mais tarde, negar a divindade de Cristo). Foi imediatamente contestado e depois de algumas peripécias, fez-se um concílio em Niceia em 325 do qual saiu a fórmula ainda hoje usada: “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao Pai”. Homoousios.
Os arianos saíam completamente derrotados, pois esta posição dava um total equilíbrio entre os vários elementos da Trindade. Esta expressão iria provocar polémica, pois alguns consideravam que se estava a valorizar em demasia o elemento Divino do Filho, em detrimento do elemento humano do Logos. O ocidente latino, pouco afeito às polémicas teológicas ficou satisfeito com essa conclusão, mas o oriente grego ficaria em polvorosa entre arianos, niceianos e outras posições ainda mais subtis. O Imperador (Constantino) iria vacilar entre várias posições. O seu filho Constâncio II iria ficar pela fidelidade ariana. O comportamento dos que conseguiam a colaboração Imperial (independentemente da posição) seguiria sempre o mesmo padrão: calúnia sobre o comportamento moral dos adversários e seu exílio. Os arianos divididos também entre si, iriam fazer concílios (Antioquia em 345), existindo posições que eram praticamente não se distinguiam das niceianas a não ser pelo uso do termo Homoousios.
Passados uns anos surgiria um diácono de Antioquia elaborou uma nova doutrina saída do arianismo, mas que levava este a um maior rompimento com as doutrinas Niceianas: o filho não era em nada semelhante ao Pai. Essa posição seria mitigada anos mais tarde com uma posição mais moderada, considerando que o filho era semelhante ao Pai (homoios). Ora alguns arianos chegariam a considerar que o filho era em tudo igual ao pai, mesmo em substância. Sem o pretenderem, acabavam por partilhar a posição dos defensores do Homoousios. Mas as suas opiniões iniciais tornavam-nos suspeitos, o que dificultava um acordo.
sábado, outubro 25, 2003
As Origens Míticas da Galiza
Considerando esta região uma das sete terras celtas (sendo as outras a Irlanda, Cornualha, a Ilha de Man, a Bretanha, Escócia e Gales), a Gallaecia romana (literalmente Terra de Galos), nome supostamente dado por Júlio César aquando da sua campanha de pacificação destes aguerridos e teimosos guerreiros.
Segundo a tradição popular, a região teria tido desde a Antiguidade uma grande número de visitantes ilustres. Assim, Noé teria desembarcado não no Monte Ararat, mas perto de Noia, aldeia fundada por uma das suas netas, Noela, facto testemunhado pelo brasão da povoação onde se encontram a arca e a pomba. Também Thobel, um descendente de Noé, desembarcou em Gadir (Cádiz), tendo os seus descendentes, os thobelianos, colonizado a península. Um deles, Brigo, instalou-se nas terras compreendidas entre Finisterra e Ortegal. Em Bergondo podem ver-se ainda as ruínas do chamado Palácio do Rei Brigo. Um Brigo fundou a cidade de Chantada, onde ainda hoje existe uma povoação com o nome de Brigos.
Para além das já conhecidas visitas do Apóstolo Santiago (uma vivo e outra morto), a zona recebeu periodicamente a visita da Virgem S. Maria e de Jesus Cristo (infelizmente as suas visitas coincidiam com a destruição de alguma povoação!).
Entrando no campo dos heróis clássicos: Segundo Plínio e Estrabão, Teucro, herói da guerra de Tróia, funda Pontevedra, Diomenes funda Tyde (Tui), Filoctetes, sob comando dos grovios, funda Grove, e Ulisses, segundo algumas tradições, toca nas costas galegas em busca de Ítaca. Até mesmo Hércules se passeia por Brigantia, alterando-lhe nome para Corunha.
Historicamente, os primeiros que falam sobre esta zona são Estrabão e Plínio. mas é Rufo Festo Avieno, poeta romano do século IV, baseando-se na narração de um navegante grego, descreve a sua Ode Marítima a Ibéria do século VI a.C., dando abundantes dados sobre a região. Segundo ele, os primitivos povoadores da zona eram um povo pacífico, de navegadores, comerciantes e constructor de monumentos de pedra: os Oestrymnyos. Este povo foi arrasado por "uma invasão de serpentes", ou pelo menos de homens serpente. Os historiadores estão de acordo que Avieno se refere aos Saefes, nome da primeira das tribos celtas que no século VI a.C. ocupam a Galiza. Novamente a tradição diz-nos que nem a invasão foi tão fácil, nem os Oestrymnyos tão pacíficos. Seriam então grandes feiticeiros e teriam o seus território protegido por poderosos feitiços. Um desses feitiços era o de que todo o inimigo que pisasse a península se convertiria em pedra. Conta a lenda que um príncipe, "chamado" Saefes, conseguiu enganar o feitiço entrando no reino como marido de Forcadinha, filha do chefe dos Oestrymnyos, de quem se apaixonara e teria tido um filho chamado Noro. O seu séquito, formado por homens armados, atacou à traição e destruíu os anfitriões. Mas o feitiço funcionou, embora tardiamente, pois Saefes transformou-se no penhasco conhecido por Ponta de Sagres, e a sua língua mentirosa, partida em sete pedaços (as sete línguas). Em seu redor estão os seus soldados, transformado em pedras e ilhotas para toda a eternidade. Infelizmente, o feitiço também afectou a sua família: mulher e filho são as ilhotas homónimas.
Segundo a tradição popular, a região teria tido desde a Antiguidade uma grande número de visitantes ilustres. Assim, Noé teria desembarcado não no Monte Ararat, mas perto de Noia, aldeia fundada por uma das suas netas, Noela, facto testemunhado pelo brasão da povoação onde se encontram a arca e a pomba. Também Thobel, um descendente de Noé, desembarcou em Gadir (Cádiz), tendo os seus descendentes, os thobelianos, colonizado a península. Um deles, Brigo, instalou-se nas terras compreendidas entre Finisterra e Ortegal. Em Bergondo podem ver-se ainda as ruínas do chamado Palácio do Rei Brigo. Um Brigo fundou a cidade de Chantada, onde ainda hoje existe uma povoação com o nome de Brigos.
Para além das já conhecidas visitas do Apóstolo Santiago (uma vivo e outra morto), a zona recebeu periodicamente a visita da Virgem S. Maria e de Jesus Cristo (infelizmente as suas visitas coincidiam com a destruição de alguma povoação!).
Entrando no campo dos heróis clássicos: Segundo Plínio e Estrabão, Teucro, herói da guerra de Tróia, funda Pontevedra, Diomenes funda Tyde (Tui), Filoctetes, sob comando dos grovios, funda Grove, e Ulisses, segundo algumas tradições, toca nas costas galegas em busca de Ítaca. Até mesmo Hércules se passeia por Brigantia, alterando-lhe nome para Corunha.
Historicamente, os primeiros que falam sobre esta zona são Estrabão e Plínio. mas é Rufo Festo Avieno, poeta romano do século IV, baseando-se na narração de um navegante grego, descreve a sua Ode Marítima a Ibéria do século VI a.C., dando abundantes dados sobre a região. Segundo ele, os primitivos povoadores da zona eram um povo pacífico, de navegadores, comerciantes e constructor de monumentos de pedra: os Oestrymnyos. Este povo foi arrasado por "uma invasão de serpentes", ou pelo menos de homens serpente. Os historiadores estão de acordo que Avieno se refere aos Saefes, nome da primeira das tribos celtas que no século VI a.C. ocupam a Galiza. Novamente a tradição diz-nos que nem a invasão foi tão fácil, nem os Oestrymnyos tão pacíficos. Seriam então grandes feiticeiros e teriam o seus território protegido por poderosos feitiços. Um desses feitiços era o de que todo o inimigo que pisasse a península se convertiria em pedra. Conta a lenda que um príncipe, "chamado" Saefes, conseguiu enganar o feitiço entrando no reino como marido de Forcadinha, filha do chefe dos Oestrymnyos, de quem se apaixonara e teria tido um filho chamado Noro. O seu séquito, formado por homens armados, atacou à traição e destruíu os anfitriões. Mas o feitiço funcionou, embora tardiamente, pois Saefes transformou-se no penhasco conhecido por Ponta de Sagres, e a sua língua mentirosa, partida em sete pedaços (as sete línguas). Em seu redor estão os seus soldados, transformado em pedras e ilhotas para toda a eternidade. Infelizmente, o feitiço também afectou a sua família: mulher e filho são as ilhotas homónimas.
quarta-feira, outubro 15, 2003
Concertos nazis
De entre as lendas que correm, uma delas é que os nazis eram fanáticos por Wagner e a sua música, perfeita encarnação do espírito germânico. Ora as coisas não se passavam exactamente assim...
Quando Hitler tomou o poder (logo em 1933), decidiu reservar os bilhetes de uma temporada de concertos (óperas de Wagner) em Nuremberga dirigida pelo maestro Furtwangler, a membros de topo do partido Nazi (um milhar de bilhetes). Na primeira noite só estavam meia dúzia e ele furioso (por achar um insulto aos artistas ter de actuar numa sala vazia) mandou que encontrassem todos os dignitários faltosos nos cafés e bares; mesmo assim eram poucos e tiveram de os ir buscar a outro género de estabelecimentos...
No ano seguinte tornou obrigatório o aparecimento nos concertos dos beneficiários dos bilhetes e aí tiveram os “pobres” nazis de estar horas a ouvir ópera em vez de se divertir noutros locais: as palmas eram dadas com o entusiasmo que se pode imaginar. Hitler vexado, decidiu que a partir daí, acabavam-se as distribuições de bilhetes, e passasse a ir o público apreciador (e que pagava os bilhetes).
De facto a maioria dos nazis eram pessoas com pouca formação (para o padrões alemães da época: significa que quase todos tinham o liceu concluído), e gostos muito pouco intelectuais (a inteligentzia reduzia-se a Goebbels, Rosemberg, Speer, e mais um punhado), tendo mesmo um desprezo por esses teóricos (afinal, os nazis pretendiam-se partidários da acção). Mas como Hitler gostava de Wagner e era de bom tom nos grupos nacionalistas ouvir esse género de música, toda a gente tinha que fingir que sim.
Quando Hitler tomou o poder (logo em 1933), decidiu reservar os bilhetes de uma temporada de concertos (óperas de Wagner) em Nuremberga dirigida pelo maestro Furtwangler, a membros de topo do partido Nazi (um milhar de bilhetes). Na primeira noite só estavam meia dúzia e ele furioso (por achar um insulto aos artistas ter de actuar numa sala vazia) mandou que encontrassem todos os dignitários faltosos nos cafés e bares; mesmo assim eram poucos e tiveram de os ir buscar a outro género de estabelecimentos...
No ano seguinte tornou obrigatório o aparecimento nos concertos dos beneficiários dos bilhetes e aí tiveram os “pobres” nazis de estar horas a ouvir ópera em vez de se divertir noutros locais: as palmas eram dadas com o entusiasmo que se pode imaginar. Hitler vexado, decidiu que a partir daí, acabavam-se as distribuições de bilhetes, e passasse a ir o público apreciador (e que pagava os bilhetes).
De facto a maioria dos nazis eram pessoas com pouca formação (para o padrões alemães da época: significa que quase todos tinham o liceu concluído), e gostos muito pouco intelectuais (a inteligentzia reduzia-se a Goebbels, Rosemberg, Speer, e mais um punhado), tendo mesmo um desprezo por esses teóricos (afinal, os nazis pretendiam-se partidários da acção). Mas como Hitler gostava de Wagner e era de bom tom nos grupos nacionalistas ouvir esse género de música, toda a gente tinha que fingir que sim.
segunda-feira, outubro 13, 2003
Ano Mil
Bem, já ultrapassámos o milhar de visitas; portanto nada mais adequado do que falar do ano mil.
As datas são convenções (um ano não passa de uma sucessão de dias que se considera fixo) para facilitar a contagem do tempo nas sociedades escritas, mas por questões simbólicas as pessoas preferem determinados números e dão-lhes um enorme valor.
Ora por volta do ano mil do calendário cristão, o sistema de contar o tempo a partir da data que se calculou na alta idade média que fora o nascimento de Cristo ainda não estava muito divulgado fora da Igreja (em Portugal as chancelarias régias só o adoptaram no séc. XV). Claro que a Igreja era detentora do monopólio da cultura escrita por essa altura, mas a esmagadora maioria da população ignorava essa datação. Se alguns meios monásticos poderiam ter feita a associação com a 2ª vinda de Cristo, a maioria preferia manter a atitude tradicional: os fiéis deviam estar sempre preparados para essa vinda sem ter uma data fixa.
A Europa da época continuava a seguir os seus negócios como habitual. Os pequenos reinos da península ibérica resistiam como podiam às investidas de Al-Mansur que chegou a devastar Santiago de Compostela. A França que finalmente tinha paz das razias vikingues, ia ver a dinastia dos Capetos tentar durante séculos restaurar a autoridade régia, uma vez que o reino de França estava espartilhado numa série de grandes feudos: Anjou, Normandia, a Bretanha, a Aquitânia (para só falar dos principais), cada um formando uma entidade que pouco tinha a ver com o reino dos “Francos”. A Itália estava dividida entre muçulmanos, bizantinos, o Sacro Império Romano-Germânico; as emergentes repúblicas italianas estavam teoricamente submissas ao imperador, mas iam-se progressivamente autonomizando.
