quinta-feira, dezembro 28, 2006

Línguas semitas

As línguas semitas fazem parte de um grupo mais vasto, aparentado com línguas da Africa oriental (desse grupo fazia parte o antigo egípcio). Desconhece-se de onde vieram os semitas (Ásia? Africa?). A partir do 3º milénio, foram lentamente aparecendo diversos povos na mesopotâmia (povoada anteriormente pelos sumérios de origem desconhecida) que falavam línguas semitas: os amorreus, os acádios, só para citar alguns dos mais importantes. Lentamente o acádico foi substituindo todas as línguas que aí existiam, até que por sua vez os aramaicos surgiram e acabaram por impor a sua língua (estes processos deram-se numa uma lenta aculturação feita a partir das elites e não propriamente por imposição pelo uso das armas).
O aramaico entretanto foi-se expandindo até se tornar a língua mais falada no médio oriente (até ao período árabe), desde a fronteira egípcia até territórios dominados pelos persas. Obviamente uma língua falada num período tão vasto (1500 aC até 700 dC)e em zonas tão dispares tinha de sofrer modificações, de modo que o aramaico se dividiu em diversas línguas (de que sobreviveram algumas ainda actualmente). Não foi afectado pelo grego, nunca tendo os soberanos helenísticos ou romanos conseguido substituir a língua.
Outra língua semita é o árabe: de facto, existiam diversas línguas e dialectos árabes mas uma delas por ser a língua em que foi registado o corão (o chamado árabe clássico) conseguiu impor-se e levou à quase extinção das outras. Com a conquista muculmana, o árabe acabou por substituíro aramaico como língua falada pela maioria dos habitantes do médio oriente, conseguindo-se expandir para além dessa área. Apesar das diferenças regionais que acabaram por surgir, a existência de um livro sagrado de gramática fixa de leitura obrigatória (nem que seja para as classes cultas), consegue manter uma certa inteligibilidade entre as variantes do árabe dos vários países (fenómeno que não se deu com o latim). Acabou por dar origem a outras línguas como o maltês (ou deixar uma marca profunda nomeadamente nas línguass da península ibérica ou na Sicília).
O hebraico é uma língua semita aparentada com o fenício. Impôs-se por volta do ano 1000 aC na palestina, mas as guerras e deportações com os assírios/babilónios levou a que a língua fosse lentamente substituída pelo aramaico (sobrevivendo como língua litúrgica e influenciando as línguas faladas pelos judeus, quaisquer que fossem). Só foi recuperada como língua oficial de um estado no século XX com Israel.
Uma menção especial para o fenício: este povo de mercadores criou o primeiro alfabeto e conseguiu que a sua língua sobrevivesse até à conquista árabe.
Ainda existem diversas línguas semitas no chamado "corno de AFrica" que são faladas por milhões de pessoas.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Guns, germs and steel-I

Ofereceram-me este natal o livro “Guns, Germs, and Steel”. Foi escrito por um biólogo (entre outras coisas) que decidiu investigar sobre as razões do sucesso da civilização ocidental (Europa e EUA). A sua abordagem é original: em vez de estudar os europeus, estuda todos os povos não europeus para chegar a conclusões. Ainda vou no início do livro, mas vou já apresentar algumas ideias (o que estiver a negrito é meu).
O autor dá uma enorme importância aos factores geográficos que condicionam (quase que diria que determinam) as hipóteses de sucesso de um povo criar uma civilização tecnologicamente avançada (leia-se: fortemente hierarquizada, com agricultura e criando máquinas). Outro factor que ele considera é o do tempo de colonização: um território povoado há mais tempo terá na teoria uma vantagem por ter um maior número de pessoas que possibilitarão mais inovações (só que isso só se aplica depois da descoberta/invenção da agricultura há cerca de 11.000 anos, anteriormente o uso da caça recolecção por todos os povos garantia uma certa igualdade de condições).
Examinando os continentes, a Austrália estava em clara desvantagem: tendo uma massa de território pequeno, ainda por cima a maioria é deserto, suportando uma população ínfima. A Africa estava em vantagem: possui uma maior massa e um povoamento muito anterior (sendo o berço da humanidade). Simplesmente o sul do sahara estava quase isolado dificultando a transmissão de inovações, e os vários acidentes geográficos (rios e florestas quase intransponíveis levavam a que quaisquer reinos que se fundassem não pudessem expandir-se muito ou entrar em contacto em sí, impedindo também a transmissão de conhecimentos).
A América tendo uma clara massa maior (mais do dobro) estava em vantagem devido à possibilidade da formação de várias civilizações. Nesse aspecto a eurásia é a que possui mais vantagens: a sua vastidão é tão grande (além de ainda estar em contacto com o norte de africa) que obrigatoriamente teria um maior número de pessoas. Possuía outra notável vantagem: em climas tão diferentes, tinha diferentes espécies de animais que poderiam ser domesticados quando fosse inventada a agriculta e que estando familiarizados com o homem fugiam-lhe para evitar ser caçados no paleolítico até que no neolítico o homem recorreu a eles aumentando a sua força de trabalho, (enquanto que na América e Oceânia, todos os animais de grande porte passíveis de domesticação foram rapidamente exterminados provavelmente pelos humanos assim que estes apareceram, dado que não conhecendo o homem não tinham técnicas de fuga); assim mal começou o neolítico, mesmo que diferentes continentes tivessem a agricultura, já existiam povos em clara vantagem em relação a outros (mesmo que isso não fosse visível de imediato).
Em seguida o autor estuda a Oceânia. Vemos como os povos polinésios (de origem comum, agricultores com alguma estratificação social) povoaram uma extensão de ilhas que se estendia por vários milhares de km. Tendo enfrentado meios muito diferentes, tiveram de se adaptar. Nas ilhas Chathan (sul da Nova-Zelândia) tendo um clima sub-artico tiveram de reverter para a caça-recolecção; tendo um povoamento muito esparso de poucas dezenas de pessoas por grupo, os moriori recorriam a negociações para resolver as disputas entre grupos. No outro extremo os maoris da nova-zelândia, tendo agricultura e uma sociedade fortemente hierarquizada usavam a guerra como meio de resolução de conflitos (e em 1830 uma frota de canoas maoris atacou e conquistou os morioris, liquidando a sua identidade como povo independente, actualmente apenas existem descendentes mistos). No Havai formaram-se mesmo pequenos impérios que se estendiam por ilhas a centenas de km umas das outras, tendo a maioria da população que se dedicava à agricultura intensiva, possuindo artesãos especializados, castas de sacerdotes, chefes e guerreiros hereditários, e construindo grandes monumentos funerários, o que os assemelhava aos impérios da antiguidade. Não possuíam a escrita (mas que se poderia ter vindo a desenvolver) e não tinham o acesso a metais (utilizando outros substitutos de pedra); simplesmente a tardia colonização e desenvolvimento desses estados na Oceânia (depois de 500) levou à sua fácil conquista pelos países da Europa que já tinham vários milhares de anos de avanço (a um ritmo bem mais lento).
Finalmente, é apresentada a conquista do México e do Peru pelos espanhóis: porque é que grupos constituídos por poucas centenas de homens conseguiram conquistar impérios tão vastos? A resposta aqui é mais tradicional. O Peru sofrera uma guerra civil, os aztecas estavam à espera de um deus, os espanhóis tinham armas muito mais avançadas (aço e cavalos). Mas outro factor é também importante: nenhum dos soberanos indígenas acreditava que pudessem ser derrotados por exércitos tão minúsculos, de modo que se apresentaram em pessoa perante os conquistadores; estes pelo contrário tinham na sua bagagem cultural histórias de pequenos exércitos que venciam hordas inumeráveis e arriscaram. Existia assim uma diferença do maior número de experiências e contactos entre povos diferentes que dava aos espanhóis um maior leque de soluções.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

quinta-feira, dezembro 21, 2006

A dança macabra




O comet’inganni
Se pensi che gl’anni
Non hann’da finire,
Bisogna morire

(Como estás enganado
Se pensas que os anos
Não vão terminar
É preciso morrer)

É com estas palavras que começa a canção “homo fugit velut umbra”, uma dança macabra anónima do séc. XVII.
Com todo o cortejo de desgraças que se deram no séc. XIV (epidemias, guerras, fomes), desenvolveu-se um intenso pessimismo. A dança da morte era uma alegoria que tratava da inevitabilidade da morte: fossem ricos, pobres, bons, maus, a todos no final ela estava reservada. Tendo diversas representações gráficas, as mais comuns era a de pessoas de todos os quadrantes da sociedade (jovens, belos, idosos, nobres, mendigos) a dançar numa roda com esqueletos.
As imagens aproveitavam para mostrar a futilidade da vida e do apego aos bens e glórias terrestres, devendo-se sobretudo obter bens espirituais (formando um maior contraste com a procura desesperada dos gozos terrenos de que as pessoas representadas pareciam tentar obter).
Eram pintados frescos, esculpidos relevos e compostas músicas com este tema.
Ao longo do séc. XVII e XVIII, este género artístico iria ser progressivamente esquecido, sendo recuperado por vários músicos no séc. XIX (uma das músicas mais famosas seria a de Camille Saint-Saens) e XX.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Filipe IV

