quarta-feira, novembro 30, 2005

As revoltas francesas-IV




A comuna de Paris foi mais um episódio sangrento. Em 1870, o imperador Napoleão III declarara guerra à Prússia (que formaria o núcleo da Alemanha); a guerra foi um desastre para a França: os seus generais eram de forma geral incompetentes e invejosos, o equipamento e treino também inferiores. Napoleão III acabaria por ter de abdicar, e um governo auto-proclamado (do que seria a III república) iria receber as condições de paz. Parte da população de Paris que fora armada para uma eventual invasão (formando a guarda nacional), e que vira as suas condições de vida degradarem-se sensivelmente no período da guerra, começou a formar comités. O governo ordenou a desmilitarização das milícias pelo exército em Paris, mas este liquidou os oficias fieis ao governo e juntou-se aos agora revoltosos. O governo fugiu e deu ordem de evacuação a todos os que seguissem a sua autoridade. O comité da guarda nacional demitiu-se e nas eleições marcadas saiu um governo municipal (Março de 1871) chamado comuna (tinha nos seus membros desde operários a jornalistas, com tendências tão variadas como anarquistas e republicanos), que dava imenso poder aos comités eleitos localmente.
O novo governo de Paris (pois o seu poder limitou-se à capital) era bastante moderado quando comparado com os governantes da revolução francesa: a propriedade privada não foi tocada (nem confiscações nem nacionalizações), não foram feitas perseguições políticas (embora se planeasse uma rigorosa separação entre Igreja e estado), concentrando-se as mudanças em reformas sociais e laborais (fim de horários laborais nocturnos, devolução das ferramentas aos trabalhadores que tinham sido requisitadas para o esforço de guerra). O governo da III república entretanto conseguiu formar um novo exército com o apoio dos prussianos e passou à ofensiva, conquistando bairro a bairro a cidade. Calcula-se que tinham sido mortos umas 30.000 pessoas, mais um número indeterminado de fuzilados (e depois os presos e exilados).