A Alemanha estava nas mãos firmes dos imperadores germânicos, não tendo sofrido o processo de feudalização extrema que possibilitaria a existência de mais de 300 estados praticamente independentes. O Imperador em teoria era o sucessor dos imperadores de Roma (da parte ocidental do império por oposição ao imperador bizantino que era senhor da parte oriental). Na realidade, a sua autoridade mesmo simbólica não era aceite fora do estado que governava quer estivesse sob a sua alçada directa ou indirecta, pois o princípio que vingava é que cada rei era “imperador” do seu próprio território.
A Inglaterra estava unificada, refizera-se das invasões vikingues mas ainda era um reino muito “germânico” na medida em que as alterações a nível linguístico, cultural e institucional que lhe deram um carácter tão original só se dariam com a invasão normanda de 1066.
Futuros países como a Holanda, Bélgica, Suiça, estavam divididos em feudos sem qualquer consistência. A Europa de leste era partilhada por tribos nómadas na maioria de origem eslava que iriam sedentarizar-se aos poucos e absorver as influências latinas, germânica ou grega conforme os acasos da história mas mantendo uma forte identidade étnica.
E claro, Bizâncio que gozava a sua segunda época de ouro. Com a dinastia dos Nicéforos recuperava a influência perdida: esmagava os búlgaros (o imperador Basílio II ordenou depois de uma batalha que 15000 prisioneiros foram divididos em grupos de 100, em que 99 eram cegados e 1 um deixado zarolho para os conduzir de volta tendo adquirido o cognome de mata-búlgaros), tornando as fronteiras do Danúbio novamente seguras, recuperava parte da Síria aproveitando-se do enfraquecimento político muçulmano, expandia a sua influência para o Cáucaso.
As datas são convenções (um ano não passa de uma sucessão de dias que se considera fixo) para facilitar a contagem do tempo nas sociedades escritas, mas por questões simbólicas as pessoas preferem determinados números e dão-lhes um enorme valor.
Ora por volta do ano mil do calendário cristão, o sistema de contar o tempo a partir da data que se calculou na alta idade média que fora o nascimento de Cristo ainda não estava muito divulgado fora da Igreja (em Portugal as chancelarias régias só o adoptaram no séc. XV). Claro que a Igreja era detentora do monopólio da cultura escrita por essa altura, mas a esmagadora maioria da população ignorava essa datação. Se alguns meios monásticos poderiam ter feita a associação com a 2ª vinda de Cristo, a maioria preferia manter a atitude tradicional: os fiéis deviam estar sempre preparados para essa vinda sem ter uma data fixa.
A Europa da época continuava a seguir os seus negócios como habitual. Os pequenos reinos da península ibérica resistiam como podiam às investidas de Al-Mansur que chegou a devastar Santiago de Compostela. A França que finalmente tinha paz das razias vikingues, ia ver a dinastia dos Capetos tentar durante séculos restaurar a autoridade régia, uma vez que o reino de França estava espartilhado numa série de grandes feudos: Anjou, Normandia, a Bretanha, a Aquitânia (para só falar dos principais), cada um formando uma entidade que pouco tinha a ver com o reino dos “Francos”. A Itália estava dividida entre muçulmanos, bizantinos, o Sacro Império Romano-Germânico; as emergentes repúblicas italianas estavam teoricamente submissas ao imperador, mas iam-se progressivamente autonomizando.
A Alemanha estava nas mãos firmes dos imperadores germânicos, não tendo sofrido o processo de feudalização extrema que possibilitaria a existência de mais de 300 estados praticamente independentes. O Imperador em teoria era o sucessor dos imperadores de Roma (da parte ocidental do império por oposição ao imperador bizantino que era senhor da parte oriental). Na realidade, a sua autoridade mesmo simbólica não era aceite fora do estado que governava quer estivesse sob a sua alçada directa ou indirecta, pois o princípio que vingava é que cada rei era “imperador” do seu próprio território.
A Inglaterra estava unificada, refizera-se das invasões vikingues mas ainda era um reino muito “germânico” na medida em que as alterações a nível linguístico, cultural e institucional que lhe deram um carácter tão original só se dariam com a invasão normanda de 1066.
Futuros países como a Holanda, Bélgica, Suiça, estavam divididos em feudos sem qualquer consistência. A Europa de leste era partilhada por tribos nómadas na maioria de origem eslava que iriam sedentarizar-se aos poucos e absorver as influências latinas, germânica ou grega conforme os acasos da história mas mantendo uma forte identidade étnica.
E claro, Bizâncio que gozava a sua segunda época de ouro. Com a dinastia dos Nicéforos recuperava a influência perdida: esmagava os búlgaros (o imperador Basílio II ordenou depois de uma batalha que 15000 prisioneiros foram divididos em grupos de 100, em que 99 eram cegados e 1 um deixado zarolho para os conduzir de volta tendo adquirido o cognome de mata-búlgaros), tornando as fronteiras do Danúbio novamente seguras, recuperava parte da Síria aproveitando-se do enfraquecimento político muçulmano, expandia a sua influência para o Cáucaso.
sábado, outubro 11, 2003
Plano Marshall
Para quem acha que a hegemonia americana foi a pior coisa que aconteceu ao mundo desde Gengis Khan, nada melhor que contemplar a obra-prima do general George C. Marshall, guerreiro e diplomata como houve poucos.
Para muitos (senão a maioria), a predominância dos Estados Unidos nos últimos 60 anos tem sido tudo menos benigna. Como acontece com todos os domínios mais ou menos imperiais (e isto levava-nos para outra discussão, muito mais extensa), o dos Estados Unidos também está cheio de episódios lamentáveis, criminosos, ridículos, patéticos, e o que mais de negativo o leitor conseguir imaginar.
O problema aqui é de grau. A última grande potência global pré-1945 foi a Grã-Bretanha, e basta ler um pouco sobre a história do império britânico (recomendo “The Rise and Fall of the British Empire”, de Lawrence James, publicado pela St. Martin’s Press) para perceber que os americanos, face ao poder esmagador de que dispõem, até o têm utilizado com relativa parcimónia. Os ingleses, com bem menos recursos, não hesitavam em recorrer às ameaças, à humilhação e à sua especialidade favorita, a chamada “diplomacia de canhoneira”. Se os “nativos” (e isto incluía-nos a nós, portugueses, como se viu em 1890, no Ultimato) não se “portassem como deve ser”, mandavam-se umas quantas canhoneiras para “metê-los na ordem”. Incidentes destes, hoje em dia impensáveis, ocorreram às dezenas, e eram provocados por motivos tão triviais como a prisão (legítima) de um súbdito de Sua Majestade. Raro era o ano em que não havia um "Iraque" ou um "Afeganistão", muitas vezes porque um coronel qualquer estava aborrecido pela falta de caça decente ou de um bom jogo de pólo. Era o que os britânicos chamavam “espalhar os valores da Cristandade ocidental”.
Utilizando as categorias de Joseph Nye, o poder dos Estados Unidos tem sido muito mais soft do que hard: valores, cultura, sonhos, e não tanto armas, soldados, invasões. Nesta perspectiva, o Plano Marshall é o auge da política de segurança americana. Nunca na história da Humanidade o vencedor tinha estendido a mão aos derrotados da forma que os Estados Unidos o fizeram após a 2ª Guerra Mundial – cheia de dinheiro. Harry Truman, que, pelos padrões europeus, seria tão ou mais bronco que George W. Bush, teve a larga visão de dar ao seu secretário de Estado os meios necessários ao cumprimento de um plano decisivo para o Ocidente: desenvolvimento, bem-estar, paz, segurança.
Se a Europa é o que é hoje, deve-o em boa medida ao general Marshall. Ele percebeu, tal como Lincoln 80 anos antes, que a força dos Estados Unidos estava na magnanimidade. Ele percebeu que, para assegurarem a sua segurança e a fidelidade aos valores da democracia liberal, os europeus precisavam muito mais de dinheiro do que de armas, ou soldados. Percebeu também que a guerra tinha acabado, e que os alemães deviam ter acesso à abastança americana, tal como os ingleses ou os franceses.
É claro que nada disto foi feito desinteressadamente. Os americanos sabiam que boa parte dos biliões de dólares que emprestaram iriam servir para comprar produtos americanos. Sabiam também que estavam a apertar com um nó extremamente forte o laço de dependência da Europa em relação aos EUA (só agora, passados quase 60 anos, ele parece ceder). Mas nada disso dilui o facto dos Estados Unidos terem fornecido os meios necessários à reconstrução europeia, sem exigirem em troca um papel directo na condução dos assuntos desses países.
O melhor símbolo da herança de Marshall é, infelizmente, uma construção feia e triste que dividiu um país inteiro. Ele não a quis, nem a mandou fazer, mas sem o seu plano ela, provavelmente, só seria necessária muito mais tarde. É que em 1961, quando o muro de Berlim começou a ser construído, o fosso entre o nível de vida da Alemanha federal e o da RDA era já gigantesco. É preciso não esquecer (e como parece difícil às vezes...) que o Muro foi construído a Leste, e não a Oeste. Bem vistas as coisas, a Guerra Fria pode muito bem ter sido perdida/ganha logo ali. Quando um regime constrói uma gigantesca prisão para evitar que os seus cidadãos vão procurar noutro lado aquilo que ele próprio não é capaz de lhes dar, as hipóteses de sobrevivência não são famosas...
Para muitos (senão a maioria), a predominância dos Estados Unidos nos últimos 60 anos tem sido tudo menos benigna. Como acontece com todos os domínios mais ou menos imperiais (e isto levava-nos para outra discussão, muito mais extensa), o dos Estados Unidos também está cheio de episódios lamentáveis, criminosos, ridículos, patéticos, e o que mais de negativo o leitor conseguir imaginar.
O problema aqui é de grau. A última grande potência global pré-1945 foi a Grã-Bretanha, e basta ler um pouco sobre a história do império britânico (recomendo “The Rise and Fall of the British Empire”, de Lawrence James, publicado pela St. Martin’s Press) para perceber que os americanos, face ao poder esmagador de que dispõem, até o têm utilizado com relativa parcimónia. Os ingleses, com bem menos recursos, não hesitavam em recorrer às ameaças, à humilhação e à sua especialidade favorita, a chamada “diplomacia de canhoneira”. Se os “nativos” (e isto incluía-nos a nós, portugueses, como se viu em 1890, no Ultimato) não se “portassem como deve ser”, mandavam-se umas quantas canhoneiras para “metê-los na ordem”. Incidentes destes, hoje em dia impensáveis, ocorreram às dezenas, e eram provocados por motivos tão triviais como a prisão (legítima) de um súbdito de Sua Majestade. Raro era o ano em que não havia um "Iraque" ou um "Afeganistão", muitas vezes porque um coronel qualquer estava aborrecido pela falta de caça decente ou de um bom jogo de pólo. Era o que os britânicos chamavam “espalhar os valores da Cristandade ocidental”.
Utilizando as categorias de Joseph Nye, o poder dos Estados Unidos tem sido muito mais soft do que hard: valores, cultura, sonhos, e não tanto armas, soldados, invasões. Nesta perspectiva, o Plano Marshall é o auge da política de segurança americana. Nunca na história da Humanidade o vencedor tinha estendido a mão aos derrotados da forma que os Estados Unidos o fizeram após a 2ª Guerra Mundial – cheia de dinheiro. Harry Truman, que, pelos padrões europeus, seria tão ou mais bronco que George W. Bush, teve a larga visão de dar ao seu secretário de Estado os meios necessários ao cumprimento de um plano decisivo para o Ocidente: desenvolvimento, bem-estar, paz, segurança.
Se a Europa é o que é hoje, deve-o em boa medida ao general Marshall. Ele percebeu, tal como Lincoln 80 anos antes, que a força dos Estados Unidos estava na magnanimidade. Ele percebeu que, para assegurarem a sua segurança e a fidelidade aos valores da democracia liberal, os europeus precisavam muito mais de dinheiro do que de armas, ou soldados. Percebeu também que a guerra tinha acabado, e que os alemães deviam ter acesso à abastança americana, tal como os ingleses ou os franceses.
É claro que nada disto foi feito desinteressadamente. Os americanos sabiam que boa parte dos biliões de dólares que emprestaram iriam servir para comprar produtos americanos. Sabiam também que estavam a apertar com um nó extremamente forte o laço de dependência da Europa em relação aos EUA (só agora, passados quase 60 anos, ele parece ceder). Mas nada disso dilui o facto dos Estados Unidos terem fornecido os meios necessários à reconstrução europeia, sem exigirem em troca um papel directo na condução dos assuntos desses países.