Há alguns anos atrás li esta história que se passou no reinado de Filipe IV (III de Portugal). Todos já vimos filmes sobre piratas a assaltar barcos espanhóis, mas o que é menos conhecido, é que existia também corso do lado espanhol (sobretudo da Cantábria). Muitos católicos da Holanda fugiam para os países baixos espanhóis e colocavam-se ao serviço dos reis espanhóis. Foi o caso de um jovem que se alistou como simples grumete. Com o passar dos anos foi sendo promovido até comandar uma pequena frota que fazia a vida negra aos seus ex-compatriotas. Ora depois de uma infeliz expedição (apanhou mau tempo e acabou aprisionado, a Coroa espanhola foi imediatamente resgata-lo pagando por ele e pelos seus marinheiros uma pequena fortuna (com os protestos dos negociantes holandeses que queriam que as suas autoridades os deixassem apodrecer nas prisões), tal era a importância estratégica que lhe era reconhecida. Uns anos depois esse marinheiro foi a Espanha numa missão. Filipe IV mandou imediatamente que ele fosse à corte pois queria conhece-lo: ele tinha uma enorme admiração por esses marinheiros que o serviam e levavam vidas aventureiras. Quis dar-lhe uma das ordens (creio que era a de Santiago), e perante os protestos das comissões que diziam que não havia possibilidade de comprovar a sua pureza de sangue (eram necessários papéis comprovativos vindos da Holanda, o que era impossível dado o estado de guerra), Filipe IV arranjou uma série de testemunhas abonatórias da pureza da fé do velho marinheiro, tendo-lhe depois arranjado um lugar num conselho consultivo sobre os assuntos da Flandres (isto tudo com o apoio do Duque de Olivares que queria misturar ao máximo as populações das várias partes do império para aumentar a sua solidariedade e diminuir o seu nacionalismo).

terça-feira, dezembro 05, 2006

Toyotomi Hideyoshi (1536-1598)

É um dos mais notáveis japoneses da história do Japão. No século XVI, o Japão estava dividido entre diferentes senhores feudais (os daymios) que lutavam pelo controlo de províncias. Toyotomi, era filho de camponeses o que lhe limitava as possibilidades de ascensão; prestou serviço militar como soldado, acabou por se juntar ao clã Oda como criado (era apertador de sandálias). Oda Nobunaga que era o chefe do clã, notou as suas capacidades de se desenvencilhar e começou a ouvir os seus conselhos e a dar-lhe missões, até Toyotomi se tornar general. As suas origens camponesas deram-lhe uma enorme popularidade no meio dos ashigarus (soldados de origem popular, que formavam a maioria dos exércitos por oposição ao samurais). Com o assassinato do seu protector, Toyotomi apressou-se a enfrentar o seu assassínio de modo a reivindicar a sucessão dos numerosos aliados dos Oda (que continuaram a existir, se bem que diminuindo o seu poder); depois de um breve confronto com os Tokugawa os seus maiores rivais, estes aceitaram reconhecer a sua autoridade, e tornou-se com mais um par de campanhas o líder do Japão. Não pôde tornar-se Shogun (dadas as suas humildes origens). Lançou 2 expedições contra a Coreia, que correram bem a principio; a posterior intervenção chinesa, juntamente com o mau tempo e dificuldades de abastecimento acabou por levar à retirada das tropas nipónicas (onde é que eu já li isto?). Proibiu a posse de armas por camponeses (o que é irónico) e tornou hereditárias as profissões, eliminando qualquer possibilidade de ascensão social (ainda mais irónico). Toyotomi que não tivera filhos, estabelecera um sobrinho como herdeiro, mas assim que lhe nasceu um filho, eliminou o sobrinho; morrendo Toyotomi e sendo o seu filho bebé, a guerra civil rapidamente rebentou, vencendo os Tokugawa (que acabaram por dar ao seu filho mais tarde o mesmo destino que Toyotomi dera ao seu sobrinho).

segunda-feira, novembro 20, 2006

Queixas

Quando no séc. XVII os Tokugawa no Japão restabeleceram a ordem no país, mantiveram a ordem feudal. Ora se uma aldeia (ou conjunto de aldeias) considerasse que estava a ser mal gerida (vulgo, o senhor lançava tantos impostos que eles estavam a morrer à fome, sem haver razões válidas, ou desbaratava o dinheiro dos impostos), ela poderia apelar ao xogun (supremo governante, dado que o imperador era meramente simbólico). Se se considerasse que eles não tinham razão, estariam à merce do seu senhor que os castigaria. Se o xogun lhes desse razão, este interviria, obrigando o senhor a reduzir as taxas, e provocando-lhe uma enorme humilhação (dado que era assumir que era incompetente, o que no Japão é terrível). Até agora parece tudo normal; só que por uma questão de principio, os enviados dos camponeses seriam executados no final de tudo por terem ousado reclamar contra a ordem estabelecida (mesmo que lhes fosse dado razão, e o seu senhor castigado). Deste modo assegurava-se que apenas em situação extrema os camponeses reclamassem.

terça-feira, novembro 07, 2006

Pedro Hispano

Foi o nosso único Papa (João XXI de 1276-1277), e é sobretudo conhecido por lhe ter caído um tecto em cima. Os seus primeiros estudos foram efectuados em Portugal, mas depois partiu para França para prosseguir os estudos universitários (ainda não existia a Universidade de Lisboa/Coimbra). Escreveu imensos livros (que resumiam outros), sendo o mais famoso um resumo da lógica aristotélica (basicamente procurava através de mnemónicas e outros métodos facilitar esse estudo) que seria usado durante séculos; não era assim propriamente um pensador mas mais um divulgador. No entanto, na área da medicina foi um pouco mais arrojado, pretendendo que se efectuasse um estudo prático.
Eleito Papa, dedicou-se a tentar uma reconciliação com Bizâncio, e lançar uma nova cruzada; com a sua morte ficou tudo na mesma. Existe um excelente resumo da sua vida (o que é adequado afinal), numa obra de António José Saraiva “O crepúsculo da Idade Média em Portugal”.

sexta-feira, novembro 03, 2006

O fim dos carolíngios

O problema das partilhas foi a origem de tudo. Cada vez que um soberano morria, dividia o seu território em partes mais ou menos iguais pelos filhos. A principio tinham sido criados 3 reinos (dos quais um tinha a dignidade imperial), e se esses reinos se mantiveram, os reis atribuíam a dignidade de rei (ou imperador se fosse o caso) a um dos filhos, mas dividiam o território por todos os filhos, mesmo que bastardos. Isso significava uma fragmentação dos territórios outrora enormes. Como os diversos soberanos entravam em guerra permanente, tinham de comprar o apoio dos nobres tendo de conceder territórios pessoais (isso não se passara com os primeiros carolíngios que estando em expansão atribuíam parte do território conquistado e ficavam com outra parte), já de si reduzido ou concedendo-lhes maiores privilégios. Isto porque os nobres tinham os seus feudos espalhados pelos reinos o que significava que teriam de servir os diversos soberanos ao mesmo tempo e a fidelidade era comprada por quem pagava mais. Ao fim de algumas gerações (e apesar de algumas guerras bem sucedidas ou a morte de parentes com grandes feudos, que permitia uma leve concentração de territórios) de fragmentação, aliados aos problemas externos a que não davam resposta (por estarem muito ocupados a combater-se), famílias que não pertenciam à dinastia (ou pelo menos não tinham o nome) começaram a tentar usurpar as coroas; mesmo as assembleias de nobres acabaram por atribuir os tronos vacantes a outros dinastas.

quinta-feira, novembro 02, 2006

A mulher do Baixo-Império à alta idade média-II

As invasões bárbaras modificaram este panorama. Os vários povos germânicos assim que puderam compilaram códigos de leis, e dada a escassez das fontes, temos de utiliza-las. Estes calculavam o valor de uma pessoa, conforme uma série de critérios: estatuto social, idade, virgindade no caso das mulheres. Um homem que matasse uma idosa, pagava uma multa pequena à família, um pouco maior se fosse uma criança, e uma pequena fortuna se fosse em idade núbil. Se violasse uma mulher virgem (leia-se, a viver em casa dos pais) teria de casar com ela e pagar uma importante quantia aos pais (sendo castrado se não tivesse os recursos). A mulher era assim vista como propriedade da família (primeiro do pai, depois do marido). Ora se durante os primeiros séculos, estes reinos bárbaros utilizavam o divórcio sem grandes problemas, a Igreja foi progressivamente impondo a ideia da indissolubilidade do matrimónio. Nada mais fácil de resolver: no caso de uma mulher idosa, quem tivesse um mínimo de bens, só tinha de matar a mulher e pagar a multa que não era grande coisa. Para colmatar isso, a Igreja criou pesadas penas espirituais para expiação desse pecado (jejuns e penitências prolongadas durante anos), de modo a não se tornar atractivo esse método. Com o tempo (e a progressiva cristianização da sociedade por volta do séc. X), acabou por conseguir banir o divórcio de forma legal. No entanto, mediante umas contorções, este sobreviveu como um privilégio dos membros da realeza, embora com outra designação, o de anulação, o que significa que o casamento tinha um impeditivo à priori que o tornava nulo (como o parentesco próximo), embora na esmagadora maioria das vezes, o motivo real era político (conhecendo as pessoas já anteriormente esse parentesco, estou a falar de parentesco em 5 ou 6 grau). Durante estes séculos, vemos diversas mulheres que assumiram um papel importante: a mulher de Clóvis para a sua conversão, Fredegonda e Brunhilda na direcção dos respectivos reinos francos, tendo os maridos, filhos e netos na sombra, Amalasunth no reino Ostrogodo. Mas isso nada nos diz sobre as condições das mulheres comuns. A Igreja por um lado, tinha uma visão muito negativa da mulher (via-a como a encarnação de Eva, fonte de tentação e pecado, estando ainda longe dos tempos do culto Mariano e de tudo o que isso implicou), mas a estrita ortodoxia nunca lhe negou a existência da alma, ou a possibilidade de salvação juntamente com o homem. E embora desvalorizando o sexo e negando-lhe valor por sí (servia unicamente para a baixa tarefa da reprodução e nunca para ter prazer), legitimou o sexo dentro do contexto do casamento (contra certas tendências que o pretendiam ver como pecado em qualquer ocasião). Mas como já disse, toda essa visão da mulher afectava unicamente os teólogos, dado que o resto da humanidade continuava a viver a sua vida tranquila (e a bem dizer, boa parte do resto do clero também).