quinta-feira, novembro 24, 2005

As revoltas francesas-III




O assunto é tão complexo e tem tantas peripécias, que vou ter de fazer um resumo muito simplificado do que sucedeu.
A França estava na segunda metade do séc. XVIII com uma crise financeira; várias tentativas foram levadas a cabo para as resolver. A nobreza e clero que eram isentas de impostos, defendiam-se que só a reunião dos estado gerais daria a legalidade ao rei de os obrigar a ser contribuintes. Foram marcados os estados (1789), mas dado que a votação era feita por grupo, os privilegiados tinham dois terços dos votos o que inviabilizava qualquer mudança; ora o grupo do 3º estado declarou-se representante de 98% da população e assembleia nacional. O rei pressionado pretendeu aí fazer marcha atrás mas a população de Paris reagiu e tomou a Bastilha (14 de Julho), considerada o símbolo do poder absoluto, uma vez que funcionara como prisão dos adversários do rei (nessa altura já não era assim). O rei teve de ceder, reconciliando-se aparentemente com a assembleia nacional; nos campos fez-se o saque de muitos castelos levando à fuga da aristocracia para o estrangeiro contando a sua versão do que sucedera. Em Agosto, são abolidos os privilégios e títulos de nobreza, levando à igualdade política; no ano seguinte seria a vez do clero perder os seus privilégios (pensões do governo, propriedades, taxas especiais, etc), antes de começar a ser efectivamente perseguida. No auge do terror chegou-se mesmo a fundar um culto de uma suprema divindade símbolo da razão; ao mesmo tempo que os padres deveriam ser tornados simples funcionários públicos recusando-se a aceitar Roma; os que se recusassem seriam destituídos. Tudo isso acabou numa concordata feita por Napoleão, que normalizaria as relações com Roma.
Voltando à situação política, a assembleia era constituída por todo o espectro imaginável, desde defensores do absolutismo, até defensores do poder absoluto do povo (Robespierre); a maioria era ainda moderada (Mirabeau). Criaram-se grupos como os girondinos (defensores da redução do rei a figura decorativa ou mesmo a república, representando a burguesia, nesta altura eram radicais), os jacobinos (muito mais extremistas) e uma profusão de grupos menores.
Marcaram-se eleições e foi-se elaborando uma constituição. A nova constituição espojava o rei dos seus poderes absolutos e acabava de liquidar o que restava do antigo regime (abolindo todos os privilégios pessoas ou colectividades, taxas internas, considerando todos os cidadãos iguais, etc). A morte de Mirabeau que sempre pusera um freio aos grupos radicais, iria complicar a situação, pois entretanto, o rei que não aceitara de boa mente o papel que tivera, apoiou as tentativas de sedição dos grupos conservadores e tentou mesmo fugir (1791); capturado, viu a assembleia (que não lhe era completamente hostil) tentar entrar em entendimento com ele. A assembleia legislativa que lhe sucedeu, teve de enfrentar tumultos internos (à medida que os grupos radicais ganhavam poder) e a guerra com as monarquias absolutas. A assembleia foi-se despojando dos seus membros até que se formou a convenção. Esta para fazer face às várias oposições instituiu o que se chamou o terror: os adversários (e mais tarde simples suspeitos) deveriam julgados (no final já nem isso, eram apenas condenados) e executados. Estavam incluídos no princípio os aristocratas e padres refractários. A Convenção acabaria por mandar guilhotinar Luís XVI e a Maria Antonieta (1793). Os jacobinos de Robespierre (que criou o comité de salvação nacional, um órgão todo poderoso para condenar potenciais traidores) acabariam por eliminar as facções moderadas dentro da convenção por traição assim como os seus adversários pessoais (neste momento, até os girondinos eram considerados moderados e liquidados por oposição), quer os extremistas revolucionários por excesso de zelo e mesmo jacobinos “moderados”. Até um revolucionário como Danton que fora um dos criadores do terror, acabou guilhotinado por mostrar falta de zelo revolucionários. A revolução devorava os seus filhos. Formou-se uma reacção que acabou por levar à destituição de Robespierre e partidários e sua execução (1794). Uma nova constituição e um órgão que controlaria o poder (o directório) levariam a uma acalmia da situação (sem negar qualquer das conquistas sociais da revolução), até que o descontentamento devido a problemas económicos e políticos levariam ao advento de Napoleão.
Do ponto de vista ideológico, a maioria dos revolucionários se proclamava adeptos das doutrinas de figuras como Rousseau e Voltaire, a sua forma de as aplicar iria varia de acordo com as circunstâncias e com o tempo; o modelo inglês nunca foi bem visto por uma certa anglofobia por um lado e por outro pelo orgulho francês de querer criar algo de diferente, experimentado soluções novas (mesmo que pouco práticas).
As imensas dificuldades quer internas (revolta de departamentos, oposição sistemática de certos grupos), quer externas (as monarquias absolutas que decidiram colocar um travão à revolução), aliadas aos problemas económicos (que nunca mais se resolviam), levaram à radicalização e uma constante fuga em frente.

terça-feira, novembro 22, 2005

Flautista de Hamelin

Ando a ler "A World Lit Only By Fire", de William Manchester. A obra não prima pelo rigor científico: o autor era perito em história contemporânea (Churchill, nomeadamente) e só escreveu este livro sobre o fim da Idade Média e o Renascimento por mero acaso. Contudo, lê-se muito agradavelmente, estando muito bem escrito e cheio de episódios pitorescos.
Contudo, alguns destes episódios suscitam-me dúvidas. Por exemplo, Manchester afirma que a história do Flautista de Hamelin é baseada num caso verídico, de um psicopata e pedófilo que atrairia as crianças para as violar e matar. O relato não especifica as fontes (uma grande lacuna do livro), pelo que desconheço a origem da história. Após alguma pesquisa descobri que, de facto, haverá algum episódio real que terá inspirado a história, mas julgo não haver dados suficientes para se poderem fazer este tipo de afirmações.
Algum sabe mais alguma coisa sobre este caso?

wikipedia

Saiu hoje um texto interessante na wikipediasobre os Ta-Yuan.

