segunda-feira, outubro 13, 2003

Ano Mil

Bem, já ultrapassámos o milhar de visitas; portanto nada mais adequado do que falar do ano mil.
As datas são convenções (um ano não passa de uma sucessão de dias que se considera fixo) para facilitar a contagem do tempo nas sociedades escritas, mas por questões simbólicas as pessoas preferem determinados números e dão-lhes um enorme valor.
Ora por volta do ano mil do calendário cristão, o sistema de contar o tempo a partir da data que se calculou na alta idade média que fora o nascimento de Cristo ainda não estava muito divulgado fora da Igreja (em Portugal as chancelarias régias só o adoptaram no séc. XV). Claro que a Igreja era detentora do monopólio da cultura escrita por essa altura, mas a esmagadora maioria da população ignorava essa datação. Se alguns meios monásticos poderiam ter feita a associação com a 2ª vinda de Cristo, a maioria preferia manter a atitude tradicional: os fiéis deviam estar sempre preparados para essa vinda sem ter uma data fixa.
A Europa da época continuava a seguir os seus negócios como habitual. Os pequenos reinos da península ibérica resistiam como podiam às investidas de Al-Mansur que chegou a devastar Santiago de Compostela. A França que finalmente tinha paz das razias vikingues, ia ver a dinastia dos Capetos tentar durante séculos restaurar a autoridade régia, uma vez que o reino de França estava espartilhado numa série de grandes feudos: Anjou, Normandia, a Bretanha, a Aquitânia (para só falar dos principais), cada um formando uma entidade que pouco tinha a ver com o reino dos “Francos”. A Itália estava dividida entre muçulmanos, bizantinos, o Sacro Império Romano-Germânico; as emergentes repúblicas italianas estavam teoricamente submissas ao imperador, mas iam-se progressivamente autonomizando.
A Alemanha estava nas mãos firmes dos imperadores germânicos, não tendo sofrido o processo de feudalização extrema que possibilitaria a existência de mais de 300 estados praticamente independentes. O Imperador em teoria era o sucessor dos imperadores de Roma (da parte ocidental do império por oposição ao imperador bizantino que era senhor da parte oriental). Na realidade, a sua autoridade mesmo simbólica não era aceite fora do estado que governava quer estivesse sob a sua alçada directa ou indirecta, pois o princípio que vingava é que cada rei era “imperador” do seu próprio território.
A Inglaterra estava unificada, refizera-se das invasões vikingues mas ainda era um reino muito “germânico” na medida em que as alterações a nível linguístico, cultural e institucional que lhe deram um carácter tão original só se dariam com a invasão normanda de 1066.
Futuros países como a Holanda, Bélgica, Suiça, estavam divididos em feudos sem qualquer consistência. A Europa de leste era partilhada por tribos nómadas na maioria de origem eslava que iriam sedentarizar-se aos poucos e absorver as influências latinas, germânica ou grega conforme os acasos da história mas mantendo uma forte identidade étnica.
E claro, Bizâncio que gozava a sua segunda época de ouro. Com a dinastia dos Nicéforos recuperava a influência perdida: esmagava os búlgaros (o imperador Basílio II ordenou depois de uma batalha que 15000 prisioneiros foram divididos em grupos de 100, em que 99 eram cegados e 1 um deixado zarolho para os conduzir de volta tendo adquirido o cognome de mata-búlgaros), tornando as fronteiras do Danúbio novamente seguras, recuperava parte da Síria aproveitando-se do enfraquecimento político muçulmano, expandia a sua influência para o Cáucaso.