sexta-feira, outubro 27, 2006

A mulher do baixo-império à alta idade média-I

Este período (que vai do séc. IV até ao século IX), tem a desvantagem de estar muito mal documentado. Existem leis (normalmente copiadas de períodos anteriores), anedotas e caso pitorescos, mas pouca informação fidedigna.
O ambiente do baixo-império era muito mais conservador do que no Principado; na classe aristocrática, não se viam homens/mulheres a divorciarem-se 4 ou 5 vezes. Mas este não era proibido e continuava a existir.
Temos exemplos de mulheres independentes e mesmo de intelectuais (Hipatia é o caso mais célebre). Existem alguns casos de mulheres que tem negócios, mas representam uma minoria; a maioria dependia (nem que fosse por razões económicas) de um homem.
Quanto ao casamento, continuava-se a seguir o modelo romano (a igreja embora tendo uma visão muito clara sobre o que se devia fazer, não conseguia impor-se o seu modelo de casamento, pois o direito romano seguia uma tradição própria e a sociedade ainda não estava cristianizada em profundidade, ainda por cima, boa parte da elite continuava pagã), tornando a mulher uma menor sob tutela do marido, mas obtendo a emancipação caso estivesse divorciada e com bens próprios.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Uma tentativa de futur-história

A espécie humana pode vir a dividir-se em duas.

Uma notícia interessante

Edição portuguesa divulga documento secreto sobre os Templários
Reavaliar a condenação dos templários


Os cavaleiros templários, acusados de blasfémia e heresia, foram declarados inocentes no início do século XIV, segundo um documento secreto do Vaticano que vai ser divulgado integralmente esta semana, pela primeira vez, por investigadores portugueses.
O documento faz parte do livro «O perdão dos Templários», da editora Zéfiro, que inclui também textos de vários especialistas nesta área, nomeadamente Eduardo Amarante, José Medeiros, Luís-Carlos Silva, Pinharanda Gomes, Rainer Daehnhardt e Sérgio Sousa-Rodrigues. Trata-se de um documento descoberto em 2002 no Arquivo Secreto do Vaticano por uma investigadora italiana, Barbara Frale, e assinado, entre outros, pelo cardeal Berenguer, legado do Papa. “É a primeira vez que ele é totalmente transcrito do latim medieval e traduzido para português”, realçou à Lusa Alexandre Gabriel, editor da Zéfiro.
A tradução e transcrição do documento em latim, conhecido como «Pergaminho de Chinon», são de Filipa Roldão e Joana Serafim. Segundo Alexandre Gabriel, esta edição “reveste-se de grande importância, obrigando a uma reavaliação e revisão do processo de condenação dos cavaleiros templários” que levou à extinção da ordem religiosa e militar em 1312 pelo Papa Clemente V.
O referido documento, que considera os monges-cavaleiros “inocentes” das acusações de blasfémia e heresia, foi lavrado em 1308, um ano depois do início do processo templário.

Títulos da mesma temática
Esta obra surge nos escaparates livreiros esta semana, quando são também publicados outros títulos sobre a mesma temática. «A regra secreta dos Templários - O livro do baptismo de fogo» transcreve e traduz para português, pela primeira vez, um documento encontrado em 1780 na Biblioteca Corsini dos Arquivos do Vaticano pelo bispo de Copenhaga, Friedrich Münter. Este livro tem também textos complementares, nomeadamente uma introdução de José Medeiros, e um comentário de Carlos Raitzin sobre os aspectos históricos e místicos da Ordem do Templo.
Do investigador Eduardo Amarante, que colabora em «O perdão dos Templários», é editado o primeiro volume de «Templários - De milícia cristã a sociedade secreta». Um outro título, «A grande aventura dos Templários - Da origem ao fim», do professor francês Alain Demurgerm, será lançado pela Esfera dos Livros. O livro, com 679 páginas, traça o percurso da Ordem religiosa e militar fundada por sete cavaleiros em 1120, que se albergaram nas caves do templo de Salomão, em Jerusalém. Em 1307 por iniciativa do Rei de França, Filipe, o Belo, é movido um processo contra os Templários, acusando-os de vários crimes contra a Igreja e Fé católicas.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Luís V

Ironicamente foi em França, o berço da dinastia (em Itália e na Alemanha já tinham perdido os tronos) que viu morrer o último soberano carolingio, Luís V. Reinou de 986 a 987 (morreu com 20 anos). Ficou assim conhecido como um rei que pouco fez. Incompatibilizou-se com o clero, e quando morreu, a assembleia de nobres que deveria ter eleito um tio, decidiu por influência de vários eclesiásticos, eleger o conde de Paris, Hugo Capeto, que fundou uma nova dinastia (só por curiosidade: Hugo Capeto graças ao sistema de casamentos entre famílias nobres era também descendente de Carlos Magno por via feminina, embora tivesse outro nome de família). Alguns carolingios como tal continuaram a existir com pequenos feudos por mais algum tempo, mas extinguiram-se, só se mantendo as famílias descendentes por via feminina.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Santuário de Panóias

Fiz algumas viagens recentemente e aproveitei para visitar algum património nacional. Vi vários monumentos de interesse, mas aquele que mais me entusiasmou foi o Santuário de Panóias.
Este interessantíssimo monumento foi mandado construir no século II d.C. pelo senador de Roma, Gaio Calpúrnio Rufino, e dedicado aos deuses infernais, nomeadamente Serápis, um deus dos infernos surgido em Alexandria, fruto da necessidade de conciliar os panteões grego e egípcio.
Além de ser um local belíssimo e com vestígios ainda bastante perfeitos, o santuário tem a particularidade, única no mundo, de ter em cada local do santuário indicações escritas que descrevem com algum pormenor cada passo do ritual.
Assim, havia uma primeira estação, aberta a todos os cultos, onde os animais eram mortos, o seu sangue recolhido e assado e as vísceras incineradas. Sucedia-se uma segunda estação, com a indicação que era dedicada aos deuses severos (infernais), e uma terceira, dedicada aos deuses dos Lapitae, supostamente os deuses dos povos indígenas da região. Sucedia-se então a fase em que a carne era assada e comida pelo sacerdote que presidia à cerimónia. Na última fase, haveria uma espécie de representação ritual da morte e ressurreição.
Louve-se ainda que o acesso é muito barato (1,5 euros por pessoa) com direito a um vídeo ilustrativo e a uma visita guiada muito bem feita.

Já agora, quero referir que, segundo o guia que nos levou na visita, o local tem uma média de 15 visitantes por dia, dos quais 6 a 7 são espanhóis. Isto porque grande parte dos estudos arqueológicos e da divulgação turística do local são feitas no nosso país vizinho. Em Portugal, o local teve direito a menção no Expresso há dois anos e pouco mais. Triste, mas típico.

Se não puderem visitar, recomendo a consulta desta página.

quinta-feira, outubro 12, 2006

O Corão

Nos últimos tempos dediquei-me à leitura do Corão. Li metade e desisti.
Na tradição, o Corão é apresentado como sendo as palavras de Alá, ditadas a Maomé pelo Anjo Gabriel (610). Sendo analfabeto, Maomé teria contado aos seus companheiros as revelações que teriam sido passadas a escrito. O problema é que esses escritos circulavam mais ou menos livremente, sem se procurarem juntar num livro. Depois da morte de Maomé, o primeiro califa encarregou Zaid (que fora escravo e depois uma espécie de secretário de Maomé) de reunir todos os escritos e ditos do profeta que eram transmitidos oralmente pelos seus antigos companheiros (o critério de selecção, era um verso estar escrito ou ser recordado por duas pessoas). Só que outros antigos companheiros tinham tido a mesma ideia, e fizeram a sua própria compilação, o que começou a provocar confusão. Um novo califa ordenou então que se fizesse uma nova compilação e esse Corão seria o definitivo, devendo todas as versões anteriores serem destruídas. Mesmo assim o mais antigo exemplar completo que resta é do séc. X (o tempo é pouco amável para os materiais perecíveis).
A versão que li é escrita em francês e tem um excelente estudo crítico, com uma boa introdução e numerosas notas de rodapé que explicam o sentido do texto (muitas vezes obscuro para quem não foi educado no Islão). Na introdução é apresentada a sociedade árabe pré-islâmica. Vemos o estado miserável em que as mulheres eram tratadas (o divorcio por parte dos homens era feito sem quaisquer restrições, o assassínio dos bebés do sexo feminino também). O álcool e jogo eram considerados como problemas sérios da sociedade.
O Corão tem 2 influências: a Bíblia (são constantemente referidos episódios, mesmo que tenham por vezes pequenas variantes, o que não é de admirar, dado que Maomé se apresenta como um sucessor de Abraão, Moisés e Jesus) e a literatura árabe pré-islâmica (a cultura onde Maomé foi educado).
O Corão é constituído por “suras” (capítulos). A sua organização parece ser relacionada com o período em que os ditos foram pronunciados (se no exílio em Medina, se em Meca, etc), dado que por vezes fazem referência (mesmo que de forma indirecta) a acontecimentos reais. Os seus temas são muito variados desde coisas genéricas (a bondade de Alá, a necessidade de creditar nele de forma sincera e não apenas para salvar as aparências) a aspectos práticos do dia-a-dia (em que condições se pode divorciar um homem). Existem por vezes aspectos contraditórios; os estudiosos consideram que nesses casos, um verso mais recente anula o valor do anterior.
A minha opinião pessoal: achei a leitura extremamente aborrecida. O Corão é poético e eu não sou apreciador de poesia (detestei ler o livro dos salmos, assim como os vários livros de profetas no Antigo Testamento), É uma questão de gosto pessoal. Também a constante repetição de temas (dada a génese que teve é normal) aborrece-me. Os temas também não são particularmente aliciantes (referências do que se deve fazer para agradar a Alá, e aspectos jurídicos que podemos considerar reguladores da sociedade).
Isto quanto à forma. Quanto ao conteúdo. Apresenta normas que devem ser aplicas à sociedade (de modo semelhante ao do Antigo Testamento. Simplesmente, enquanto que as normas do AT são obrigatórias, sem apelo nem agravo, as do Corão apelam sempre ao perdão e reconciliação por parte do ofendido. Um marido pode legalmente divorciar-se da esposa (se forem cumpridas uma série de requisitos), mas era melhor que ele não o fizesse. Comparando com o Novo Testamento, este tem uma moral mais elevada e difícil de aplicar como o perdão das ofensas (mas o NT não procura legislar sobre uma sociedade, mas apresentar uma moral para pessoas que se consideravam diferentes da sociedade que os rodeiava). O Corão é extremamente flexível, podendo adaptar-se a imensas situações, mas dependendo da interpretação de quem o lê. E a ausência de uma autoridade suprema (de um califa) que sirva de guia, significa que qualquer estudioso qualificado pode dar a interpretação que bem entender e ser válido.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Colonização da terra