The Ta-Yuan were a people of Ferghana in Central Asia, described in the Chinese Chronicles and in the Chinese Former Han History, following the travels of Zhang Qian in 130 BCE, and the numerous embassies that followed him into Central Asia thereafter. These Chinese accounts describe the Ta-Yuan as urbanized dwellers with Indo-European features, living in walled cities and having "customs identical to those of the Greco-Bactrians", a Hellenistic kingdom that was ruling Bactria at that time in today’s northern Afghanistan. The Ta-Yuan are also described as manufacturers and great lovers of wine. The Ta-Yuan were probably the descendants of the Greek colonies that were established by Alexander the Great in Ferghana in 329 BCE, and prospered within the Hellenistic realm of the Seleucids and Greco-Bactrians, until they were isolated by the migrations of the Yueh-Chih around 160 BCE. It has also been suggested that the name “Yuan” was simply a transliteration of the words “Yona”, or “Yavana”, used throughout antiquity in Asia to designate Greeks (“Ionians”), so that Ta-Yuan (lit. “Great Yuan”) would mean "Great Ionians".

terça-feira, novembro 15, 2005

Textos primitivos

O texto abaixo é o mais antigo texto de língua francesa, do séc.IX; Luís o germânico dirigiu-se em língua "romana" (ainda não existia o termo francesa), às tropas do seu irmão, Carlos o Calvo (eram os netos de Carlos Magno). Embora seja compreensível, parece mais latim mal escrito do que propriamente francês; mas conforme se ler com sotaque "latino" ou francês, o resultado será bastante diferente.

Pro deo amur et pro christian poblo et nostro commun salvament, d'ist di in avant, in quant deus savir et podir me dunat, si salvarai eo cist meon fradre Karlo et in aiudha et in cadhuna cosa, si cum om per dreit son fradra salvar dist, in o quid il mi altresi fazet, et ab Ludher nul plaid nunquam prindrai, qui meon vol cist meon fradre Karle in damno sit.

segunda-feira, novembro 14, 2005

As revoltas francesas-II



A fronda
Outra revolta conhecida, foi a fronda (se bem que não fosse uma mas duas revoltas).
Em 1648 a França estava em guerra com a Espanha há alguns anos (a guerra dos 30 anos, que começara por outros países mas se tornara num braço-de-ferro entre Olivares e Richelieu). O cardeal Mazarino decidiu lançar um novo imposto para ser pago pelos oficias de justiça, dado que as finanças reais estavam mal e o povo não estava em condições de pagar novos impostos. O parlamento recusou-se a pagar e ainda propôs algumas reformas limitando o poder real; Mazarino mandou prender os líderes parlamentares. Depois de várias peripécias, Paris revoltou-se e a corte teve de fugir. A corte acabou por fazer algumas concessões e a situação resolveu-se.
Em 1650, é a vez da grande aristocracia se revoltar (incluíndo membros da família real). O motivo do desagrado, era o de ver um estrangeiro acumular tanto poder (e ainda por cima acusado de se ter tornado amante da rainha-mãe e provavelmente casou com ela), ficando a nobreza afastado das rédeas do poder. Revoltaram-se os comandantes de vários exércitos (Turrene, Condé), até então em luta contra a Espanha (por sorte, as tropas espanholas encarregues de ajudar os revoltosos foram detidos por camponeses que lutaram pelo seu país). Mazarino é obrigado a exilar-se, e as várias facções viram-se umas contra as outras, embora o esgotamento do país, levasse a alguma acalmia. No ano seguinte Mazarino volta com um exército e vários comandantes que se tinham aliado à causa real viraram-se contra os seus anteriores companheiros de revolta. Continuaram as batalhas até 1653, até que se chegou a um compromisso, em que todos se submetiam à autoridade real, e tudo continuava na mesma, com Mazarino no poder, mantendo-se a guerra com a Espanha até 1659, em que se estabelecia a França como a potência da época, tendo a Espanha perdido a guerra dos 30 anos. E Luís XIV estabelecia o poder absoluto da realeza, pronto a ser aceite por uma população cansada da anarquia.

