quarta-feira, setembro 03, 2003

O mal e o mal

Albert Speer e Schelemberg são duas figuras menos conhecidas que os nazis de primeiro plano. Mas ambas merecem ser conhecidas pelos respectivos papeis do que eram os nazis não convictos do regime e que provavelmente representava a maioria.
Speer era um arquitecto talentoso que ganhou a admiração de Hitler. Tendo excelentes talentos de organização para as obras que lhe eram encomendadas, Hitler nomeou-o a meio da guerra ministro do armamento, achando que ele iria fazer um bom trabalho. Ora Speer fez mais que um bom trabalho: utilizando critérios de planificação de objectivos mas descentralização nas fábricas conseguiu triplicar a produção de armamento num ano e meio; permitiu assim que a Alemanha prosseguisse o esforço de guerra, prolongando a duração desta. Foi assim considerado pelos aliados a figura mais importante na Alemanha Nazi, mais importante que Himmler ou o próprio Hitler (qualquer um deles poderia ser substituído que nada mudaria no regime). Ora Speer quando foi julgado em Nuremberga foi o único que se considerou culpado: achava que independentemente de ter realizado ou não as acções de que era culpado, devido à sua conivência com o regime era de facto culpado. Esta atitude como a que é a seguir descrita valeu-lhe ser poupado à forca.
Depois da invasão da Polónia e URSS, para substituir a mão-de-obra alemã que estava recrutada, os nazis recorreram a escravos de leste; estes eram presos em rusgas pelos SS e transportados até fábricas. Lá, eram obrigados a dormir ao relento e não lhes era fornecida alimentação; ao fim de uns dias morriam e eram substituídos por outros. Speer numa reunião com os industriais alemães (estamos a falar de civis e não nazis empedernidos) reclamou que não lhes fornecia mais prisioneiros, que passassem a alimentá-los e cuidassem deles. Himmler secundou Speer, e os industriais tiveram de se inclinar (os SS estavam fartos de ser eles a ter de fazer rusgas, trabalho indigno e para se matar devia-se fazer com ordem e disciplina). Por horrível que pareça, as condições nas fábricas conseguiam ser piores do que nos campos de concentração. Por que é que não se fala dessa situação? É que os industriais, terminada a guerra foram utilizados pelos aliados para reconstruir o país e muitas dessas empresas ainda agora existem; os SS pelo contrário eram excelentes bodes expiatórios por tudo o que ocorrera de mal no país (isto não pretende retirar-lhes a culpa dos seus crimes, apenas dizer que outros fizeram o mesmo e que se saíram bem).
Speer descreveu no seu livro “Inside the Third Reich”, a sua carreira, o seu fascínio por Hitler, a sua crença e depois desilusão. Mas não fala das condições dos prisioneiros. Era considerado um bom homem, bom pai de família que fez o melhor que pode. E isso torna tudo muito mais assustador, pois não era um carrasco sanguinário como Kaltembrunner, ou sequer um homem medíocre, incapaz de distinguir o bem do mal como provavelmente Himmler.
Schelemberg era de outra têmpera. No seu livro “O labirinto”, diz que entrou no partido nazi porque era jovem, ambicioso e queria subir depressa. Não foi enganado, não era fanático. Galgou as escadas dos poderes da hierarquia e tornou-se o nº 2 de Himmler. Mas a sua actividade também o salvou da forca: dedicou-se aos serviços secretos e não às políticas de limpeza racial. Ficou assim a conhecer bem os meandros da política internacional e viu-se perante as exigências contraditórias dos seus superiores. Ajudou a salvar alguns adversários e mesmo judeus desde que isso não implicasse arriscar muito a sua pele. No seu livro não fala do que sucedeu aos judeus; não que tivesse problemas de consciência (isso nunca foi problema para ele), mas não era da sua esfera. Ficou mais conhecido por tentar convencer o seu chefe a destituir Hitler e fazer um acordo de paz com os aliados.
Não era um predador por natureza, mas não era um benfeitor, a tentar travar o sistema com um Canaris. Ficou extremamente desiludido quando no final da guerra quase não lhe ligaram, não o prenderam e deixaram ir à vida dele, pois significava que não davam grande importância; pior foi não o colocarem à frente de um grupo de alemães que fazia contra-espionagem aos soviéticos. Por vezes o crime não compensa muito.

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