Este site mostra o modo como a terra foi colonizada pela nossa espécie de acordo com os conhecimentos actuais.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Morte de Pirro

Pirro ficou conhecido pelo termo "vitória pírrica". Notável foi a sua morte. Depois de diversas campanhas invadiu a cidade de Argos. Num combate corpo-a-corpo já dentro da cidade (pois Pirro combatia com as suas tropas, não se limitava a comandar), estava quase a matar um soldado adversário, quando a mãe deste que estava no alto da casa a ver o combate, ficou aflita ao ver que o seu filho ia ser morto e atirou uma telha a Pirro, que lhe quebrou o cranio. Assim morria o grande general.

quinta-feira, setembro 28, 2006

Childerico III

Foi o último soberano merovíngio, e “reinou” de 743 a 751. De facto, há cerca de um século que o governo do reino estava nas mãos dos mordomos do palácio. Estes, oriundos da alta nobreza, passavam parte do tempo em conflito com outros nobres que não acatavam as suas ordens, a enfrentar ameaças exteriores e os rivais de outros territórios da França (cada vez que um soberano morria, os seus territórios eram divididos pelos filhos, criando uma corte em duplicado incluindo mordomos do palácio). Os reis por uma sucessão de incompetentes, reis menores e divisão constante do reino tinham ficado reduzidos a um mero papel de reis fantoches. Pepino o breve, o mordomo do palácio decidiu às tantas que era inútil manter a ficção dos reis merovingios e foi coroado rei com a aprovação do Papa. Mas o cerimonial era muito diferente: os merovingios sempre tinham sido soberanos por direito próprio, sendo aclamados pelos guerreiros em cima de um escudo. Para ser legitimizado, Pepino o breve decidiu recorrer a outra autoridade, a da Igreja, tornando-o mais legítimo do que os merovingios (para efeitos de propaganda, dado que o poder já estava nas suas mãos). Childerico foi enviado para um convento com o seu filho, sem outras consequências.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Kagemusha




Mais um filme do Akira Kurosawa. Este baseia-se em factos reais. Um senhor da guerra (Takeda Shinzen) recebe um indivíduo (um ladrão que ia ser executado) que é extremamente parecido consigo e decide usálo como Kagemusha (duplo). Quando Shinzen morre, os seus generais decidem manter a ficção de que o líder do clã está vivo. O filho fica pouco satisfeito mas tolera a situação. O duplo tem de se portar como um grande senhor, assistir a peças de teatro No, banquetes, reuniões familiares e conselhos de guerra, mantendo a ficção. Por fim acaba por ser desmascarado. O filho de Shinzen toma as rédeas do clã e lança-se num ataque contra os seus principais adversário Tokugawa e Oda Nobunaga que estão cercados numa fortaleza, contra o conselho dos generais do seu pai. A famosa cavalaria Takeda lança-se num ataque contra tropas inferiores em número. Só que estas entrincheiraram-se e estão a utilizar arcabuzes de forma coordenada (uma fila dispara, sendo substituídos imediatamente por outra fila e assim sucessivamente, até que finalmente o primeiro grupo já recarregou a arma e dispara novamente, mantendo um tiro contínuo): o resultado é que a cavalaria que ataca por secções é completamente aniquilada (e vemos o resultado da carnificna). O Kagemusha lança-se num ataque sozinho, é ferido e dirige-se para o estandarte Takeda que se está a afundar num curso de água, morrendo aí, simbolicamente com o destino do clã.
No mundo real, o clã aguentou-se alguns anos à batalha de Nagashimo, mas perdidas as melhores tropas e generais foi o alvo do ataque dos inimigos e viu os vassalos revoltar-se, acabando por desaparecer como força real. Só acabou por sobreviver um filho de Takeda Shinzen que se colocou ao serviço de Tokugawa.
Uma última ironia: se na batalha, o exercito Takeda se tivesse limitado a esperar e a cercar os seus adversários, dada a pequena quantidade de abastecimentos que as tropas cercadas tinham, era provável que as tropas fossem vencidas (quando a capturar Tokugawa e Oda era outra história), e era esse o conselho dado pelos generais, mas o filho de Shinzen queria vencer numa batalha espectacular.

terça-feira, setembro 19, 2006

O império Holandês-V

Ora se as províncias unidas em meados do séc. XVII pareciam ter um ímpeto a que nada detinha (eram a maior potência naval, arrebatavam as colónias portuguesas umas a seguir às outras, detinham uma fatia considerável do comércio com o oriente), meio século depois eram claramente uma potência de 2ª ordem, muito abaixo dos 3 grandes (Espanha, Portugal e a crescente Inglaterra). Como é que sucedeu isso?
O controle e a responsabilidade do império recaía sobre 2 províncias, a Holanda e a Zelândia (especificamente, as respectivas companhia); as restantes dedicavam-se sobretudo à agricultura e artesanato, recusando-se a contribuir com impostos, barcos e dinheiro para algo que elas não consideravam que lhes dizia respeito (de forma indirecta, investindo nas companhias); mesmo sendo as duas províncias mais ricas, isso significava um esforço desmesurado para a força dessas 2 províncias que tinham de competir com nações que tinham mais população do que as 2 acrescidas das 5 que não contribuíam. Pelo contrário, nos países ibéricos (e na Inglaterra e França), os impostos eram comuns e toda a gente contribuía para a defesa do império.
As guerras contra a França na metrópole desviaram-lhe recursos e as 2 guerras contra a Inglaterra provocaram-lhe terríveis perdas na marinha. A manutenção de territórios coloniais implicava custos permanentes que não existiam quando apenas comerciava e assaltava outras potências: funcionários, barcos de patrulha, guarnições. A perda dos territórios conquistados aos portugueses implicava que os enormes investimentos feitos pelas companhias não tinham tido retorno. Pior, enquanto que os outros países só tinham de levantar mais impostos e estavam dispostos a enormes sacrifícios (dado que estava também envolvido uma questão de prestígio e não apenas lucro), as companhias demoraram algum tempo até começar a receber apoios oficiais e não podiam arriscar-se a defender os territórios como se fosse a sua tábua de salvação: se a coisa corria mal, as companhias abandonavam os territórios. Finalmente, o recrutamento condicionava os combates. Se os Holandeses tinham melhor logística, organização e disciplina, os seus soldados sendo mercenários não lutavam com uma convicção por aí além. Um par de derrotas ou o espectro da fome e rendiam-se imediatamente. Além de que os alemães, franceses e nórdicos (que representavam metade ou mais dos soldados) muitas vezes luteranos e por isso desprezados detestavam quase tanto os seus chefes que acusavam de mesquinhez como aos adversários. Os ibéricos eram indisciplinados mas lutavam mesmo em situação de grande inferioridade numérica; em cercos aguentavam a fome e tinham um enorme ódio aos holandeses por razões religiosas. Dado que se tinham estabelecido numerosos colonos, além das guarnições toda a população masculina podia pegar em armas dando um reforço importante e podiam muitas vezes recorrer aos indígenas que tinham sido convertidos e assimilados pelos missionários (e muitas vezes ao fim de pouco tempo, podiam recorrer aos indígenas não assimilados assim que estes viam que os holandeses não representavam grande alteração de domínio). Em campanhas prolongadas acabavam por levar a melhor.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Desenhos animados