O melhor símbolo da herança de Marshall é, infelizmente, uma construção feia e triste que dividiu um país inteiro. Ele não a quis, nem a mandou fazer, mas sem o seu plano ela, provavelmente, só seria necessária muito mais tarde. É que em 1961, quando o muro de Berlim começou a ser construído, o fosso entre o nível de vida da Alemanha federal e o da RDA era já gigantesco. É preciso não esquecer (e como parece difícil às vezes...) que o Muro foi construído a Leste, e não a Oeste. Bem vistas as coisas, a Guerra Fria pode muito bem ter sido perdida/ganha logo ali. Quando um regime constrói uma gigantesca prisão para evitar que os seus cidadãos vão procurar noutro lado aquilo que ele próprio não é capaz de lhes dar, as hipóteses de sobrevivência não são famosas...
sexta-feira, outubro 10, 2003
Das (in)utilidades da História
Um dos problemas das sociedades democráticas é a falta de cultura histórica dos cidadãos. Isso, todavia, não quer dizer que acredite que a História nos possa dar grandes lições para o presente, como muitas vezes se diz. Ela é irrepetível, e por isso mesmo não se presta a grandes ensinamentos práticos, aplicáveis. Um governante, frente a uma decisão vital, só (deve) pode contar com ele mesmo e com o conhecimento concreto que tem da sua realidade. Quando muito, pode procurar nos lustres do passado a inspiração e a coragem mais ou menos místicas que lhe possam faltar. Sempre que vejo um daqueles livros que procuram, com casos e episódios do passado, justificar políticas e opções do presente, fujo logo para outra prateleira. Os casos e descasos da História fazem-me lembrar os ditados populares: são todos verdadeiros; têm todos uma moral; e há pelo menos um para justificar todas as decisões e atitudes que se possam tomar na vida, por mais contrárias que sejam.
Posto isso, por que raio temos nós de saber o que aconteceu a um monte de gente morta?
Muito simples – para não fazerem de nós parvos; para sabermos o que não queremos (Nazismo, Comunismo, quase todos os “ismos”); para sermos gratos a quem nos fez bem; para percebermos que o Mundo, apesar de todas as suas gigantescas injustiças e crueldades, é melhor do que era.
Posto isso, por que raio temos nós de saber o que aconteceu a um monte de gente morta?
Muito simples – para não fazerem de nós parvos; para sabermos o que não queremos (Nazismo, Comunismo, quase todos os “ismos”); para sermos gratos a quem nos fez bem; para percebermos que o Mundo, apesar de todas as suas gigantescas injustiças e crueldades, é melhor do que era.
quinta-feira, outubro 09, 2003
Guerra Civil Americana II
O leitor “Astinus”, cujo comentário desde já agradeço, põe grandes reservas à ideia de que os Estados Unidos tenham recuperado facilmente da divisão que conduziu à guerra civil.
Esta é uma questão sobre a qual o debate académico (e não só) é ainda bastante aceso. Para muitos americanos, especialistas ou não, “Astinus” estará mais perto da verdade do que eu. Não há dúvida que a Reconstrução (o período pós-guerra em que os estados do Sul foram reintegrados na União) foi uma época difícil e traumatizante para os vencidos. A presença militar federal, a “invasão” dos políticos, homens de negócios e simples oportunistas do Norte (os carpetbaggers), e ainda o facto de muitos ex-escravos se recusarem a manter a anterior relação de subserviência total, tudo isto causou, para além da guerra, traumas duradouros na sociedade sulista.
Lincoln, aliás, tinha plena consciência disto. O período final da guerra e os primeiros dias de paz, até ao seu assassinato, mostram-nos um presidente permanentemente empenhado em estabelecer uma paz magnânima com o Sul. O objectivo é claro: assegurar um pós-guerra pacífico, que permita a solidificação definitiva da União.
Com o assassinato de Lincoln, o controlo da política de Reconstrução passou para o Congresso. E aí, a animosidade em relação ao Sul era muito grande. Os brancos sulistas sentem que Washington os trata como cidadãos de 2ª. É nessa altura que surge o Ku Klux Klan, liderado por Nathan Bedford Forrest, um dos melhores comandantes de cavalaria no exército confederado. O KKK aparece não só como uma resposta ao clima de desordem que atravessa o Sul, como também uma forma dos brancos sulistas voltarem a assumir o controlo da situação (a ideologia vem mais tarde). Se quisermos ver como a mitologia sulista da “Causa Perdida” reconstruiu todo este período, basta ver esse extraordinário filme chamado “O Nascimento de uma Nação”, de D. W. Griffith.
É também indiscutível que, ainda hoje, há muitos brancos do Sul (os chamados “neoconfederados”) que olham com nostalgia para o breve período em que formaram uma entidade política autónoma, conhecida por Estados Confederados da América.
Posto isto, há que lembrar um facto incontornável: desde 1865 não houve um único movimento minimamente credível a propor uma nova secessão dos estados do Sul. Se pensarmos que a guerra durou 4 anos e matou cerca de 600 mil pessoas (ainda hoje é o conflito mais sangrento da história americana), é absolutamente notável que não tenham voltado a haver grandes erupções de violência secessionista nos Estados Unidos. Compare-se este quadro histórico com o de qualquer outro país que tenha passado por um conflito civil intenso, e rapidamente se percebe que este é mesmo um caso especial.
Russell F. Weigley, em “A Great Civil War” (Indiana University Press), propõe uma tese interessante que explica esta especificidade. Para ele, os confederados nunca se libertaram completamente da sua lealdade à União. Quase todos os principais líderes políticos e militares do Sul serviram a União fielmente durante muitos anos, alguns em altos cargos. Mesmo com a guerra, era-lhes difícil quebrar um laço emocional tão profundo. Daí que, perdida a guerra convencional, nenhum deles optou pela guerrilha, essa eterna praga dos países em guerra civil (veja-se Portugal durante as Guerras Liberais). Todas as forças confederadas, mesmo aquelas que tinham feito guerrilha sem piedade, renderam-se ordeiramente no final do conflito. Weigley diz, e para mim com razão, que os americanos tinham um problema a resolver – a escravatura. Libertados os escravos, já nada havia que os separasse.
Esta é uma questão sobre a qual o debate académico (e não só) é ainda bastante aceso. Para muitos americanos, especialistas ou não, “Astinus” estará mais perto da verdade do que eu. Não há dúvida que a Reconstrução (o período pós-guerra em que os estados do Sul foram reintegrados na União) foi uma época difícil e traumatizante para os vencidos. A presença militar federal, a “invasão” dos políticos, homens de negócios e simples oportunistas do Norte (os carpetbaggers), e ainda o facto de muitos ex-escravos se recusarem a manter a anterior relação de subserviência total, tudo isto causou, para além da guerra, traumas duradouros na sociedade sulista.
Lincoln, aliás, tinha plena consciência disto. O período final da guerra e os primeiros dias de paz, até ao seu assassinato, mostram-nos um presidente permanentemente empenhado em estabelecer uma paz magnânima com o Sul. O objectivo é claro: assegurar um pós-guerra pacífico, que permita a solidificação definitiva da União.
Com o assassinato de Lincoln, o controlo da política de Reconstrução passou para o Congresso. E aí, a animosidade em relação ao Sul era muito grande. Os brancos sulistas sentem que Washington os trata como cidadãos de 2ª. É nessa altura que surge o Ku Klux Klan, liderado por Nathan Bedford Forrest, um dos melhores comandantes de cavalaria no exército confederado. O KKK aparece não só como uma resposta ao clima de desordem que atravessa o Sul, como também uma forma dos brancos sulistas voltarem a assumir o controlo da situação (a ideologia vem mais tarde). Se quisermos ver como a mitologia sulista da “Causa Perdida” reconstruiu todo este período, basta ver esse extraordinário filme chamado “O Nascimento de uma Nação”, de D. W. Griffith.
É também indiscutível que, ainda hoje, há muitos brancos do Sul (os chamados “neoconfederados”) que olham com nostalgia para o breve período em que formaram uma entidade política autónoma, conhecida por Estados Confederados da América.
Posto isto, há que lembrar um facto incontornável: desde 1865 não houve um único movimento minimamente credível a propor uma nova secessão dos estados do Sul. Se pensarmos que a guerra durou 4 anos e matou cerca de 600 mil pessoas (ainda hoje é o conflito mais sangrento da história americana), é absolutamente notável que não tenham voltado a haver grandes erupções de violência secessionista nos Estados Unidos. Compare-se este quadro histórico com o de qualquer outro país que tenha passado por um conflito civil intenso, e rapidamente se percebe que este é mesmo um caso especial.
Russell F. Weigley, em “A Great Civil War” (Indiana University Press), propõe uma tese interessante que explica esta especificidade. Para ele, os confederados nunca se libertaram completamente da sua lealdade à União. Quase todos os principais líderes políticos e militares do Sul serviram a União fielmente durante muitos anos, alguns em altos cargos. Mesmo com a guerra, era-lhes difícil quebrar um laço emocional tão profundo. Daí que, perdida a guerra convencional, nenhum deles optou pela guerrilha, essa eterna praga dos países em guerra civil (veja-se Portugal durante as Guerras Liberais). Todas as forças confederadas, mesmo aquelas que tinham feito guerrilha sem piedade, renderam-se ordeiramente no final do conflito. Weigley diz, e para mim com razão, que os americanos tinham um problema a resolver – a escravatura. Libertados os escravos, já nada havia que os separasse.
terça-feira, outubro 07, 2003
As guerras Gempei
No séc. XII deu-se um conflito no Japão que teria enormes repercussões na sua história: dois clãs de origem imperial degladiaram-se até ao extermínio total de um deles.
O Japão fôra fortemente influenciado pela cultura da China. No séc. VII tinham sido enviadas missões e embaixadas para aquele país, de onde se copiaram numerosos elementos: a arte, religião, técnicas, instituições. Procedeu-se a uma centralização do território tendo por base a figura do Imperador, auxiliado pela poderosa família Fujiwara (monopolizando os cargos de regente, chanceler e tudo o que tinha importância). A nobreza foi atraída para a corte, ocupando-se com cargos administrativos e funções honoríficas.
A partir do séc. IX, algumas famílias oriundas da família imperial ficaram encarregues de funções de guerra e pacificação contra a etnia Ainu, no norte (ou nas guerras entre facções); os guerreiros foram lentamente adquirindo um conjunto de valores e uma consciência de grupo à parte, que os levaria a desejar a tomada do poder. No séc. XII, as famílias tradicionais palacianas (nomeadamente os Fujiwara) tinham perdido a maior parte do seu poder fora da capital imperial, em favor dos clãs dedicados à guerra que controlavam a nova casta.
Os dois clãs mais importantes, os Taira e Minamoto (aqueles mais refinados devido à sua proximidade com o Imperador, estes mais rústicos) acabaram, depois várias peripécias e numerosos combates que duraram décadas, por resolver definitivamente a sua contenda numa batalha naval chamada Dan no Ura: os Taira foram completamente exterminados. Os Minamoto gozaram por pouco tempo a sua vitória, sendo substituídos poucas décadas depois pelos Hojo, e assim por diante. Mas mais importante do que estabelecer o vencedor, foram as alterações que essa vitória implicou. O grande vencedor, Minamoto Yoritomo, fora proclamado shogun, governador militar do país. Os cargos civis eram assim desprovidos de valor - o que importava era o controlo de homens, que dava acesso a territórios e à possibilidade de lhes pagar. Os Taira tinham tentado manter a ficção de que nada se modificara durante o período do seu governo, mas os Minamoto decidiram legalizar uma situação que já existia de facto. O Imperador ficava reduzido a mera figura decorativa religiosa e simbólica, assim como as velhas famílias palacianas. Mas, no entanto, nenhum dos vencedores alguma vez ousou proclamar-se imperador. E se a família dominante começava a perder força, imediatamente os outros clãs aproveitavam-se do facto para a destituir.
Do ponto de vista cultural deu-se um inegável empobrecimento: o grupo mais dinâmico era o dos samurais, cuja especialidade era a guerra, e só no séc. XVII este se dedicaria também às artes. Mesmo os monges iriam, por força das necessidades, dedicar-se às armas, criando os temíveis “sohei” - soldados levemente protegidos, mas especialistas em artes marciais. A composição de numerosas baladas e o épico “Heike Monogatari” (que relata as guerras entre Taira e Minamoto) não compensa a relativa seca da seiva artística.
Outro elemento que podemos constatar é a longevidade das famílias e a relativa estabilidade, que durou séculos, até se dar o corte no séc. XII.
O Japão fôra fortemente influenciado pela cultura da China. No séc. VII tinham sido enviadas missões e embaixadas para aquele país, de onde se copiaram numerosos elementos: a arte, religião, técnicas, instituições. Procedeu-se a uma centralização do território tendo por base a figura do Imperador, auxiliado pela poderosa família Fujiwara (monopolizando os cargos de regente, chanceler e tudo o que tinha importância). A nobreza foi atraída para a corte, ocupando-se com cargos administrativos e funções honoríficas.
A partir do séc. IX, algumas famílias oriundas da família imperial ficaram encarregues de funções de guerra e pacificação contra a etnia Ainu, no norte (ou nas guerras entre facções); os guerreiros foram lentamente adquirindo um conjunto de valores e uma consciência de grupo à parte, que os levaria a desejar a tomada do poder. No séc. XII, as famílias tradicionais palacianas (nomeadamente os Fujiwara) tinham perdido a maior parte do seu poder fora da capital imperial, em favor dos clãs dedicados à guerra que controlavam a nova casta.