sexta-feira, novembro 11, 2005

As revoltas francesas



Vou começar por uma das mais antigas e conhecidas: as Jacquerie.
Elas começaram no final da idade média em 1358. Estando a decorrer a guerra dos 100 anos, a nobreza que sofrera imensas perdas financeiras (derrotas, campos devastados, resgates a ser pago aos ingleses, a baixa de rendimento devido às mortes pela peste e fuga de camponeses), decidiu manter os seus rendimentos aumentando os impostos e criando novos. O resultado não se fez esperar: os camponeses que também tinham sido duramente afectados pela guerra, começaram a revoltar-se e a assaltar as residências dos nobres. Depois de alguns êxitos iniciais, a grande nobreza reagiu, e conseguiu numa série de vitórias esmagar as revoltas dos camponeses, mal armados e mal liderados. A principal crónica dessa época é a de Froissart: embora seja um defensor incontestável da nobreza e das suas virtudes (pode-se dizer que ele é o ideal de historiador de qualquer regime: cobre de elogios os governantes, critica asperamente os seus adversários, é parcial nas interpretações), faz apesar de tudo um relato relativamente fiel dos acontecimentos. Começa por fazer descrições terríveis das revoltas dos camponeses (o assalto à casa de um cavaleiro, o seu suplício a fogo lento, a violação colectiva da sua família), mas depois descreve os massacres dos camponeses

quinta-feira, novembro 10, 2005

França


Surpreende-me o espanto das pessoas com o que está a decorrer em França. Este foi sempre o país onde as pessoas recorreram à violência quando consideravam que tinham chegado a um ponto intolerável, quer fossem aristocratas (fronda), plebeus (a revolução francesa, 1848, 1871), estudantes (maio de 68) ou imigrantes (agora). E dos que mais procuram um salvador que os tire da anarquia (Napoleão I, III Petain e De Gaulle foram os bem sucedidos, houve outros mal sucedidos).

terça-feira, novembro 08, 2005

Inquisição

Uma amiga minha há uns anos atrás, fez um estudo sobre a inquisição de vila do conde, estudou a documentação da época (finais do séc. XVI) e contou-me alguns episódios curiosos, de que vou apresentar um; como isto me foi contado há uns anos atrás, não me lembro dos pormenores.
Numa aldeia nos arredores de vila do conde, corria o boato de que existia uma bruxa; feita a denúncia à inquisição, a senhora foi presa. Sendo interrogada (não me lembro se foi torturada, mas provavelmente sim), ela confessou que não era bruxa, que tendo alguém espalhado o boato, começou a ser visitada por pessoas que queriam que ela fizesse feitiços. Como ela era pobre e precisava de dinheiro, começou a fazer poções (de ervas inofensivas) e as pessoas pagavam contentes.
Para quem está habituado ao estereótipo da inquisição, a pena pode parecer surpreendente: foi condenada ao exílio por charlatanice. É que as penas dependiam bastante da formação dos inquisidores (os juristas eram muito mais cépticos do os teólogos para tudo o que se referisse a crimes religiosos), assim como o tipo de crime (fosse a acusação de apostasia para o judaismo, o processo teria decorrido de forma muito diferente).