Esta semana chamou-me à atenção uma série de desenhos animados que dá no canal 2: Era uma vez os inventores (é dos mesmo produtores e com as mesmas personagens do Era uma vez…o Homem). O episódio era sobre Henrique o navegador (e acessoriamente Portugal). Lá descrevia como Henrique decidia atacar Ceuta sozinho (errado, o rei e vários príncipes também foram). Depois mostra-o a financiar a construção de um novo modelo de barco para viajar no atlântico, a caravela) e depois patrocinar as expedições na costa africana apesar das superstições da época que diziam que não se podia navegar (na realidade foi o Infante D. Pedro o apoiante das descobertas, D. Henrique preferia as conquistas). O episódio termina com a passagem do cabo da boa esperança como resultado da visão de D. Henrique. Enfim, embora contenha erros, e siga sobretudo a historiografia tradicional (que ainda se ensina nas escolas secundárias portuguesas, embora já se tenha outra visão nas faculdades), vale mais do que imensas aulas chatas em que os miúdos nada aprendem.
Entretanto um pormenor curioso: a minha mulher ficou muito surpreendida de que para Ceuta tivesse ido o Rei D. João I, o príncipe herdeiro D. Duarte, vários outros infantes (creio que só ficou em Portugal o príncipe D. Fernando por ser muito novo), o topo da nobreza, D. Nuno Alvares Pereira, o melhor do nosso exército (15000 homens). Ela perguntou-me se isso não tinha sido muito arriscado (poderia ter corrido mal ou haver uma tempestade, em que eles morressem). Pois podia, o que significa que a famosa planificação da empresa, os motivos económicos racionais e outros afins (de que nos enchem a cabeça na escola) se limitava a uma expedição de cavaleiros na esperança de que tudo corresse bem (pilhar e ir embora); se tivesse corrido mal, tínhamos tido outro Alcácer Quibir 200 anos antes. Planear na idade média não era o mesmo que agora.

terça-feira, setembro 12, 2006

O império Holandês-IV

Mas outras colónias se estabeleceram. Uma delas foi na América do Norte, chamando-se Nova Amesterdão. Depois de vários conflitos, os países baixos cederam a colónia aos ingleses (1664) que lhe chamaram Nova York; os colonos holandeses ainda conseguiram aguentar a sua identidade (língua e religião) por um século (até meados de XVIII), sendo absorvidos pelos americanos.
No Brasil, a ocupação foi também de curta duração: os colonos portugueses com uma ajuda mínima da metrópole acabaram por expulsar o invasor (neste caso existia a questão da população portuguesa ser maioritária e ter uma diferença religiosa que impedia qualquer assimilação).
Várias ilhas foram conquistadas (às vezes nem isso por não terem ninguém) aos espanhóis nas Caraíbas, mas acabaram por se perder (serviam habitualmente de ponto de partida para actos de pirataria)
A colónia de Suriname representa uma excepção: tendo-se mantido o domínio político até ao século XX, a influência cultural holandesa foi mínima. Apesar da imensa diversidade actualmente de populações, no séc. XVII a população consistia em negros (escravos nas plantações), judeus (comerciantes portugueses fugidos) e alguns brancos (holandeses funcionários e soldados).
No hemisfério oriental, a coisa correu melhor. Se Angola teve o mesmo destino do Brasil, em compensação o Ceilão, Malaca e a Indonésia foram arrancados definitivamente aos portugueses (mas só esta se aguentou nas mãos holandesas).
É curioso é observar a colonização no oriente. Quem partia para o oriente (quer fossem funcionários, marinheiros ou soldados) só sonhava com uma coisa: enriquecer e voltar para a sua terra. Comos os contratos eram de curta duração (4 ou 5 anos) Os marinheiros normalmente gastavam o dinheiro todo em prostitutas quando voltavam e depois tornavam a embarcar. Alguns dos soldados e funcionários estabeleciam-se, mas o monopólio da companhia reduzia-lhes a possibilidade de enriquecer (apesar de alguma legislação em vigor nesse sentido). Os que se tornavam plantadores/grandes comerciantes, esses sim estabeleciam-se lá. O problema era com quem casar. As únicas holandesas que emigravam (para além das que eram casadas com alguém que partia para lá) eram prostitutas, o que as excluía dos estratos superiores. Existia um enorme preconceito contra as muçulmanas (dizia-se que envenenavam os maridos e filhos), as Hindus das castas superiores recusavam-se a casar com cristãos (as das classes inferiores aceitavam, mas aí eram os holandeses que não aceitavam casar com elas). Restavam as portuguesas (leia-se: descendentes de portugueses com indígenas mas que culturalmente eram consideradas portuguesas, mesmo que o seu aspecto não o fosse), que tinham a vantagem de fazer parte do estrato superior da sociedade. Ora os pregadores rapidamente protestaram contra isso: além de as considerar preguiçosas e arrogantes, tinham a desvantagem de ser católicas (e de educar os filhos assim, além de acabar por converter os maridos que eram habitualmente indiferentes à religião). O pior de tudo, é que estando a educação das crianças a cargo das mães, os filhos cresciam a falar português, crioulo e/ou línguas indígenas e nem uma palavra de holandês. Tinham de ser contratados tutores para ensinar a língua o que liquidava qualquer possibilidade de expansão a língua, dado que esta se limitava a ser usada pelos funcionários vindos da Holanda (mesmo os colonos de pequena categoria acabavam por abandonar a sua língua).

sexta-feira, setembro 08, 2006

Griko

Aprende-se no 7º ano que os gregos colonizaram vários territórios e um deles foi o sul da Itália a que se chamou Magna Grécia (nome curioso dado que é latino) e parte da Sicília. Mas que foi feito dessas colónias? Caídas sob o domínio romano, tornaram-se bons aliados; nas guerras sociais do séc. I AC, mantiveram-se fieis a Roma e obtiveram a cidadania romana. O romance Satyricon (supostamente passado no reinado de Nero) desenrola-se no sul da Itália com personagens gregas, e assim se manteve o sul de Itália por mais algum tempo. Quando Bizâncio conquista o sul de Itália (no séc. VI), existem ainda cidades de língua grega, que se manterão assim pelo menos até ao séc. XI (enquanto se manteve o domínio bizantino). Mas por um processo mal conhecido, o sul fora-se latinizando progressivamente (provavelmente tendo começado com os romanos e prolongando-se com os diferentes conquistadores que guerreavam bizâncio e adoptavam a língua latina), de modo que mesmo Nápoles a outrora maior cidade grega, já falava um romance no séc. X. Perdido todo o contacto com a Grécia, as cidades latinizam-se, e os grego fica reduzido a algumas comunidades isoladas no campo. Quando chegamos ao séc. XX, ainda são algumas dezenas de milhar, mas o êxodo rural e a emigração para a América liquidam essas comunidades: restam actualmente menos de 2000 falantes, todos idosos (os jovens aprendem italiano, que lhes facilita arranjar trabalho). Assiste-se actualmente a um certo despertar de interesse pela língua e cultura, aparecendo grupos etnográficos que tocam músicas tradicionais e ensinam a língua.
Os antigos colonos que se estabeleceram eram jónicos e dóricos; o griko (ou melhor, os vários dialectos), manteve muitos arcaísmos e embora tenha evoluído de forma autónoma ao grego da Grécia, recebeu também influências do grego do período bizantino e de termos latinos. Um grego que eu conheço diz que com muito esforço consegue-se compreender o que eles dizem, e que não é muito pior do que ouvir um grego pôntico (nem sabia que ainda existiam) ou de certos gregos de zonas isoladas do interior que falam dialectos dóricos.

terça-feira, setembro 05, 2006

O Império Holandês-III

Para tentar diminuir a mortalidade nas viagens para oriente, a Companhia das Índias Orientais decidiu criar um entreposto no cabo da Boa esperança. O local parecia adequado: não existiam indígenas em número significativo (apenas Hottentots e pigmeus que viviam respectivamente da pastorícia e da recolecção), e o clima era mais semelhante ao da europa. O entreposto deveria fornecer alimentos frescos para os navios que passavam e permitir-lhes repousar algum tempo. Simplesmente para isso era preciso que existisse um grande número de colonos (já que a companhia não queria escravizar os indígenas) para produzir a quantidade de alimentos necessários para o elevado número de barcos que passava; não querendo a companhia gastar muito dinheiro no que deveria apenas ser um entreposto, só no último quartel do séc. XVII é que se enviou gente para criar uma colónia. Mas aí existia outro problema: a companhia exigia que os agricultores vendessem os seus produtos exclusivamente aos seus barcos a preços mais reduzidos; ora como os outros barcos de outros países aí paravam, os agricultores preferiam vender os seus produtos aos estrangeiros a preços muito mais elevados, criando um problema que nunca ficaria resolvido. Se o núcleo duro de colonos era constituído por naturais da província da Holanda, outros europeus seriam integrados (huguenotes franceses, alemães e escandinavos), acrescido de alguns escravos malaios e indígenas. Os funcionários chamavam aos colonos “boers” (camponeses) mesmo que estes se dedicassem a outras actividades. Lentamente eles foram cultivando áreas maiores e afastando-se da (relativa) vida urbana colónia do cabo para o interior
A companhia enviava funcionários sempre oriundos da metrópole, discriminando os colonos; o relacionamento entre ambos que nunca fora muito bom foi piorando; embora não houvesse conflito aberto, os colonos não esboçaram qualquer resistência quando passaram para o domínio britânico.
As queixas contra os colonos eram sempre as mesmas: eram bêbados, devassos tomando escravas e indígenas como amantes (alguns desses descendentes acabaram por ser absorvidos na população branca e outros formaram uma população mista), preguiçosos, indiferentes à religião e incultos. Os colonos brancos começaram a ser chamados (por si e pelos da metrópole) Afrikander para se distinguirem dos brancos da metrópole.
Curiosamente a língua holandesa falada pelos colonos modificou-se. O contacto com numerosos povos levou a que a língua se fosse simplificando gramaticalmente (ao mesmo tempo que se enriquecia do ponto de vista de vocabulário pelos imensos povos da zona) tornando-se diferente da língua mãe e uma língua própria (de notar que os habitantes dos países baixos e da Africa do sul conseguem compreender-se com algum esforço).