Os dois clãs mais importantes, os Taira e Minamoto (aqueles mais refinados devido à sua proximidade com o Imperador, estes mais rústicos) acabaram, depois várias peripécias e numerosos combates que duraram décadas, por resolver definitivamente a sua contenda numa batalha naval chamada Dan no Ura: os Taira foram completamente exterminados. Os Minamoto gozaram por pouco tempo a sua vitória, sendo substituídos poucas décadas depois pelos Hojo, e assim por diante. Mas mais importante do que estabelecer o vencedor, foram as alterações que essa vitória implicou. O grande vencedor, Minamoto Yoritomo, fora proclamado shogun, governador militar do país. Os cargos civis eram assim desprovidos de valor - o que importava era o controlo de homens, que dava acesso a territórios e à possibilidade de lhes pagar. Os Taira tinham tentado manter a ficção de que nada se modificara durante o período do seu governo, mas os Minamoto decidiram legalizar uma situação que já existia de facto. O Imperador ficava reduzido a mera figura decorativa religiosa e simbólica, assim como as velhas famílias palacianas. Mas, no entanto, nenhum dos vencedores alguma vez ousou proclamar-se imperador. E se a família dominante começava a perder força, imediatamente os outros clãs aproveitavam-se do facto para a destituir.
Do ponto de vista cultural deu-se um inegável empobrecimento: o grupo mais dinâmico era o dos samurais, cuja especialidade era a guerra, e só no séc. XVII este se dedicaria também às artes. Mesmo os monges iriam, por força das necessidades, dedicar-se às armas, criando os temíveis “sohei” - soldados levemente protegidos, mas especialistas em artes marciais. A composição de numerosas baladas e o épico “Heike Monogatari” (que relata as guerras entre Taira e Minamoto) não compensa a relativa seca da seiva artística.
Outro elemento que podemos constatar é a longevidade das famílias e a relativa estabilidade, que durou séculos, até se dar o corte no séc. XII.
segunda-feira, outubro 06, 2003
Bibliografia
Alguma bibliografia:
Para o artigo sobre Alexandre “ O mundo Helenístico” das Ed. 70. Um livro de divulgação que trata sobretudo da vertente cultural, do mundo grego pós-Alexandre.
Para a história puramente factual “A história da Grécia antiga” da Europa América. Nenhum desses livros é uma obra-prima de originalidade, mas são de fácil acesso.
Para o artigo sobre Alexandre “ O mundo Helenístico” das Ed. 70. Um livro de divulgação que trata sobretudo da vertente cultural, do mundo grego pós-Alexandre.
Para a história puramente factual “A história da Grécia antiga” da Europa América. Nenhum desses livros é uma obra-prima de originalidade, mas são de fácil acesso.
quarta-feira, outubro 01, 2003
Turcos Otomanos
Os turcos são um conjunto de povo de origem asiática bastante espalhado: existem na China, nas antigas repúblicas soviéticas e claro na Turquia. Esta foi obra de um conjunto de tribos que a partir do séc. XIV se salientou na Ásia menor: beneficiando da decadência de Bizâncio e das divisões dos países cristãos acabou por estabelecer depois da conquista de Constantinopla aí a sua nova capital com o nome de Istambul. Senhores de um território que ia do Egipto (depois da derrota dos mamelucos), até aos Balcãs, tentaram a aventura em Viena: falharam primeiro em 1529 e depois em 1683. Tornaram-se os campeões da ortodoxia sunita contra os persas embora tivessem tido o apoio a princípio dos dervixes. Também sofreram uma grande derrota naval em Lepanto em 1571.Entraram no imaginário da época como cruéis e bárbaros. Apoiaram o corso que fazia o raid nas costas mediterrâneas, tornando-se odiados. No entanto grande parte dessa fama era imerecida: mostravam-se tolerantes com os cristãos, qualquer que fosse a confissão, e vivendo sobretudo da pilhagem do inimigo não precisavam de lançar grandes impostos no seu território. Utilizavam um sistema de meritocracia para a promoção: crianças cristãs raptadas eram criadas como bons muçulmanos para o exército (a célebre guarda dos janízaros) e administração pública e esse regime vigorou até ao séc. XVII.
Aos poucos o quadro começou a degradar-se: as guerras eram menos proveitosas e mais custosas à medida que os exércitos cristãos iam evoluindo; pelo contrário, a evolução do armamento otomano entregue a corporações muito conservadoras criava armas bem concebidas mas que iam progressivamente ficando menos actualizadas, enquanto que a mentalidade do exército cristalizava-se no período das grandes vitórias. Começaram a ter de aumentar os impostos, deixou de se recrutar funcionários dentro das camadas pobres, os sultões passaram mais tempo no harém que nos campos de batalha perdendo o controle do exército que passava juntamente com os eunucos e janízaros a escolher dentre dos numerosos filhos do sultão qual iria suceder (uma vez que nunca se impôs a sucessão primogénita). O séc. XVIII viu o aprofundar do fosso com o ocidente e apesar de alguns sobressaltos: convencidos da sua superioridade, tinham pouco interesse em aprender algo com os infiéis e ficavam satisfeitos com as instituições do período tardo-medieval. De facto o problema não era a nível tecnológico mas de mentalidades e institucional. Só nos anos 20 com Mustafá Kemal (e perdidos grande parte dos territórios do império) se fez a modernização da sociedade turca (apesar de todas as dificuldades que ainda hoje se sentem, nomeadamente a nível de direitos do homem).
Aos poucos o quadro começou a degradar-se: as guerras eram menos proveitosas e mais custosas à medida que os exércitos cristãos iam evoluindo; pelo contrário, a evolução do armamento otomano entregue a corporações muito conservadoras criava armas bem concebidas mas que iam progressivamente ficando menos actualizadas, enquanto que a mentalidade do exército cristalizava-se no período das grandes vitórias. Começaram a ter de aumentar os impostos, deixou de se recrutar funcionários dentro das camadas pobres, os sultões passaram mais tempo no harém que nos campos de batalha perdendo o controle do exército que passava juntamente com os eunucos e janízaros a escolher dentre dos numerosos filhos do sultão qual iria suceder (uma vez que nunca se impôs a sucessão primogénita). O séc. XVIII viu o aprofundar do fosso com o ocidente e apesar de alguns sobressaltos: convencidos da sua superioridade, tinham pouco interesse em aprender algo com os infiéis e ficavam satisfeitos com as instituições do período tardo-medieval. De facto o problema não era a nível tecnológico mas de mentalidades e institucional. Só nos anos 20 com Mustafá Kemal (e perdidos grande parte dos territórios do império) se fez a modernização da sociedade turca (apesar de todas as dificuldades que ainda hoje se sentem, nomeadamente a nível de direitos do homem).
segunda-feira, setembro 29, 2003
GUERRA CIVIL AMERICANA
Os europeus não lhe dão muita importância, mas o que é facto é que ela foi, muito provavelmente, um dos acontecimentos seminais da Idade Contemporânea.
Resolvida a guerra, resolvida a questão da escravatura que dilacerava os EUA desde a fundação, o país ficou finalmente livre para se tornar naquilo que é hoje: a hiperpotência mundial, a nova Roma do século XXI.
Com a vitória da União, todas as atenções e energias que se tinham concentrado no grande problema interno, puderam, finalmente, desviar-se para o palco mundial. É claro que o problema dos antigos escravos não ficou totalmente resolvido. Os negros só tiveram igualdade total perante a lei (escrita) em meados do século XX, e o racismo continua a ser um dos principais cancros da sociedade americana.
Em 1898, 23 anos depois do fim da guerra civil (um mero piscar de olhos em termos históricos), os Estados Unidos devoram o império espanhol de uma assentada. Cuba e Filipinas caiem como fruta madura. Os «Rough Riders” de Teddy Roosevelt carregam sobre os espanhóis na colina de San Juan, e com eles levam as aspirações presidenciais do seu líder. Roosevelt não esconde que quer para a América um papel no mundo digno da sua cada vez maior riqueza material.
Para trás (muito para trás) tinham ficado quatro anos de luta feroz, mas que, no final, não dividiram nada nem ninguém.
Em 1898, a (re)União estava já tão sólida, que o exército dos Estados Unidos pôde dar-se ao luxo de ter nas suas fileiras um general que tinha servido distintamente a Confederação.
O general Joe Wheeler terá mesmo, no calor da batalha, viajado no tempo e no espaço: «Vá lá rapazes», terá ele incitado, «dêem cabo desses yankees!» Quando os seus ajudantes o avisaram, entre risotas, daquilo que tinha acabado dizer, Wheeler limitou-se a sorrir e a desculpar-se: «Ora, só me esqueci por um momento. Todos vocês sabem que eu queria dizer “espanhóis”. Agora eu também sou um yankee que veste o uniforme e segue a velha bandeira do país onde Yankee (Norte) e Dixie (Sul) são as mesmas palavras para toda a terra».
R.S.
Resolvida a guerra, resolvida a questão da escravatura que dilacerava os EUA desde a fundação, o país ficou finalmente livre para se tornar naquilo que é hoje: a hiperpotência mundial, a nova Roma do século XXI.
Com a vitória da União, todas as atenções e energias que se tinham concentrado no grande problema interno, puderam, finalmente, desviar-se para o palco mundial. É claro que o problema dos antigos escravos não ficou totalmente resolvido. Os negros só tiveram igualdade total perante a lei (escrita) em meados do século XX, e o racismo continua a ser um dos principais cancros da sociedade americana.
Em 1898, 23 anos depois do fim da guerra civil (um mero piscar de olhos em termos históricos), os Estados Unidos devoram o império espanhol de uma assentada. Cuba e Filipinas caiem como fruta madura. Os «Rough Riders” de Teddy Roosevelt carregam sobre os espanhóis na colina de San Juan, e com eles levam as aspirações presidenciais do seu líder. Roosevelt não esconde que quer para a América um papel no mundo digno da sua cada vez maior riqueza material.
Para trás (muito para trás) tinham ficado quatro anos de luta feroz, mas que, no final, não dividiram nada nem ninguém.
Em 1898, a (re)União estava já tão sólida, que o exército dos Estados Unidos pôde dar-se ao luxo de ter nas suas fileiras um general que tinha servido distintamente a Confederação.
O general Joe Wheeler terá mesmo, no calor da batalha, viajado no tempo e no espaço: «Vá lá rapazes», terá ele incitado, «dêem cabo desses yankees!» Quando os seus ajudantes o avisaram, entre risotas, daquilo que tinha acabado dizer, Wheeler limitou-se a sorrir e a desculpar-se: «Ora, só me esqueci por um momento. Todos vocês sabem que eu queria dizer “espanhóis”. Agora eu também sou um yankee que veste o uniforme e segue a velha bandeira do país onde Yankee (Norte) e Dixie (Sul) são as mesmas palavras para toda a terra».
R.S.
quinta-feira, setembro 25, 2003
Sibéria- II
Apesar do se sentirem superiores relativamente aos nativos, os cossacos rapidamente aprenderam que lhes sairia muito caro desprezar toda a experiência acumulada pelos siberianos ao longo de gerações.
(Imagine-se que seria (sobre)viver na Sibéria há trezentos, quatrocentos anos...)
Um dos aspectos onde eles rapidamente adoptaram os costumes locais foi na alimentação, e pelo que chegou até aos nossos dias da culinária local há mesmo que lhes tirar o chapéu.
Os ostyaques e voguls bebiam o sangue das renas fresquinho; quando tal não era possível, aproveitavam-no para fazer panquecas ou para engrossar a sopa. O peixe geralmente era comido cru, e para acompanhar bebia-se seiva de bétula. Os quirguizes, buriates e yakutes adoravam kumis - nada mais, nada menos que leite de égua fermentado. Os yakutes orgulhavam-se particularmente do seu “alcatrão de leite” (não garanto a fidelidade da tradução). Tratava-se de uma mistura cozida de carne, peixe, raízes, ervas e casca de árvores. Tudo isto era bem triturado e misturado, juntando-se-lhe depois farinha e leite. Uma delícia...
Mas o grande pitéu dos siberianos era a rena. Os nómadas da tundra aproveitavam tudo, mas mesmo tudo: os globos oculares eram engolidos avidamente como se fossem azeitonas; os lábios e orelhas eram especialmente apreciados; o conteúdo semi-digerido dos intestinos (fibras de plantas) era utilizado para fazer “pudins negros” (os outros ingredientes eram a gordura e o sangue coagulado).
Eis o génio humano em todo o seu esplendor...
R.S.
(Imagine-se que seria (sobre)viver na Sibéria há trezentos, quatrocentos anos...)
Um dos aspectos onde eles rapidamente adoptaram os costumes locais foi na alimentação, e pelo que chegou até aos nossos dias da culinária local há mesmo que lhes tirar o chapéu.
Os ostyaques e voguls bebiam o sangue das renas fresquinho; quando tal não era possível, aproveitavam-no para fazer panquecas ou para engrossar a sopa. O peixe geralmente era comido cru, e para acompanhar bebia-se seiva de bétula. Os quirguizes, buriates e yakutes adoravam kumis - nada mais, nada menos que leite de égua fermentado. Os yakutes orgulhavam-se particularmente do seu “alcatrão de leite” (não garanto a fidelidade da tradução). Tratava-se de uma mistura cozida de carne, peixe, raízes, ervas e casca de árvores. Tudo isto era bem triturado e misturado, juntando-se-lhe depois farinha e leite. Uma delícia...
Mas o grande pitéu dos siberianos era a rena. Os nómadas da tundra aproveitavam tudo, mas mesmo tudo: os globos oculares eram engolidos avidamente como se fossem azeitonas; os lábios e orelhas eram especialmente apreciados; o conteúdo semi-digerido dos intestinos (fibras de plantas) era utilizado para fazer “pudins negros” (os outros ingredientes eram a gordura e o sangue coagulado).
Eis o génio humano em todo o seu esplendor...