quarta-feira, novembro 02, 2005

Béria- VII


Para evitar um conflito aberto, os “notáveis” do regime evitaram hostilizar-se ostensivamente. Mas Béria possuía uma imensa vantagem: controlava os serviços de espionagem e a polícia política, para além de ter numerosos aliados. Béria, foi tentando assim ganhar terreno aos pouco.
Um das primeiras medidas que aplicou foi a libertação de prisioneiros que não fossem considerados um perigo para o estado (incluíam-se mulheres grávidas, mulheres com crianças, menores de 18 anos), ou seja mais de um milhão de pessoas. Também ordenou que fossem suavizadas as condições, acabando os maus-tratos arbitrários e as prisões indiscriminadas. Retirou uma série de atribuições do partido no estado, para reduzir a força do partido (controlado por Krustchev, enquanto ele tinha maior poder no aparelho governamental).
Suspendeu a construção de grande obras públicas que não tivessem vantagens óbvias dado os gastos, assim como o estabelecimento das “cidades camponesas” (desmontavam-se as pequenas aldeias para se juntar tudo em autenticas cidades agrícolas), uma vez que estavam a afectar a produção e provocavam a resistência das populações. Ordenou a substituição dos líderes das repúblicas soviéticas que eram russos ou pró-russos por outros nativos, assim como a utilização das línguas locais como línguas oficias da administração. Ordenou a reabilitação de vítimas de Estaline e denunciou a conjura dos médicos como um embuste (e mostrou-se desrespeitoso com a sua memória em discursos oficiais). Livrou-se de alguns adversários que tinham substituído apoiantes seus nos últimos tempos de Estaline (mandando-os prender ou fusilar- os velhos hábitos demoram tempo a morrer). Do ponto de vista externo, pediu aos satélites da URSS para se “moderarem” na construção do socialismo, evitando a expropriação de camponeses e pequenos lojistas o que desorganizaria a economia. Tentou-se mesmo uma normalização das relações com os E.U.A. e com o Vaticano (libertando-se na ucrânia os unionatas, católicos de rito ortodoxo, o que era um ataque directo a Krustchev que os tentara esmagar em prol dos ortodoxos). Mas na Alemanha de leste o apoio aos moderados, provocou uma sublevação da população contra o PC, o que levou ao envio de tanques para esmagar a sublevação. Ora, este caso seria a gota de água que levaria à queda de Béria (e também o seu desprezo por Krustchev que considerava um camponês sem subtileza e fácil de vencer). Tendo tomado numerosas decisões importantes apenas informando os seus colegas, gerara numerosos descontentamentos. E Krustchev aproveitou-se disso. Numa reunião de emergência com alguns membros do Presidium, convenceu-os que Béria estava a tentar apoderar-se do poder (o que não deveria ser grande surpresa) e que as suas medidas estavam a destruir a URSS; conseguiu convence-los a prende-lo (o que era ilegal, dado que o presidium não tinha poderes para mandar prender alguém, ainda menos quando faltava a maioria dos membros). Entre essa reunião e a prisão de Béria correram menos de 12 horas (foi só o tempo de conseguir o apoio de alguns militares como Jukov que detestavam Béria pelo seu papel nas purgas e constantes interferências no exército, o que se pode considerar um golpe simples, rápido e com uma boa dose de sorte). Agora o que sucedeu em seguida está aberto a discussões: segundo uma versão, logo de madrugada, um grupo de soldados com Krutschev teria ido à sua casa e assassinando, resolvido o problema. A versão oficial, é de que tendo Béria ido a uma reunião do presidium, teria sido aí preso por traição, espionagem e o habitual cliché estalinista. Efectuou-se depois um julgamento (sem defesa, unicamente com testemunhas de acusação ou sequer ouvir-se o preso), sendo então sentenciado à morte, com meia dúzia de colaboradores. Mas os tempos eram definitivamente outros: a sua família foi presa por pouco tempo (em vez de executada), e depois libertados sendo-lhes permitido que reconstruíssem as suas vidas.
No interior e exterior, toda a gente pensou que o caso se limitara a uma luta de poder, embora, alguns pensassem que o regime estava enfraquecido politicamente. Nos vários países aliados, as linhas duras iriam sair reforçadas, aproveitando-se para efectuar purgas. O comum soviético, não se preocupou muito, não tendo associado as reformas à figura repressora de Béria (as decisões saíam sempre em nome do colectivo, mesmo quando era ele que as tomava), e as posteriores reformas de Krustchev iriam reforçar essa crença.
E aos conspiradores? O núcleo duro (Molotov, Malenkov, Jukov e mais uns quantos), afastou-se rapidamente de Krustchev e tentou afasta-lo, mas com a ajuda de um jovem talentoso (Brejnev, como o mundo é irónico), prendeu-os. Foram expulsos do partido, perderam os seus privilégios mas não foram fuzilados. Tiveram de ir trabalhar como vulgares cidadãos, e morreram idosos e esquecidos.
Krustchev acabou por aplicar numerosas medidas preconizadas por Béria ou ficou com o crédito delas. Mas teve de fazer numerosas concessões: ao novo KGV, que acabara por ficar neutral com a prisão do seu chefe, com o exército e o partido que o apoiara; a sua margem de manobra para reformas ficou seriamente limitada, acabando por ser substituído quando as coisas começaram a correr mal.
O livro concluí perguntando-se o que teria feito Béria na via da destalinização, e se era possível com mais reformas salvar o sistema: controlando o aparelho policial e de informação, tendo numerosas informações sobre o que estava mal, e profundamente pragmático (sem provavelmente pudores ideológicos), faria o que fosse necessário para salvar o sistema. O livro tendo sido escrito após a queda do muro, considera que com todos os defeitos inerentes ao regime, ele estaria condenado de qualquer modo; mas a sobrevivência de diversos casos (nomeadamente China), prova que não teria de ser assim.