sexta-feira, setembro 01, 2006

O Império Holandês-II

A nível religioso, os países baixos tinham uma situação complexa. Os mercadores, os artesãos e parte da população trabalhadora das cidades da Holanda e Zelândia eram calvinistas, mas a pequena nobreza das restantes províncias e os camponeses mantinham-se católicos; calcula-se que fossem pelo menos 50% ainda no séc. XVII; os calvinistas “ortodoxos” seriam 1/3 e calvinistas de outras tendências, luteranos e judeus o resto. Embora o calvinismo fosse a única religião aceite teoricamente, as restantes acabavam por ter de ser toleradas. Os católicos eram suspeitos de favorecerem os espanhóis e estavam proibidos de exercer o seu culto, exercerem cargos públicos, terem edifícios específicos para o seu culto. Na realidade, com um pagamento às autoridades locais, praticavam o catolicismo sem entraves (excepto em períodos muito específicos). Para as restantes confissões a situação era semelhante embora com menos pressões.
O recrutamento dos soldados e marinheiros para o ultramar era feito nas camadas mais pobres da população, maioritariamente na Holanda e Zelândia (o que implicava que apenas duas das províncias contribuíssem; as restantes contribuíam quando o território pátrio era ameaçado); muitos dos soldados eram católicos, levando a uma enorme desconfiança dos seus superiores. Raramente sendo o seu número suficiente, completavam-se com estrangeiros (franceses huguenotes, ingleses, valões, alemães, escandinavos, e por vezes até portugueses). A disciplina era mantida de forma impiedosa (tendo as tropas uma propensão para desertar quando as coisas corriam mal), sendo de forma geral mais disciplinadas e obedientes que as ibéricas (raramente se amotinavam, normalmente desertavam). Depois os oficiais queixavam-se de que os marinheiros tinham uma enorme propensão a estarem bêbados, atiravam-se a todas as prostitutas que encontravam e não ligavam à religião. Para manter a competitividade da marinha mercante holandesa (utilizo este termo propositadamente), os salários eram mantidos mais baixos do que em qualquer outro país do norte da Europa. Os saques eram proibidos, fazendo-se uma inventariação do que era confiscado em favor das companhias (deste modo os soldados perdiam mais um incentivo a combater, embora lá conseguissem roubar alguma coisa sem os oficias verem, ou com a cumplicidade destes).
Ora outro problema que os países baixos enfrentavam era o baixo número de pregadores. Só seguia essa carreira quem normalmente tinha vocação (a falta de incentivos económicos e de prestigio impedia os oportunistas de seguirem essa via). A população (mesmo a calvinista) raramente via com bons olhos os pregadores que eram habitualmente extremistas, contentando-se com um culto comunitário feito pela população local; como as restantes comunidades religiosas não contribuíam, o número possível de pregadores a ser sustentado tinha de ser necessariamente baixo (nos países baixos existiam ao todo cerca de 2000 pregadores, enquanto que as irmãs católicas ultrapassavam os 10000).
Isto teve consequências na evangelização do império (que não sendo um objectivo inicial, acabou por ser tentado), pois com poucos pregadores disponíveis à partida, o número dos que aceitavam ir para as colónias ainda era mais reduzido (e parte deles morria nas viagens). Isto levava a que a sua influência fosse mínima, pois os católicos enviavam grande quantidade de missionários. Em zonas conquistadas aos portugueses, os “fieis” indígenas tinham de ser obrigados a assistir ao culto calvinista pela força senão fugiriam para a presença de padres clandestinos. Para além da questão numérica, todo o aparato da liturgia católica (por oposição à austeridade protestante) e a especial reverência dada aos sacerdotes católicos (semelhante ao respeito aos sacerdotes Hindus, budistas e outras religiões) contrastava com o ar de pequeno funcionário subalterno da companhia dos pregadores (que era o que na realidade eram e tratados com a respectiva desconsideração pelos superiores da companhia).
O principal resultado, foi que muitas zonas não sendo convertidas pelos holandeses, e privados da influência católica acabaram por reação ser convertidas ao islamismo (o caso da indonésia é o mais flagrante).

segunda-feira, agosto 28, 2006

O império Holandês-I

Como é que um grupo de revoltosos por motivos religiosos conseguiu criar por alguns anos uma das maiores potências marítimas?
De uma forma resumida: na década de 1560, as províncias do sul (habitualmente chamada de Flandres), viram uma parte importante converter-se ao calvinismo. A repressão espanhola não tardou e muitos dos calvinistas fugiram para as províncias do norte (que se tinham mantido católicas). Expulsando os padres da igreja católica (ao contrário do que sucedera no sul, em que os padres se tinham convertidos em ministros protestantes), sem poder impor à população a nova religião, conseguiram pelo menos apropriar-se do governo das 7 províncias. A província da Holanda começou (com o afluxo de refugiados do sul) a dedicar-se à pirataria, e ao fechar a entrada do rio escalda ao porto de Antuérpia (o grande porto do sul), liquidou o comércio das províncias do sul, tendo Amesterdão no norte substituído Antuérpia. Grupos de mercadores associavam-se (para minimizar as perdas) e começaram a enviar pequenas frotas para o oriente (até então monopólio dos portugueses): apesar de por vezes as perdas incluírem ¾ dos barcos, os lucros chegavam aos 400 %. O dinheiro era em parte investido noutros negócios (como seguro no caso das coisas correrem mal), mas a maior parte era reinvestido em novas frotas. Ao fim de alguns anos, os mercadores começaram a associar-se em companhias que se disputavam (havia uma média uma companhia por província); para evitar as rivalidades, essas companhias fundiram-se, criando a companhia das índias ocidentais, e a companhia das ilhas orientais. Assim formava-se uma forte e rica classe de mercadores com espírito de iniciativa, que contrastava com as monarquias ibéricas, em que a Coroa detinha o monopólio dos comércios mais lucrativos, com pesadas burocracias.
À medida que os anos passando, as 2 companhias deixaram de ter um carácter estritamente comercial, e começaram a conquistar territórios (sobretudo aos portugueses), ocupando parte do Brasil, Angola, etc. A ocupação de territórios exigia a manutenção de guarnições e frotas de defesa ao mesmo tempo que os inimigos europeus aumentavam (e mesmo os indígenas que deixavam de os ver como libertadores para meros novos ocupantes), perdendo boa parte dos seus territórios e da sua parte do comércio. Acabaram por ficar apenas com alguns enclaves nas Antilhas, Suriname, Indonésia, e uma colónia no cabo destinada a ter um curioso destino.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Satyricon



Comprei há uns tempos o filme de Felini; tinha-o visto há uns bons 10 anos e agora pude revê-lo.
A história é uma adaptação livre da obra de Petrónio, relatando as aventuras de 2 libertos (Encolpio e Ascilto) que disputam os favores de um escravo (Giton) na época de Nero. O ambiente é algo surrealista, muito diferente das obras de Hollywood, com cenários e cores muito fortes; o ambiente de decadência que se normalmente associa a Roma está bem representado, com toda uma galeria de personagens depravadas (heterossexuais e homosexuais) e pitorescas. A história não é contínua, sendo por episódios que se sucedem sem grande relação entre si (o que de algum modo acontece no livro, dado que este nos chegou mutilado).
O início começa com uma disputa entre os libertos sobre o escravo num bordel (de ambiente grandioso e escuro). Vemos depois uma arenga de um poeta (Aganemnon) sobre a decadência das artes numa galeria /museu (existindo o episódio no livro, parece-me que foi plenamente adaptado aos tempos modernos). Segue-se o banquete de Trimalquião (o cenário é ao ar livre embora representando uma villa): um liberto milionário que se gaba da sua fortuna e vemos os seus amigos (com menos posses) a elogia-lo e a apresentarem as suas vidas (acho que a cena do cozinheiro tem mais impacto no livro, com tantos pormenores visuais, o filme perde bastante). A partir daqui o filme vai-se afastando cada vez mais do livro (e de qualquer cronologia coerente). Capturam um semi-deus hermafrodita (matando os seus companheiros) para obter um resgate mas ele acaba por morrer por falta de cuidados; são mais tarde feitos prisioneiros num navio e explorados sexualmente (embora isso não os desagradasse). Numa casa de patrícios em que os donos foram ordenados que cometessem suicídio (só fugindo os filhos), dois dos companheiros divertem-se com uma escrava que ficou. Um deles é obrigado noutro episódio a combater numa arena a imitar o labirinto de Cnossos, descobrindo no final que está impotente; numa espécie de bordel tenta recuperar a sua virilidade mas falha, parte em busca de uma feiticeira que acaba por cura-lo.
Ok, o que se segue é a minha impressão pessoal.
O filme não é para todos os estômagos, mas eu gostei muito e é visualmente belíssimo. Todo o ambiente é cínico e bem disposto, embora se fique com uma certa sensação de vazio (sobretudo no fim): aqueles personagens apenas seguem os seus prazeres, estão dispostas a qualquer intriga, mentira, calúnia ou assassínio para obterem o que querem (gratificação imediata), mas limitando-se a isso sem qualquer objectivo formando um maior contraste com o casal suicida (episódio introduzido por Felini, precisamente creio eu para marcar a diferença).

segunda-feira, agosto 14, 2006

Desenhos pré-dinásticos no Egipto


Público 11.08.2006 - 16h55 Lusa

Arqueólogos egípcios descobriram sete conjuntos de desenhos zoomórficos da época pré-dinástica (entre 6000 e 3500 A.C.) esculpidos em rochedos a noroeste do Cairo, revelou hoje a imprensa local.