R.S.
quarta-feira, setembro 24, 2003
Sibéria-I
Temos mais um elemento a contribuír com textos para o Tempore: R.S. Ficará nos meus posts, mas com a devida indicação.
"A conquista e colonização da Sibéria pelos cossacos, e pelos russos em geral, tem muitos paralelismos com a conquista do Oeste americano. Um destes é o modo como os povos autóctones foram “assimilados” pelos invasores. Culturas inteiras desapareceram do mapa, muitas vezes sem deixar qualquer rasto.
Os russos, como é óbvio, não precisavam de grandes desculpas para massacrar sem dó nem piedade os nativos siberianos. Mas se, porventura, tal fosse necessário, rapidamente invocavam a superioridade da sua cultura e religião. Provas não faltavam, assim pensavam eles.
Vejam-se os ritos funerários. Os koryaques e os chukchis dissecavam os seus mortos; os yukaghires desmembravam-nos “afectuosamente”, e depois distribuíam as várias partes, já secas, pelos familiares mais próximos; estes pedaços do ente querido eram apelidados de “avós”, e funcionavam como amuletos (custa-me a imaginar o que fariam eles aos inimigos); os kamchadales, pelo seu lado, tinham em mente as necessidades de transporte no Além: davam os cadáveres a comer aos cães, para que os falecidos tivessem uma boa equipa de cães a puxar-lhes o trenó.
Os russos tinham, assim, encontrado os seus “bárbaros”. Curiosamente, nesta mesma altura (séculos XVII e XVIII), a Europa olhava para o czar e os seus súbditos de uma forma bem semelhante."
R.S.
A parte do desmembramento dos mortos para fazer amuletos faz-me recordar (mesmo que a justificação seja diferente) a práctica de guardar relíquias nos catolicismo.
"A conquista e colonização da Sibéria pelos cossacos, e pelos russos em geral, tem muitos paralelismos com a conquista do Oeste americano. Um destes é o modo como os povos autóctones foram “assimilados” pelos invasores. Culturas inteiras desapareceram do mapa, muitas vezes sem deixar qualquer rasto.
Os russos, como é óbvio, não precisavam de grandes desculpas para massacrar sem dó nem piedade os nativos siberianos. Mas se, porventura, tal fosse necessário, rapidamente invocavam a superioridade da sua cultura e religião. Provas não faltavam, assim pensavam eles.
Vejam-se os ritos funerários. Os koryaques e os chukchis dissecavam os seus mortos; os yukaghires desmembravam-nos “afectuosamente”, e depois distribuíam as várias partes, já secas, pelos familiares mais próximos; estes pedaços do ente querido eram apelidados de “avós”, e funcionavam como amuletos (custa-me a imaginar o que fariam eles aos inimigos); os kamchadales, pelo seu lado, tinham em mente as necessidades de transporte no Além: davam os cadáveres a comer aos cães, para que os falecidos tivessem uma boa equipa de cães a puxar-lhes o trenó.
Os russos tinham, assim, encontrado os seus “bárbaros”. Curiosamente, nesta mesma altura (séculos XVII e XVIII), a Europa olhava para o czar e os seus súbditos de uma forma bem semelhante."
R.S.
A parte do desmembramento dos mortos para fazer amuletos faz-me recordar (mesmo que a justificação seja diferente) a práctica de guardar relíquias nos catolicismo.
terça-feira, setembro 23, 2003
A lenda de Alexandre
Alexandre filho de Filipe II da Macedónia e de Olímpia do Épiro. A sua carreira é sobejamente conhecida: conquistou um império que ia dos Balcãs à Índia, passando pelo Egipto e Afeganistão. Herdou um reino que fora organizado com punho de ferro pelo pai que tivera de lutar contra uma nobreza turbulenta, as ligas lideradas por Atenas, e Tebas (a batalha de Queroneia representa o fim da democracia ateniense e por arrastamento das outras cidades gregas e de uma certa concepção de liberdade), e revolucionando a arte da guerra. A sua personalidade é considerada de formas diferentes segundo os gostos de quem o examina: por um lado profundamente instável e sanguinário (as destruições das cidades de Tebas, Persepólis, o assassinato de Parménion o seu melhor general, a sua ligação com um eunuco) e que se limitava a usar o pessoal de valor que tinha à sua volta; homem de uma visão de império tentando criar uma síntese entre o oriente e ocidente (o encorajamento que fez do casamento entre oficiais seus e mulheres persas e utilizou Persas ao seu serviço), respeitador dos mais fracos (acolheu bem a família de Dário III seu adversário).
De qualquer modo fez o que pode para expandir o Helenismo: criou cidades com o seu nome com os seus veteranos feridos por todo o território.
Infelizmente nenhuma das fontes contemporâneas sobreviveram (Calistenes e Ptolomeu), nem sequer das gerações posteriores: apenas possuímos textos do séc. I que usaram fontes que copiaram os textos originais... De modo que muitos dos pormenores da sua vida são bastante discutíveis.
Com a sua morte os seus generais repartiram o seu império e a sua família acabou por ser exterminada. Os Epígonos iriam gastar gerações seguidas em conflitos. Apenas Seleuco esteve prestes a reunificar o império (faltando o Egipto) por um curto espaço de tempo. Os seus sucessores fizeram o que puderam para manter o Helenismo vivo: gregos e macedónios eram encorajados a emigrar para as novas cidades. Alexandria no Egipto teve um destino brilhante devido aos cuidados dos Ptolomaicos (o Egipto apesar da sua monumentalidade nunca possuíra grandes metrópoles): tornou-se um porto internacional e um foco de cultura graças à biblioteca; mas outras cidades como Antioquia, Éfeso também brilharam. Reinos no oriente como os greco-bacterianos (Afeganistão) e greco-indianos expandiram o helenismo geograficamente mais do que Alexandre o fizera. Quando os Partos (um povo indo-europeu aparentado com os Citas) ocuparam a Pérsia, esses reinos subsistiram até ao séc. I. a.C. com as ligações cortadas ao ocidente
Roma recuperou o legado Helenístico, e a miragem do império de Alexandre: Crasso e Marco António tentaram conquistar a Pérsia com péssimos resultados. Trajano morreu a meio de uma expedição, Septimo Severo teve o bom senso de desistir a meio e só Heraclito no período bizantino teve uma campanha vitoriosa: debalde, pois os árabes acabaram com a Pérsia Sassanida enfraquecida pelas longas guerras com Bizâncio. O ocidente medieval viu nele o perfeito cavaleiro, incluindo no grupo dos nove bravos e estabeleceu lendas e o “Romance de Alexandre”.
Luís XIV ainda apreciava vestir-se como Alexandre (à maneira do séc. XVII obviamente) e esse epíteto seria sempre apreciado por monarcas absolutos. No séc. XX a sua figura não seria muito retratada pelo cinema: os programas documentário da T.V. terão claramente a sua preferência.
De qualquer modo fez o que pode para expandir o Helenismo: criou cidades com o seu nome com os seus veteranos feridos por todo o território.
Infelizmente nenhuma das fontes contemporâneas sobreviveram (Calistenes e Ptolomeu), nem sequer das gerações posteriores: apenas possuímos textos do séc. I que usaram fontes que copiaram os textos originais... De modo que muitos dos pormenores da sua vida são bastante discutíveis.
Com a sua morte os seus generais repartiram o seu império e a sua família acabou por ser exterminada. Os Epígonos iriam gastar gerações seguidas em conflitos. Apenas Seleuco esteve prestes a reunificar o império (faltando o Egipto) por um curto espaço de tempo. Os seus sucessores fizeram o que puderam para manter o Helenismo vivo: gregos e macedónios eram encorajados a emigrar para as novas cidades. Alexandria no Egipto teve um destino brilhante devido aos cuidados dos Ptolomaicos (o Egipto apesar da sua monumentalidade nunca possuíra grandes metrópoles): tornou-se um porto internacional e um foco de cultura graças à biblioteca; mas outras cidades como Antioquia, Éfeso também brilharam. Reinos no oriente como os greco-bacterianos (Afeganistão) e greco-indianos expandiram o helenismo geograficamente mais do que Alexandre o fizera. Quando os Partos (um povo indo-europeu aparentado com os Citas) ocuparam a Pérsia, esses reinos subsistiram até ao séc. I. a.C. com as ligações cortadas ao ocidente
Roma recuperou o legado Helenístico, e a miragem do império de Alexandre: Crasso e Marco António tentaram conquistar a Pérsia com péssimos resultados. Trajano morreu a meio de uma expedição, Septimo Severo teve o bom senso de desistir a meio e só Heraclito no período bizantino teve uma campanha vitoriosa: debalde, pois os árabes acabaram com a Pérsia Sassanida enfraquecida pelas longas guerras com Bizâncio. O ocidente medieval viu nele o perfeito cavaleiro, incluindo no grupo dos nove bravos e estabeleceu lendas e o “Romance de Alexandre”.
Luís XIV ainda apreciava vestir-se como Alexandre (à maneira do séc. XVII obviamente) e esse epíteto seria sempre apreciado por monarcas absolutos. No séc. XX a sua figura não seria muito retratada pelo cinema: os programas documentário da T.V. terão claramente a sua preferência.
sexta-feira, setembro 19, 2003
Bibliografia
Pediram-nos para passar a colocar uma curta bibliografia sobre os assuntos que abordamos (que seja de fácil acesso, facilmente compreensível, etc). Bem, para este último assunto da decadência romana sugiro as seguintes obras.
- “L’Église de l’Antiquité tardive” de Henri Marrou, Ed. du Seuil. Boa abordagem sobre o cristianismo histórico e as suas consequências no mundo romano no baixo- império.
- “The late roman infantryman”, da editora Osprey, colecção Warrior. Juntamente com um outro sobre a cavalaria tem uma descrição sucinta da evolução dos exércitos romanos tardios.
- Finalmente para os que tem tempo e vontade de ler, a obra de Gibbons “The history of the decline and fall of the roman Empire”. Embora seja uma obra muito antiga, e com preconceitos, descreve os factos com uma tal paixão, que o leitor nada perderá em a ler. Poderá completar e corrigir as falhas com qualquer boa História Universal.
- “L’Église de l’Antiquité tardive” de Henri Marrou, Ed. du Seuil. Boa abordagem sobre o cristianismo histórico e as suas consequências no mundo romano no baixo- império.
- “The late roman infantryman”, da editora Osprey, colecção Warrior. Juntamente com um outro sobre a cavalaria tem uma descrição sucinta da evolução dos exércitos romanos tardios.
- Finalmente para os que tem tempo e vontade de ler, a obra de Gibbons “The history of the decline and fall of the roman Empire”. Embora seja uma obra muito antiga, e com preconceitos, descreve os factos com uma tal paixão, que o leitor nada perderá em a ler. Poderá completar e corrigir as falhas com qualquer boa História Universal.
quinta-feira, setembro 18, 2003
Decadência Romana- III
No princípio do séc. V a maioria do exército romano era ainda constituído por romanos (com as devidas aspas que tal termo implica, e com os limitados conhecimentos que temos do real recrutamento por essa época). À medida que os bárbaros foram entrando pelo império, começou-se a fazer acordos em que eles se deveriam fixar num determinado território, recebiam terras e em troca ficavam ao serviço do imperador e lutavam contra os seus inimigos. Ora se a situação de bárbaros ao serviço de Roma não era nova, o recrutamento sempre fora feito por indivíduos que eram treinados, ensinados a falar latim, e equipados por oficiais romanos (esta era uma das formas de romanização), tornando-se na geração seguinte romanos indistinguíveis; na nova situação, eles vinham em grupos com os seus próprios líderes. O resultado foi que progressivamente as tribos foram-se emancipando da tutela romana, e formando reinos; quando em 476 o último imperador romano foi deposto por um grupo de mercenários, pouco territórios (e tropas) restavam ao seu serviço. Os comandantes e chefes que tentavam manter o estado romano nos últimos anos eram também na maioria dos casos de origem bárbara. Só faltava que um decidisse tomar a púrpura, coisa que não sucedeu.
terça-feira, setembro 16, 2003
Decadência Romana- II
Ora em última análise, Roma conquistou o seu império graças às forças das suas legiões. E os seus exércitos no baixo-império eram muito diferentes do que tinham sido na época da república.
Para recrutar soldados recorria-se a vários métodos em simultâneo: voluntários, recrutamento por conscrição (e aí a influência dos grandes proprietários era determinante pois não queriam perder os seus melhores homens e falseavam o sistema), hereditariedade, ou então rusga pura e simples até se até preencher as necessidades. De facto ao contrário do que se disse por muito tempo, o exército romano continuou a ser constituído por gente de dentro do império com excepção de algumas unidades: a barbarização dos quadros só se dá em meados do séc. V (refiro-me ao ocidente) e mesmo assim a defesa local ficou sempre a cargo dos romanos, mantendo-se algumas unidades romanas ofensivas (claro que como toda a gente dentro do império tinha a cidadania romana, o termo refere-se a gente que muitas vezes pouco sabia de latim). Quanto ao valor do soldado romano, poderia ter perdido algumas das suas qualidades (as unidades mais importantes já não eram consideradas as velhas legiões mas sim as auxiliae), mas a realidade é que a guerra modificara-se: raramente se travavam grandes batalhas entre exércitos regulares, mas sim emboscadas e guerrilha que exigia sobretudo flexibilidade e improvisação e menos automatismo nas formações.