Os desenhos que representam formas de animais foram encontrados durante um rastreio arqueológico nos vales de Al Doun e Al Rasis, na província de Port Said, na costa mediterrânica, precisou Zahy Hawass, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades.

Os desenhos representam cabras, camurças, carneiros, coelhos, gatos selvagens, escorpiões e répteis, para além de animais semelhantes a girafas e elefantes.

"Entre essas figuras, parecendo inspirado num combate, destaca-se a de dois homens lutando com bastões, um deles montado num animal semelhante a um camelo e o outro defendendo-se do primeiro com um escudo circular", adiantou Hawass.

Na mesma zona foram descobertos vestígios de duas habitações.

O plano de rastreio de vestígios arqueológicos pré-históricos está a ser realizado em todo o país pelo Conselho Supremo de Antiguidades.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Herodes o grande

Ficou conhecido como um rei cruel e caprichoso (o massacre dos inocentes). Mas conseguiu deixar aos seus filhos um reino em paz.
O seu pai Antipater, um idumeu (uma etnia que fora conquistada pelos judeus e obrigada a converter-se ao judaísmo), era amigo do rei Hircanio da Judeia. Este foi destronado pelo seu irmão (bastante mais competente), mas Antipater conseguiu com intervenções estrangeiras (árabes e romanos) devolver o trono a Hircanio. Antipater foi colocando os seus filhos e parentes em lugares chave, enquanto que a guerra civil entre os reis irmãos continuava. Com o assassínio de Antipater, Herodes sucedeu na direcção do reino. Tendo comandado os exércitos do pai (e combatendo mesmo na frente), continuou a faze-lo. Marco António decidiu que entre Hircanio (incompetente) e Antígono (anti-romano), dar a realeza a Herodes que sempre lhe fora fiel era o melhor. Quando Octávio venceu, Herodes decidiu jogar de forma franca: em vez de dizer que fora obrigado a apoiar Marco António e dizer que este fora um mau líder, assumiu que sempre lhe fora fiel e amigo e que se não tivesse sido desviado por outros motivo, teria combatido contra Octávio em Actium. Devolvia portanto a coroa ao vencedor. Octávio apreciou a franqueza e manteve-o no poder; nos anos seguintes iria até aumentar o território de Herodes pela ajuda que lhe iria prestar.
Herodes passaria numerosos anos a pacificar o território que passara anos em guerra civil e sofrera com o banditismo, utilizando uma repressão brutal. As tensões religiosas (pois muitos viam com maus olhos a submissão a romanos que eram pagãos), aliava-se a um problema dinástico: Herodes continuava a ser visto como usurpador estrangeiro que destronara com o apoio romano a dinastia legítima. Esta rapidamente se extinguiu, pois Herodes eliminou sucessivamente todos os representantes masculinos. Só sobreviveram 2 mulheres com quem ele casou (e mandou matar depois) de quem teve filhos. Na sua própria família as coisas não correram bem: sofreu diversas conspirações de familiares, mandou matar 3 filhos, várias esposas, parentes e amigos.
Pelo menos uma coisa não lhe pode imputado: não há nenhuma descrição de mandar matar bebés como é dito no novo testamento (se bem que ordenou imensas outras execuções igualmente repugnantes).
Mandou construir palácios, monumentos e restaurar o Templo de Jerusalém. Basicamente teve uma vida semelhante a numerosos soberanos helenísticos, com a diferença de que sendo plebeu, continuou a ascensão ao trono começada pelo pai, criando uma dinastia que durou um século.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Ordens idiotas

A 2 de novembro próximo de Verdum em 1916, os alemães decidem evacuar o forte de Vaux. Os franceses apercebem-se mas decidem certificar-se primeiro, antes de ocupar o forte. Um oficial ordena então a 12 homens para se aproximar do forte, fazer muito barulho para atraír o fogo inimigo e assim confirmarem (ou não) a notícia. Os homens partem sem entusiasmo, mas tem a sorte de chegar depois do forte estar deserto. Com ordens destas e oficiais deste calíbre, não admira que no ano seguinte parte do exército se amotinasse.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Arquimedes

Aparece hoje a seguinte notícia no público: foram descobertos vários tratados de Arquimedes inéditos num palimpsesto (manuscrito que foi raspado do texto para ser reaproveitado). O manuscrito era do séc. X e foi reutilizado como livro de orações no séc. XIII, sendo em grego.

terça-feira, agosto 01, 2006

Fim das férias




Voltei de férias. Aproveitei para ler um pouco de tudo. No entanto, vou continuar a descrever o que li da vida de Genji.
O velho imperador pai de Genji decidiu tornar Fujitsubo a sua imperatriz (em detrimento de Kokidem, sua concubina de há anos, mãe do próximo herdeiro e filha do ministro da direita), mas passado pouco tempo faleceu.. Ora isso provocou imensas alterações na corte. O novo imperador, meio-irmão de Genji (e filho de Kokidem) deixou-se facilmente dominar pela sua família materna. Tornou o seu avó ( o ministro da direita) todo poderoso, em detrimento do ministro da esquerda (sogro de Genji). Ainda por cima Kokidem tinha um ressentimento pessoal contra Genji, que se recusara a casar com uma irmã sua, em favor da filha do ministro da esquerda. Genji e todos familiares membros e aliados do ministro da esquerda vão sendo progressivamente afastados dos seus cargos. Mas Genji dá o golpe final: teve um “caso” com uma irmã de Kokidem e foi apanha do na cama com ela. Ora a agravar a situação, essa irmã costumava ser “visitada” pelo novo imperador. Este ficou desgostoso e terminou a relação com ela: esta percebeu a asneira que cometera, pois se Genji era amável, ela nunca passaria com ele de mais uma das numerosas conquistas, enquanto que com o imperador, ela poderia quem sabe chegar a imperatriz… Agora com o escândalo, dificilmente conseguiria ter um marido decente. O ambiente na corte acabou por ficar insuportável, e Genji acabou por ser exilado (embora não de forma oficial), levando um pequeno número de companheiros. A facção do ministro da direita era totalmente vencedora. Fujutsubo morre. E é aí que Genji vê com quem pode contar. Várias pessoas propõem-se a partir para exílio com ele mas ele recusa: não tem recursos para sustenta-las, e precisa de olhos na corte. Tono seu rival/amigo, desafia a corte e vai visitá-lo; alguns escrevem-lhe mas outros fazem de conta que nada se passa. Curiosamente, um antigo governador que se tornou monge e é vizinho deGenji, vê a oportunidade de ouro: embora seja de baixa categoria (era “apenas” um governador residente na província e não um cortesão) quer apresentar a sua filha a Genji pois sabe que um dia a situação deste irá mudar e ela terá uma vida melhor e decerto que ficará grato a quem o apoiou nos maus dias. A rapariga era extraordinariamente tímida (dado o desnível de origem social), mas Genji lá a engravida (e adquire mais uma esposa).
Entretanto o ministro da direita morre, Kokidem e o imperador adoecem; este acha que é por ter exilado Genji e acaba por chama-lo de volta. Lentamente as coisas compõem-se. Quando o imperador abdica em favor do suposto meio-irmão (que na realidade era filho de Genji e que rapidamente é posto ao corrente de que este era o seu pai), as coisas mudam radicalmente. Genji torna o seu antigo sogro (o ministro da esquerda) chanceler (o governo prático do país), Tono é tornado ministro do centro, enquanto que ele trata de tudo o que é relacionado com a corte (cerimónias, nomeações, festas). Casa com Murasaki, a sua grande paixão (sobrinha de Fujutsubo, a sua outra grande paixão). E começa a época da retribuição. Não tanto contra a facção do ministro da direita (afinal eles apenas trataram de se governar), embora percam a maior parte dos cargos e poder, mas sobretudo contra os que lhe devendo favores, o ignoraram quando as coisas lhe correram mal. A começar por Hyobu, pai de Murasaki e irmão de Fujutsubo. De facto, estando tão próximo de Genji, ele “colou-se” à facção de Kokidem, contra a sua própria família. Ora tendo Hyobu uma outra filha que ele pretendia que fosse nomeada aia imperial, Genji veta essa nomeação em favor de uma filha de Tono; sem nunca lhe fazer má cara (afinal era o sogro), Genji paralisa-lhe qualquer hipótese de progressão. Com o tempo, Genji volta a ter uma certa rivalidade com Tono e a sua família, tudo dentro de limites muito estritos: hoje é um que ganha, amanhã é o outro (para escolha de concubinas e vitórias em concursos artísticos), pois uma divisão mais forte poderia ser aproveitada por outro clã.
Mas Genji também recompensa as mulheres que lhe foram fieis.
Uma princesa com quem ele tivera um romance tornara-se pobre (tão pobre, que o porteiro tinha de abrir a porta sozinho, não tendo ajudante); ele ajudou-a financeiramente. Outra ficou mesmo numa situação extrema (o nome dado em inglês é sawflower): sendo de sangue imperial, não podia casar com quem quer que fosse (nos velhos tempos, Genji tentara ter um relacionamento com ela, mas ao ver-lhe a cara desistiu (por ser feia), mas tendo pena, manteve-se amigo), mas ao morrer o pai, ficou sem fonte de rendimento. Não podia casar abaixo da sua condição, ninguém do seu estatuto queria casar com ela, e se fora fei em jovem, a idade não a favorecia. Foi sendo abandonada por criados e amigos até ficar sozinha no palácio em ruínas, tendo de procurar comida e apanhar lenha para sobreviver, esquecida pela corte e vivendo com a recordação da amizade que teve com Genji (que não passou disso). Só uma pessoa se lembrou dela: uma sobrinha, que fugira de casa quando a família começara na sua decadência para casar com um governador causando um escândalo sendo assim excluída dos círculos imperiais (o mesmo que sucedeu à sua tia, sem ter de passar fome). Ofereceu o cargo de governadora em sua casa, o que era uma humilhação para a tia que recusou. Por sorte, um dia Genji passou por lá (depois de voltar a brilhar na corte), e ao saber da história levou-a para o seu palácio, instalando-a numa das alas. Ela acaba por tratar dos assuntos da casa de Genji como governadora oficiosa) pois ele tem imensa confiança nela), mas de forma gradual e com tacto, para não chocar com Murasaki.
Genji acaba por encher o palácio de antigas amantes que caíram em dias difíceis (já não sendo jovens, sendo viúvas ou solteiras elas ficam em situação muito complicada); Murasaki tolera isto melhor do que as suas escapadelas actuais (tornando-se na realidade amiga de algumas delas). Mas no entanto, um novo romance irá complicar tudo.
Genji encontrou a filha de uma velha paixão (essa filha era de Tono mas morrera de desgosto do seu não romance com Genji). Apesar de criada na província, e ter 20 anos Genji enviou-a a sawflower para ser educada rapidamente nas maneiras da corte, pois pretendia adopta-la (ele só tinha uma filha e Tono tinha várias) e usa-la para um casamento que o favorecesse. Mas com o tempo começou a achar um desperdício entrega-la a outros e decide tornar-se seu amante. A rapariga fica destroçada: livrara-se de complicações na província, achava que finalmente a sua vida ia ter um rumo, quando é o seu próprio benfeitor que tenta aproveitar-se! E sabe que desta vez ninguém a poderá ajudar (se bem que conseguiu manter Genji à distância em 2 capítulos; verei depois como se safa).
Conclusões destes capítulos: os governadores das províncias, são senhores absolutos nas terras que governam, mas são humilhados e troçados pela corte como incultos; a escolha dos governadores é rotativa e dependente do patrocínio de cortesão a quem enviam presentes (mas dentro de um século eles conseguirão fixar-se nas terras e livrar-se da dependência da corte). As mulheres por mais bem nascidas que sejam, se não tiverem um pai, irmão ou marido que as mantenha, estarão numa situação verdadeiramente aflitiva se estiveram por sua conta.
Passado um momento de certa austeridade sobre o regime dos Fujiwara do ministro da direita, com os Fujiwara do ministro da esquerda, a vida volta ao que era: concursos de pintura, de poesia, declamação de versos (japoneses ou chineses), e muita música. A mulher que dá um filho a Genji, tem como principal dote saber usar o Koto (uma espécie de guitarra) de forma exímia; o mesmo com sawflower. Murasaki não tem qualquer capacidade especial mas é bonita. A nova imperatriz é escolhida num concurso de pintura, entre facções rivais. Outras amadas de Genji sabem bem escrever quer na forma (a caligrafia em si é uma arte para os japoneses), quer no conteúdo (as missivas nunca são feitas descrevendo algo directamente, mas sempre com recurso a poemas).