Ora outro elemento a considerar, é que o exército era com o império permanente e não uma força recrutada de acordo com as necessidades por algum tempo; logo para se manter um grande exército é preciso dinheiro, muito dinheiro e o ocidente não o tinha: apesar de ter espremido as províncias até levar à revolta dos camponeses (sobretudo na Península Ibérica e Gália), os imperadores do ocidente não conseguiram preservar o seu estado. Poder-se-ia argumentar que o cristianismo enfraquecera o patriotismo romano, mas essa era uma falsa questão: nunca soldados romanos se passaram para o inimigo externo, tinham era a tendência para querer nomear um novo imperador com elevada frequência, entrando em conflito contra outras legiões (mas isso vinha desde o fim da república, assim que terminou a conscrição por períodos limitados)..
Para recrutar soldados recorria-se a vários métodos em simultâneo: voluntários, recrutamento por conscrição (e aí a influência dos grandes proprietários era determinante pois não queriam perder os seus melhores homens e falseavam o sistema), hereditariedade, ou então rusga pura e simples até se até preencher as necessidades. De facto ao contrário do que se disse por muito tempo, o exército romano continuou a ser constituído por gente de dentro do império com excepção de algumas unidades: a barbarização dos quadros só se dá em meados do séc. V (refiro-me ao ocidente) e mesmo assim a defesa local ficou sempre a cargo dos romanos, mantendo-se algumas unidades romanas ofensivas (claro que como toda a gente dentro do império tinha a cidadania romana, o termo refere-se a gente que muitas vezes pouco sabia de latim). Quanto ao valor do soldado romano, poderia ter perdido algumas das suas qualidades (as unidades mais importantes já não eram consideradas as velhas legiões mas sim as auxiliae), mas a realidade é que a guerra modificara-se: raramente se travavam grandes batalhas entre exércitos regulares, mas sim emboscadas e guerrilha que exigia sobretudo flexibilidade e improvisação e menos automatismo nas formações.
Ora outro elemento a considerar, é que o exército era com o império permanente e não uma força recrutada de acordo com as necessidades por algum tempo; logo para se manter um grande exército é preciso dinheiro, muito dinheiro e o ocidente não o tinha: apesar de ter espremido as províncias até levar à revolta dos camponeses (sobretudo na Península Ibérica e Gália), os imperadores do ocidente não conseguiram preservar o seu estado. Poder-se-ia argumentar que o cristianismo enfraquecera o patriotismo romano, mas essa era uma falsa questão: nunca soldados romanos se passaram para o inimigo externo, tinham era a tendência para querer nomear um novo imperador com elevada frequência, entrando em conflito contra outras legiões (mas isso vinha desde o fim da república, assim que terminou a conscrição por períodos limitados)..
sexta-feira, setembro 12, 2003
Decadência Romana-I
Li há uns dias um artigo no blog religar (http://religar.blogspot.com/), a refutar um outro artigo que defendia que o cristianismo fora a razão da decadência do Império Romano, partindo do exemplo de Éfeso. Como não li este artigo não o posso comentar, e é complicado fazer uma análise objectiva sobre o assunto, mas posso dissertar e apresentar alguns dos meus pontos de vista e é o que vou fazer...
Como é que um império que conseguiu vencer tantos adversários sofreu uma decadência tão rápida? Teria a Igreja contribuído para essa decadência ao esmorecer o patriotismo romano?
Em primeiro lugar, os historiadores têm revisto o conceito de decadência. Se analisarmos os sécs. IV e V, estes são muito ricos a nível artístico e cultural (sobretudo se comparados com o séc. II e III). Temos os Padres da Igreja, os Neo-Platónicos, os primeiros passos da arte bizantina (a não ser que não se goste dessas manifestações artísticas mas ai é questão de opinião) a mostrar a vitalidade do império que continuou com Bizâncio. É que quando se fala de que o império se desmoronou, existe a tendência a esquecer que o império romano do Oriente, fortemente cristianizado e urbano ainda aguentou mais mil anos, enquanto que a metade ocidental pagã e rural é que foi conquistada pelos bárbaros.
Aliás rapidamente a Igreja se colou ao poder, e se tivera reticências ao serviço militar nos tempos da perseguição, a partir do momento que o império se tornou cristão considerava um crime grave alguém furtar-se ao seu dever (a pena por deserção no exército era ser queimado a fogo lento).
A Igreja tornou-se fervorosamente patriótica e romana (a ponto de desgostar um neo-pagão como o imperador Juliano que achava que os cristãos só deviam poder ensinar coisas relacionadas com o cristianismo e não cultura clássica). De alguma maneira aumentou a consistência do império.
Um argumento que se apresenta normalmente, é que enquanto o Império pagão fora tolerante, o cristianismo era intolerante perseguindo pagãos, cristãos considerados heréticos e judeus. Roma de facto fora relativamente tolerante (se perseguira pontualmente grupos como os cristãos fora por motivos muito específicos), mas depois das dificuldades do séc. III. (uma série de invasões bárbaras, guerras civis e crise económica), vários imperadores procuraram centralizar mais o estado, obter um maior controlo dos cidadãos (para deste modo ser mais fácil mobilizar recursos humanos e financeiros), e unificar o império em torno de uma ideologia. Com Constantino tornou-se o cristianismo a religião a obter esse monopólio.
Como é que um império que conseguiu vencer tantos adversários sofreu uma decadência tão rápida? Teria a Igreja contribuído para essa decadência ao esmorecer o patriotismo romano?
Em primeiro lugar, os historiadores têm revisto o conceito de decadência. Se analisarmos os sécs. IV e V, estes são muito ricos a nível artístico e cultural (sobretudo se comparados com o séc. II e III). Temos os Padres da Igreja, os Neo-Platónicos, os primeiros passos da arte bizantina (a não ser que não se goste dessas manifestações artísticas mas ai é questão de opinião) a mostrar a vitalidade do império que continuou com Bizâncio. É que quando se fala de que o império se desmoronou, existe a tendência a esquecer que o império romano do Oriente, fortemente cristianizado e urbano ainda aguentou mais mil anos, enquanto que a metade ocidental pagã e rural é que foi conquistada pelos bárbaros.
Aliás rapidamente a Igreja se colou ao poder, e se tivera reticências ao serviço militar nos tempos da perseguição, a partir do momento que o império se tornou cristão considerava um crime grave alguém furtar-se ao seu dever (a pena por deserção no exército era ser queimado a fogo lento).
A Igreja tornou-se fervorosamente patriótica e romana (a ponto de desgostar um neo-pagão como o imperador Juliano que achava que os cristãos só deviam poder ensinar coisas relacionadas com o cristianismo e não cultura clássica). De alguma maneira aumentou a consistência do império.
Um argumento que se apresenta normalmente, é que enquanto o Império pagão fora tolerante, o cristianismo era intolerante perseguindo pagãos, cristãos considerados heréticos e judeus. Roma de facto fora relativamente tolerante (se perseguira pontualmente grupos como os cristãos fora por motivos muito específicos), mas depois das dificuldades do séc. III. (uma série de invasões bárbaras, guerras civis e crise económica), vários imperadores procuraram centralizar mais o estado, obter um maior controlo dos cidadãos (para deste modo ser mais fácil mobilizar recursos humanos e financeiros), e unificar o império em torno de uma ideologia. Com Constantino tornou-se o cristianismo a religião a obter esse monopólio.
quarta-feira, setembro 10, 2003
As Cruzadas vistas pelo Islão - parte III
A Jihad - o fim (?)
O herdeiro de Zengi, Nur al-Din, e o seu sucessor Salah al-Din (“Saladino”), eram extremamente piedosos, observando rigidamente a Sunna e os Pilares do Islão na sua vida pública e particular. Ambos rodearam-se de religiosos e teólogos e sábios em geral. Para além disso fizeram uma activa campanha para espalhar o fervor religioso e propaganda entre os seus súbditos muçulmanos. Com os seus exemplos de religiosidade, Nur al-Din iniciou – e o seu sucessor Salah al-Din cultivou – uma guerra religiosa, uma jihad, contra os Firanj. Enquanto que Zengi apenas podia contar com os seus soldados, o apelo à jihad atraiu os soldados muçulmanos de toda a Arábia, Egipto e Pérsia. Este massivo exército permitiu Salah al-Din esmagar os Firanj na Batalha de Hattin e enfraquecer as forças da Terceira Cruzada de Ricardo Coração de Leão.
A chama da Jihad de Salah al-Din deixou de arder em 1193, quando morreu. O irmão do Sultão, Saphadin, não pretendia entrar em mais guerras, e quando Coração de Leão foi para a Europa, o poderio militar dos Firanj estava praticamente neutralizado e não mais necessidade de derramamento de sangue. A partir desta altura Saphadim acreditava que a coexistência pacífica com Firanj ainda era possível. Várias décadas mais tarde, uma jihad iria finalmente purgar os Firanj da Síria e Palestina, embora até 1291, os muçulmanos ainda partilhassem uma pequena parte desse território com os Firanj.
O herdeiro de Zengi, Nur al-Din, e o seu sucessor Salah al-Din (“Saladino”), eram extremamente piedosos, observando rigidamente a Sunna e os Pilares do Islão na sua vida pública e particular. Ambos rodearam-se de religiosos e teólogos e sábios em geral. Para além disso fizeram uma activa campanha para espalhar o fervor religioso e propaganda entre os seus súbditos muçulmanos. Com os seus exemplos de religiosidade, Nur al-Din iniciou – e o seu sucessor Salah al-Din cultivou – uma guerra religiosa, uma jihad, contra os Firanj. Enquanto que Zengi apenas podia contar com os seus soldados, o apelo à jihad atraiu os soldados muçulmanos de toda a Arábia, Egipto e Pérsia. Este massivo exército permitiu Salah al-Din esmagar os Firanj na Batalha de Hattin e enfraquecer as forças da Terceira Cruzada de Ricardo Coração de Leão.
A chama da Jihad de Salah al-Din deixou de arder em 1193, quando morreu. O irmão do Sultão, Saphadin, não pretendia entrar em mais guerras, e quando Coração de Leão foi para a Europa, o poderio militar dos Firanj estava praticamente neutralizado e não mais necessidade de derramamento de sangue. A partir desta altura Saphadim acreditava que a coexistência pacífica com Firanj ainda era possível. Várias décadas mais tarde, uma jihad iria finalmente purgar os Firanj da Síria e Palestina, embora até 1291, os muçulmanos ainda partilhassem uma pequena parte desse território com os Firanj.
As Cruzadas vistas pelo Islão - parte II
A Jihad - o início
No início do séc. XII, o mundo muçulmano tinha praticamente esquecido a Jihad, a guerra religiosa travada contra os inimigos do Islão. A explosiva expansão da sua religião durante o séc. VIII tinha-se reduzido às memórias de grandeza dessa época. Após a queda de Jerusalém, muitos proeminentes líderes religiosos, como o qadi Abu Sa’ ad al-Harawi, tentaram convencer o Califa Abássida a preparar a Jihad contra os Firanji. No entanto, somente perto de duas décadas depois é que o sultão turco designou um proeminente militar, um atabeg chamado Zengi, para resolver o problema Firanj.
Após a primeira cruzada, a moral dos muçulmanos estava de rastos. Os Firanj detinham uma reputação de ferocidade entre os Turcos e os Árabes. Com os espectaculares sucessos em Antioquia e Jerusalém, os Firanj pareciam quase imparáveis. Eles humilhavam o poderoso califado egípcio anualmente e faziam investidas em terras inimigas impunemente. Exceptuando os vassalos do Egipto, a maioria dos aterrorizados líderes muçulmanos dos territórios mais próximos pagavam um pesado tributo para assegurar a paz. Zengi iniciou o longo e lento processo de modificar a imagem que os muçulmanos tinham dos Firanj.
Tendo recebido o domínio das terras à volta de Mossul e Alepo, Zengi começou uma campanha contra o Firanj em 1132 com a ajuda do seu lugar-tenente Sawar. Em cinco anos conseguiu reduzir o número dos castelos importantes ao longo da fronteira do Condado de Edessa e derrotou o exército firanj em batalha. Em 1144 capturou a cidade de Edessa e neutralizou de forma efectiva o primeiro domínio estabelecido pelos Cruzados.
Zengi foi o primeiro líder muçulmano a enfrentar os firanj e que não só sobreviveu, como triunfou. Ele provou que os firanj podiam ser bloqueados. Os líderes de Bagdad aprovaram os sucessos de Zengi, e cedo um grande número de títulos precediam o seu nome: O Emir, o General, o Grande, o Justo, o Ajudante de Deus, o Triunfante, o Único, o Pilar da Religião, a Pedra de Base do Islão, …Honra de Reis, Apoiante de Sultões … o Sol dos Merecedores, … Protector do Príncipe dos Fiéis. Zengi gostou tanto da enchente de elogios, que insistiu que os seus arautos e escrivães utilizassem todos os títulos na sua correspondência.
Embora Zengi fosse um grande herói militar, ele foi simplesmente muito implacável e cruel nas suas campanhas contra Damasco para motivar os muçulmanos para uma guerra religiosa. Uma noite do ano 1146, encontrando-se ele alcoolizado, ao ter presenciado a um erro do seu eunuco particular, Lulu (“pérola”), e prometeu mandá-lo executar por incompetência. Mais tarde, enquanto Zengi dormia, Lulu pegou na adaga do seu dono e apunhalou-o repetidamente e fugiu, coberto pela escuridão da noite.
No início do séc. XII, o mundo muçulmano tinha praticamente esquecido a Jihad, a guerra religiosa travada contra os inimigos do Islão. A explosiva expansão da sua religião durante o séc. VIII tinha-se reduzido às memórias de grandeza dessa época. Após a queda de Jerusalém, muitos proeminentes líderes religiosos, como o qadi Abu Sa’ ad al-Harawi, tentaram convencer o Califa Abássida a preparar a Jihad contra os Firanji. No entanto, somente perto de duas décadas depois é que o sultão turco designou um proeminente militar, um atabeg chamado Zengi, para resolver o problema Firanj.
Após a primeira cruzada, a moral dos muçulmanos estava de rastos. Os Firanj detinham uma reputação de ferocidade entre os Turcos e os Árabes. Com os espectaculares sucessos em Antioquia e Jerusalém, os Firanj pareciam quase imparáveis. Eles humilhavam o poderoso califado egípcio anualmente e faziam investidas em terras inimigas impunemente. Exceptuando os vassalos do Egipto, a maioria dos aterrorizados líderes muçulmanos dos territórios mais próximos pagavam um pesado tributo para assegurar a paz. Zengi iniciou o longo e lento processo de modificar a imagem que os muçulmanos tinham dos Firanj.
Tendo recebido o domínio das terras à volta de Mossul e Alepo, Zengi começou uma campanha contra o Firanj em 1132 com a ajuda do seu lugar-tenente Sawar. Em cinco anos conseguiu reduzir o número dos castelos importantes ao longo da fronteira do Condado de Edessa e derrotou o exército firanj em batalha. Em 1144 capturou a cidade de Edessa e neutralizou de forma efectiva o primeiro domínio estabelecido pelos Cruzados.
Zengi foi o primeiro líder muçulmano a enfrentar os firanj e que não só sobreviveu, como triunfou. Ele provou que os firanj podiam ser bloqueados. Os líderes de Bagdad aprovaram os sucessos de Zengi, e cedo um grande número de títulos precediam o seu nome: O Emir, o General, o Grande, o Justo, o Ajudante de Deus, o Triunfante, o Único, o Pilar da Religião, a Pedra de Base do Islão, …Honra de Reis, Apoiante de Sultões … o Sol dos Merecedores, … Protector do Príncipe dos Fiéis. Zengi gostou tanto da enchente de elogios, que insistiu que os seus arautos e escrivães utilizassem todos os títulos na sua correspondência.
Embora Zengi fosse um grande herói militar, ele foi simplesmente muito implacável e cruel nas suas campanhas contra Damasco para motivar os muçulmanos para uma guerra religiosa. Uma noite do ano 1146, encontrando-se ele alcoolizado, ao ter presenciado a um erro do seu eunuco particular, Lulu (“pérola”), e prometeu mandá-lo executar por incompetência. Mais tarde, enquanto Zengi dormia, Lulu pegou na adaga do seu dono e apunhalou-o repetidamente e fugiu, coberto pela escuridão da noite.
terça-feira, setembro 09, 2003
Os Pictos
uma achega
Os Pictos como povo constituem um enigma. Alguns especialistas defendem que seriam uma tribo celta, outros, por outro lado, crêem tratar-se de um povo mais antigo. Os escritores romanos sempre os destinguiram dos celtas da escócia, surpreendendo-se pela sua ferocidade e o hábito barbárico de se pintarem ou tatuarem.
Até o nome "Pictos" não ajuda, na medida em que deriva da palavra latina picti, que significa simplesmente "pintados" - uma referência às suas pinturas ou tatuagens de guerra. O nome que os Pictos davam a si mesmo perdeu-se.
As descrições dos Pictos traçam um retrato de um povo pequeno, robusto mas delgado, pele amarelecida, de todo diferentes dos Gauleses, cuja pele pálida, altura e constituição impressionavam os escritores romanos.
O folklore escocês fala dos "pechs". Ao longo dos séculos estes foram tornando-se numa raça mágica de fadas e duendes, mas muitos especialistas crêem que se trata duma "memória popular" dos Pictos, o que indica que seriam vistos pelos Celtas da Escócia como uma raça separada e não apenas uma tribo separada. A juntar com as diferenças físicas, parece que os Pictos poderiam ser os últimos vestígios da população pré-Celtica da Grã-Bretanha, mas não há certezas.
Os Pictos como povo constituem um enigma. Alguns especialistas defendem que seriam uma tribo celta, outros, por outro lado, crêem tratar-se de um povo mais antigo. Os escritores romanos sempre os destinguiram dos celtas da escócia, surpreendendo-se pela sua ferocidade e o hábito barbárico de se pintarem ou tatuarem.
Até o nome "Pictos" não ajuda, na medida em que deriva da palavra latina picti, que significa simplesmente "pintados" - uma referência às suas pinturas ou tatuagens de guerra. O nome que os Pictos davam a si mesmo perdeu-se.
As descrições dos Pictos traçam um retrato de um povo pequeno, robusto mas delgado, pele amarelecida, de todo diferentes dos Gauleses, cuja pele pálida, altura e constituição impressionavam os escritores romanos.
O folklore escocês fala dos "pechs". Ao longo dos séculos estes foram tornando-se numa raça mágica de fadas e duendes, mas muitos especialistas crêem que se trata duma "memória popular" dos Pictos, o que indica que seriam vistos pelos Celtas da Escócia como uma raça separada e não apenas uma tribo separada. A juntar com as diferenças físicas, parece que os Pictos poderiam ser os últimos vestígios da população pré-Celtica da Grã-Bretanha, mas não há certezas.
sábado, setembro 06, 2003
As Cruzadas vistas pelo Islão - parte I
O Mundo Muçulmano
Na altura das cruzadas a febre da conquista islâmica dos sécs. VIII e IX estava a esbater-se. Durante esta altura o Islão espalhava-se pelo Médio Oriente, Pérsia, África do Norte e Península Ibérica. As províncias deste vasto império eram governadas por sultões, de acordo com a autoridade do Califa, o descendente de Maomé e a figura política central do mundo muçulmano. Um dos mais conhecidos califas desta era foi Harun Al-Rashid, imortalizado nos fantásticos contos de As Mil e Uma Noites.
No entanto, nos finais do séc. XI o mundo islâmico estava fortemente dividido. Um Califado rival tinha ascendido no Egipto, Fatímida, descendentes de Ali Ibn Talid genro e sobrinho do Profeta, premissa esta utilizada para basear o seu poder, revoltando-se contra a autoridade de Abu Bakr, o primeiro Califa de Bagdad. Os apoiantes dos Fatímidas eram denominados Shi'ah i-Ali (os seguidores de Ali), ou Shi'itas. Os apoiantes do Califado Abassida de Bagdad eram Sunitas, porque, segundo o seu ponto de vista, seguiam a Sunna (o caminho, a via) de Maomé. Estas seitas eram rivais políticos, não religiosos, e os membros das duas facções políticas eram muçulmanos, observando o Corão, a Sharia e os Pilares do Islão.
Enquanto o Califa Fatímida conservava a sua soberania, o Califado de Bagdad era essencialmente um fantoche dos Turcos, na medida em que a tribo Seljúcida tinha rumado desde a Ásia Central até terem conquistado grande parte da Pérsia e capturado Bagdad em 1055. Em 1071 derrotaram o exército Bizantino, do qual resultou o diálogo entre o Imperador Bizantino e o Papa que apelou à Primeira Cruzada.
Os Seljúcidas converteram-se ao Islão e mantiveram o Califa em Bagdad, mas o sultão turco detinha as rédeas do poder de decisão a nível político e militar no mundo sunita, mantendo aquele os símbolos da sua posição e prestígio, os palácios, o respeito e o harim (harém). A majestosa cidade de Bagdad foi lentamente caindo na ruína, enquanto hordas de soldados turcos, normalmente alcoolizados, vagueavam pela cidade à noite, contribuindo ainda mais para o caos urbano. Durante as Cruzadas, o Califado de Bagdad era o símbolo vivo da decadência no mundo árabe e das suas irrecuperáveis glórias passadas.
Os príncipes turcos eram geralmente cruéis e não olhavam a meios para exterminarem possíveis rivais quando atingiam o poder, para que estes não o depusessem mais tarde. Normalmente isso incluía o harém do falecido pai, os seus meios-irmãos e, às vezes, alguns familiares mais próximos. Devido à brutalidade das guerras de sucessão, os turcos criaram a figura do atabeg para proteger o jovem herdeiro até que este atingisse a maioridade e pudesse lutar por ele próprio. Ás vezes um atabeg recusava-se a devolver o poder e, nesse caso, o antigo servo ou escravo acabaria por fundar a sua própria dinastia.
Embora o Sultão de Bagdad teoricamente controlasse todos os senhores turcos no seu império, na realidade as províncias eram praticamente independentes de qualquer autoridade central. Em cada província os príncipes turcos lutavam entre si pelo poder dinástico. Barkiyaruq, o sultão turco de Bagdad não era excepção: quando Al-Harawi chegou a Bagdad em 1099 protestando pela perda de Jerusalém, o sultão estava ocupado numa batalha no norte da cidade, lutando contra o seu próprio irmão, Maomé. Durante este conflito, que os árabes observavam com algum divertimento, Bagdad mudou de mãos entre os dois beligerantes oito vezes em menos de três anos.
A situação no Egipto não era melhor. A administração corrupta dos conselheiros, os vizires, levou à má gestão do governo sob a autoridade teorética do Califa Fatímida. Todos os anos os vizires egípcios enviavam exércitos para reconquistar Jerusalém. Estas campanhas eram caracterizadas por falta de planeamento. Embora os recursos do Egipto fossem constantes e às vezes derrotassem os Firanj (os francos, os europeus) em batalha, os ineptos vizires fatímidas nunca reconquistaram Jerusalém.
Durante a Primeira Cruzada, as maiores potências políticas do mundo islâmico eram impotentes face aos cruzados. Pela Síria, Pérsia e Anatólia, os príncipes turcos lutavam constantemente contra os seus parentes. Em Bagdad os Turcos forçaram o califa Abássida a retirar-se para os prazeres perfumados do seu harém. Os vizires egípcios apoderavam-se da administração e operações militares do califado Fatímida. Em resumo, o mundo islâmico estava fragmentado, caótico, à mercê da conquista pelos firanj.
Na altura das cruzadas a febre da conquista islâmica dos sécs. VIII e IX estava a esbater-se. Durante esta altura o Islão espalhava-se pelo Médio Oriente, Pérsia, África do Norte e Península Ibérica. As províncias deste vasto império eram governadas por sultões, de acordo com a autoridade do Califa, o descendente de Maomé e a figura política central do mundo muçulmano. Um dos mais conhecidos califas desta era foi Harun Al-Rashid, imortalizado nos fantásticos contos de As Mil e Uma Noites.
No entanto, nos finais do séc. XI o mundo islâmico estava fortemente dividido. Um Califado rival tinha ascendido no Egipto, Fatímida, descendentes de Ali Ibn Talid genro e sobrinho do Profeta, premissa esta utilizada para basear o seu poder, revoltando-se contra a autoridade de Abu Bakr, o primeiro Califa de Bagdad. Os apoiantes dos Fatímidas eram denominados Shi'ah i-Ali (os seguidores de Ali), ou Shi'itas. Os apoiantes do Califado Abassida de Bagdad eram Sunitas, porque, segundo o seu ponto de vista, seguiam a Sunna (o caminho, a via) de Maomé. Estas seitas eram rivais políticos, não religiosos, e os membros das duas facções políticas eram muçulmanos, observando o Corão, a Sharia e os Pilares do Islão.
Enquanto o Califa Fatímida conservava a sua soberania, o Califado de Bagdad era essencialmente um fantoche dos Turcos, na medida em que a tribo Seljúcida tinha rumado desde a Ásia Central até terem conquistado grande parte da Pérsia e capturado Bagdad em 1055. Em 1071 derrotaram o exército Bizantino, do qual resultou o diálogo entre o Imperador Bizantino e o Papa que apelou à Primeira Cruzada.
Os Seljúcidas converteram-se ao Islão e mantiveram o Califa em Bagdad, mas o sultão turco detinha as rédeas do poder de decisão a nível político e militar no mundo sunita, mantendo aquele os símbolos da sua posição e prestígio, os palácios, o respeito e o harim (harém). A majestosa cidade de Bagdad foi lentamente caindo na ruína, enquanto hordas de soldados turcos, normalmente alcoolizados, vagueavam pela cidade à noite, contribuindo ainda mais para o caos urbano. Durante as Cruzadas, o Califado de Bagdad era o símbolo vivo da decadência no mundo árabe e das suas irrecuperáveis glórias passadas.
Os príncipes turcos eram geralmente cruéis e não olhavam a meios para exterminarem possíveis rivais quando atingiam o poder, para que estes não o depusessem mais tarde. Normalmente isso incluía o harém do falecido pai, os seus meios-irmãos e, às vezes, alguns familiares mais próximos. Devido à brutalidade das guerras de sucessão, os turcos criaram a figura do atabeg para proteger o jovem herdeiro até que este atingisse a maioridade e pudesse lutar por ele próprio. Ás vezes um atabeg recusava-se a devolver o poder e, nesse caso, o antigo servo ou escravo acabaria por fundar a sua própria dinastia.
Embora o Sultão de Bagdad teoricamente controlasse todos os senhores turcos no seu império, na realidade as províncias eram praticamente independentes de qualquer autoridade central. Em cada província os príncipes turcos lutavam entre si pelo poder dinástico. Barkiyaruq, o sultão turco de Bagdad não era excepção: quando Al-Harawi chegou a Bagdad em 1099 protestando pela perda de Jerusalém, o sultão estava ocupado numa batalha no norte da cidade, lutando contra o seu próprio irmão, Maomé. Durante este conflito, que os árabes observavam com algum divertimento, Bagdad mudou de mãos entre os dois beligerantes oito vezes em menos de três anos.
A situação no Egipto não era melhor. A administração corrupta dos conselheiros, os vizires, levou à má gestão do governo sob a autoridade teorética do Califa Fatímida. Todos os anos os vizires egípcios enviavam exércitos para reconquistar Jerusalém. Estas campanhas eram caracterizadas por falta de planeamento. Embora os recursos do Egipto fossem constantes e às vezes derrotassem os Firanj (os francos, os europeus) em batalha, os ineptos vizires fatímidas nunca reconquistaram Jerusalém.
Durante a Primeira Cruzada, as maiores potências políticas do mundo islâmico eram impotentes face aos cruzados. Pela Síria, Pérsia e Anatólia, os príncipes turcos lutavam constantemente contra os seus parentes. Em Bagdad os Turcos forçaram o califa Abássida a retirar-se para os prazeres perfumados do seu harém. Os vizires egípcios apoderavam-se da administração e operações militares do califado Fatímida. Em resumo, o mundo islâmico estava fragmentado, caótico, à mercê da conquista pelos firanj.
quinta-feira, setembro 04, 2003
Esclarecimentos
Vou fazer alguns esclarecimentos em relação a algumas personagens do último post.
Kaltenbrunner- Alto dignatário da Gestapo e das SS, chefe da SD (uma espécie de polícia de segurança). Era em última análise responsável pelo envio de presos para os campos de concentração e execução nos campos de extermínio. Foi condenado a ser enforcado no julgamento de Nuremberga (a sua justificação é que se limitava a receber as ordens de Hitler e Himmler).
Canaris- Grande Almirante e chefe da Abwehr (serviços de espionagem do exército). Detestando os nazis, forneceu informações aos aliados, ajudou a salvar
muitos adversários destes, tentou organizar vários golpes de estado que falharam todos. Acabou executado em Abril de 1945 pelas SS (parece que Himmler sabia da sua culpa desde 1943, mas nunca agiu até que o fez por medo que um dos seus subordinados o fizesse, embora seja impossivel saber o que de facto pretendia).
Himmler- Chefe da Gestapo, SS, mais fiel seguidor de Hitler (até as coisas desabarem), responsável pela política de extermínio, etc. Era uma pessoa muito tímida e afável, que gostava de agradar aos seus interlocutores: por exemplo era capaz de servir uma chávena de café e torradas a um dos seus subordinados enquanto se discutia uma nova forma de gaseamento ou o que fazer a uma determinada população numa reunião. Isto não é piada, acontecia mesmo, e mostra o grau de alienação dos nazis.
Mais uma informação: para quem acha estranho existirem 2 serviços secretos, fique saber que existia ainda um terceiro a cargo do ministério dos negócios estrangeiros. Hitler gostava de organizar serviços paralelos com as mesmas funções para competirem entre si. Normalmente acabava num atropelo de funções e sabotagem mútua; os nazis apesar da tradição alemã eram muito pouco eficientes.
Kaltenbrunner- Alto dignatário da Gestapo e das SS, chefe da SD (uma espécie de polícia de segurança). Era em última análise responsável pelo envio de presos para os campos de concentração e execução nos campos de extermínio. Foi condenado a ser enforcado no julgamento de Nuremberga (a sua justificação é que se limitava a receber as ordens de Hitler e Himmler).
Canaris- Grande Almirante e chefe da Abwehr (serviços de espionagem do exército). Detestando os nazis, forneceu informações aos aliados, ajudou a salvar
muitos adversários destes, tentou organizar vários golpes de estado que falharam todos. Acabou executado em Abril de 1945 pelas SS (parece que Himmler sabia da sua culpa desde 1943, mas nunca agiu até que o fez por medo que um dos seus subordinados o fizesse, embora seja impossivel saber o que de facto pretendia).
Himmler- Chefe da Gestapo, SS, mais fiel seguidor de Hitler (até as coisas desabarem), responsável pela política de extermínio, etc. Era uma pessoa muito tímida e afável, que gostava de agradar aos seus interlocutores: por exemplo era capaz de servir uma chávena de café e torradas a um dos seus subordinados enquanto se discutia uma nova forma de gaseamento ou o que fazer a uma determinada população numa reunião. Isto não é piada, acontecia mesmo, e mostra o grau de alienação dos nazis.
Mais uma informação: para quem acha estranho existirem 2 serviços secretos, fique saber que existia ainda um terceiro a cargo do ministério dos negócios estrangeiros. Hitler gostava de organizar serviços paralelos com as mesmas funções para competirem entre si. Normalmente acabava num atropelo de funções e sabotagem mútua; os nazis apesar da tradição alemã eram muito pouco eficientes.
quarta-feira, setembro 03, 2003
O mal e o mal
Albert Speer e Schelemberg são duas figuras menos conhecidas que os nazis de primeiro plano. Mas ambas merecem ser conhecidas pelos respectivos papeis do que eram os nazis não convictos do regime e que provavelmente representava a maioria.
Speer era um arquitecto talentoso que ganhou a admiração de Hitler. Tendo excelentes talentos de organização para as obras que lhe eram encomendadas, Hitler nomeou-o a meio da guerra ministro do armamento, achando que ele iria fazer um bom trabalho. Ora Speer fez mais que um bom trabalho: utilizando critérios de planificação de objectivos mas descentralização nas fábricas conseguiu triplicar a produção de armamento num ano e meio; permitiu assim que a Alemanha prosseguisse o esforço de guerra, prolongando a duração desta. Foi assim considerado pelos aliados a figura mais importante na Alemanha Nazi, mais importante que Himmler ou o próprio Hitler (qualquer um deles poderia ser substituído que nada mudaria no regime). Ora Speer quando foi julgado em Nuremberga foi o único que se considerou culpado: achava que independentemente de ter realizado ou não as acções de que era culpado, devido à sua conivência com o regime era de facto culpado. Esta atitude como a que é a seguir descrita valeu-lhe ser poupado à forca.
Depois da invasão da Polónia e URSS, para substituir a mão-de-obra alemã que estava recrutada, os nazis recorreram a escravos de leste; estes eram presos em rusgas pelos SS e transportados até fábricas. Lá, eram obrigados a dormir ao relento e não lhes era fornecida alimentação; ao fim de uns dias morriam e eram substituídos por outros. Speer numa reunião com os industriais alemães (estamos a falar de civis e não nazis empedernidos) reclamou que não lhes fornecia mais prisioneiros, que passassem a alimentá-los e cuidassem deles. Himmler secundou Speer, e os industriais tiveram de se inclinar (os SS estavam fartos de ser eles a ter de fazer rusgas, trabalho indigno e para se matar devia-se fazer com ordem e disciplina). Por horrível que pareça, as condições nas fábricas conseguiam ser piores do que nos campos de concentração. Por que é que não se fala dessa situação? É que os industriais, terminada a guerra foram utilizados pelos aliados para reconstruir o país e muitas dessas empresas ainda agora existem; os SS pelo contrário eram excelentes bodes expiatórios por tudo o que ocorrera de mal no país (isto não pretende retirar-lhes a culpa dos seus crimes, apenas dizer que outros fizeram o mesmo e que se saíram bem).
Speer descreveu no seu livro “Inside the Third Reich”, a sua carreira, o seu fascínio por Hitler, a sua crença e depois desilusão. Mas não fala das condições dos prisioneiros. Era considerado um bom homem, bom pai de família que fez o melhor que pode. E isso torna tudo muito mais assustador, pois não era um carrasco sanguinário como Kaltembrunner, ou sequer um homem medíocre, incapaz de distinguir o bem do mal como provavelmente Himmler.
Schelemberg era de outra têmpera. No seu livro “O labirinto”, diz que entrou no partido nazi porque era jovem, ambicioso e queria subir depressa. Não foi enganado, não era fanático. Galgou as escadas dos poderes da hierarquia e tornou-se o nº 2 de Himmler. Mas a sua actividade também o salvou da forca: dedicou-se aos serviços secretos e não às políticas de limpeza racial. Ficou assim a conhecer bem os meandros da política internacional e viu-se perante as exigências contraditórias dos seus superiores. Ajudou a salvar alguns adversários e mesmo judeus desde que isso não implicasse arriscar muito a sua pele. No seu livro não fala do que sucedeu aos judeus; não que tivesse problemas de consciência (isso nunca foi problema para ele), mas não era da sua esfera. Ficou mais conhecido por tentar convencer o seu chefe a destituir Hitler e fazer um acordo de paz com os aliados.
Não era um predador por natureza, mas não era um benfeitor, a tentar travar o sistema com um Canaris. Ficou extremamente desiludido quando no final da guerra quase não lhe ligaram, não o prenderam e deixaram ir à vida dele, pois significava que não davam grande importância; pior foi não o colocarem à frente de um grupo de alemães que fazia contra-espionagem aos soviéticos. Por vezes o crime não compensa muito.
Speer era um arquitecto talentoso que ganhou a admiração de Hitler. Tendo excelentes talentos de organização para as obras que lhe eram encomendadas, Hitler nomeou-o a meio da guerra ministro do armamento, achando que ele iria fazer um bom trabalho. Ora Speer fez mais que um bom trabalho: utilizando critérios de planificação de objectivos mas descentralização nas fábricas conseguiu triplicar a produção de armamento num ano e meio; permitiu assim que a Alemanha prosseguisse o esforço de guerra, prolongando a duração desta. Foi assim considerado pelos aliados a figura mais importante na Alemanha Nazi, mais importante que Himmler ou o próprio Hitler (qualquer um deles poderia ser substituído que nada mudaria no regime). Ora Speer quando foi julgado em Nuremberga foi o único que se considerou culpado: achava que independentemente de ter realizado ou não as acções de que era culpado, devido à sua conivência com o regime era de facto culpado. Esta atitude como a que é a seguir descrita valeu-lhe ser poupado à forca.
Depois da invasão da Polónia e URSS, para substituir a mão-de-obra alemã que estava recrutada, os nazis recorreram a escravos de leste; estes eram presos em rusgas pelos SS e transportados até fábricas. Lá, eram obrigados a dormir ao relento e não lhes era fornecida alimentação; ao fim de uns dias morriam e eram substituídos por outros. Speer numa reunião com os industriais alemães (estamos a falar de civis e não nazis empedernidos) reclamou que não lhes fornecia mais prisioneiros, que passassem a alimentá-los e cuidassem deles. Himmler secundou Speer, e os industriais tiveram de se inclinar (os SS estavam fartos de ser eles a ter de fazer rusgas, trabalho indigno e para se matar devia-se fazer com ordem e disciplina). Por horrível que pareça, as condições nas fábricas conseguiam ser piores do que nos campos de concentração. Por que é que não se fala dessa situação? É que os industriais, terminada a guerra foram utilizados pelos aliados para reconstruir o país e muitas dessas empresas ainda agora existem; os SS pelo contrário eram excelentes bodes expiatórios por tudo o que ocorrera de mal no país (isto não pretende retirar-lhes a culpa dos seus crimes, apenas dizer que outros fizeram o mesmo e que se saíram bem).
Speer descreveu no seu livro “Inside the Third Reich”, a sua carreira, o seu fascínio por Hitler, a sua crença e depois desilusão. Mas não fala das condições dos prisioneiros. Era considerado um bom homem, bom pai de família que fez o melhor que pode. E isso torna tudo muito mais assustador, pois não era um carrasco sanguinário como Kaltembrunner, ou sequer um homem medíocre, incapaz de distinguir o bem do mal como provavelmente Himmler.
Schelemberg era de outra têmpera. No seu livro “O labirinto”, diz que entrou no partido nazi porque era jovem, ambicioso e queria subir depressa. Não foi enganado, não era fanático. Galgou as escadas dos poderes da hierarquia e tornou-se o nº 2 de Himmler. Mas a sua actividade também o salvou da forca: dedicou-se aos serviços secretos e não às políticas de limpeza racial. Ficou assim a conhecer bem os meandros da política internacional e viu-se perante as exigências contraditórias dos seus superiores. Ajudou a salvar alguns adversários e mesmo judeus desde que isso não implicasse arriscar muito a sua pele. No seu livro não fala do que sucedeu aos judeus; não que tivesse problemas de consciência (isso nunca foi problema para ele), mas não era da sua esfera. Ficou mais conhecido por tentar convencer o seu chefe a destituir Hitler e fazer um acordo de paz com os aliados.
Não era um predador por natureza, mas não era um benfeitor, a tentar travar o sistema com um Canaris. Ficou extremamente desiludido quando no final da guerra quase não lhe ligaram, não o prenderam e deixaram ir à vida dele, pois significava que não davam grande importância; pior foi não o colocarem à frente de um grupo de alemães que fazia contra-espionagem aos soviéticos. Por vezes o crime não compensa muito.
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