quinta-feira, junho 29, 2006

segunda-feira, junho 26, 2006

Os mistérios

Os mistérios de Eleusis foram um conjunto de cerimónias celebradas em Eleusis (arredores de Atenas), desde um período indeterminado da antiguidade até à sua proibição em 392 pelo imperador Teodósio. Baseado em mitos (Deméter deusa da agricultura viu a sua filha Perséfone raptada por Hades deus dos mortos para a fazer sua esposa, o que levou à esterilidade da terra; depois de um compromisso, Perséfone passaria uma parte do ano no sub-mundo e o resto do ano à superfície), representava o ciclo das estações com a morte no inverno e o renascer na primavera. No período clássico, os mistérios eram das cerimónias mais importantes (a par dos jogos olímpicos) e levados a sério. Atenas perdoou muitos disparates a Alcibíades, mas a profanação desses mistérios custou-lhe a pena de morte (de que fugiu) e provavelmente a vitória da sua cidade na guerra do Peloponeso. O imperador romano Juliano participou nesses mistérios.
Em que consistiam? Na realidade pouco se sabe. Como os participantes tinham de manter segredo, só alguns aspectos públicos se conhecem (uma procissão). O resto pode-se deduzir: cânticos, orações, sacrifícios, embora se ignore o conteúdo exacto. Qualquer grego, independentemente da sua classe social podia participar (e ausência de cadastro) tornando-os relativamente igualitários e dando uma sensação de fraternidade; no período romano conseguiriam manter um forte prestigio (apesar da decadência dos cultos tradicionais greco-romanos) e só a sua limitação geográfica (o cerimonial tinha de ser cumprido localmente) impediu uma maior difusão.

quinta-feira, junho 22, 2006

Cavaleiros

No séc. XV, qualquer indivíduo que servisse por um determinado tempo em Ceuta ou nas praças de Africa com armas e cavalos por sua conta, adquiria o grau de cavaleiro. Muitos proprietários vilãos ou comerciantes abastados enviavam os seus filhos como forma de promoção. Simplesmente o grau era concedido apenas pela vida do beneficiário; a sua extensão a descendentes dependia da continuação do serviço ao rei para este a conceder.

sexta-feira, junho 16, 2006

Genji Monogatari





Retomei a ler a leitura da história de Genji (leio só no verão). Recapitulando, é um romance japonês escrito no séc. XI por uma mulher de que se ignora quase tudo (era acompanhante de uma princesa Japonesa) que retrata a vida fictícia de um filho (Genji) de um imperador e a vida da corte; não há exactamente uma trama, apenas seguimos a sua vida e o de outras pessoas que coexistem consigo.
Genji teve o azar de ter uma mulher mais velha (cerca de 60 anos) apaixonar-se por ele, embora ele a rejeitasse. Tono, o seu amigo/rival/cunhado (pertencente ao poderoso clã Fujiwara) pensou que Genji gostava da senhora e insinuou-se com ela, acabando por ser bem sucedido; quando se espalhou de que Genji gostava da senhora (deixando este agastado), toda a gente achou uma bizarria alguém tão prendado gostar de uma velha.
Mais tarde, Genji deixou sem querer, ficar mal visto a Senhora Ryoki (uma antiga ligação) ao recusar “encontrar-se” com ela, deixando o imperador aborrecido que achou que ele estava a ser indelicado. Genji acabou por conseguir dormir com Fujitsibo a nova consorte do imperador seu pai, engravidando-a; felizmente ninguém descobriu, apesar do rapaz ser igual ao pai Genji (deixando o imperador muito feliz, por pensar que tivera outro filho bonito como Genji).
Entretanto a sua própria esposa oficial (Aoui) que estava cada vez mais fria com ele (não achando piada às suas constantes infidelidades), engravidou, mas ficou doente devido à presença de vários espíritos. Genji descobriu que esses espíritos eram inofensivos, o que estava a torna-la doente era a presença do espírito da senhora Ryoki (que ainda estava viva). A mulher acabou por falecer depois do parto deixando um rapaz.
Murasaki (sobrinha de Fujitsibo) já tem uns 11 anos e está lentamente a perceber que não vai poder continuar a brincar com bonecas muito mais tempo, embora ainda não tenha percebido que Genji deverá torná-la sua esposa (já tinha várias para além da oficial).
Genji participou numa excursão de Outono com a corte: foi tão brilhante na execução de uma dança (levando as lágrimas aos olhos da corte) que o resto do dia ficou estragado com a (comparativa) mediocridade das outras execuções. Num outro dia dançou novamente de forma improvisada portando-se bem, mas foi suplantado por Tono que se vestira de forma muito mais cuidadosa e fartara-se de ensaiar.
O imperador arrependido de ter tornado Genji um comum, decide que o seu novo filho (filho de Genji) será um príncipe herdeiro (mais um de muitos), e trata de promover também Genji na hierarquia da corte, que se vai aborrecendo com as exigências do seu trabalho, preferindo a vida despreocupada que levara até então.

segunda-feira, junho 12, 2006

Bola

O rei Pirro estava a passar quando viu alguns soldados a jogar com uma bola com equipamento (armadura e capacete). Perguntou-lhes o que estavam a fazer: responderam-lhe que estavam a preparar-se para uma competição séria, a batalha. Satisfeito, Pirro decidiu ir ter com os oficiais para os soldados serem promovidos. Descobriu que os oficiais estavam a beber. Furioso despromoveu os oficiais e substituiu-os pelos soldados em questão.

terça-feira, junho 06, 2006

Respostas

Um amigo meu enviou-me este link de um artigo do público que tinha lido. Respondi-lhe, e decidi colocar aqui o mail que lhe enviei.

"Não posso falar pelo Ratzinger, mas posso dar-te uma achega da relação dos nazis com o cristianismo.
Em primeiro lugar, de forma subtil, no topo da hierarquia existia uma divisão entre os que eram católicos (Himmler, Goebbels) e protestantes (Borman). Não sendo qualquer um deles crente, desprezavam os da outra confissão. É um bocado difícil de explicar isto, mas Himmler mas mandava prender evangélicos sem dores de consciência, Borman tinha todo o prazer em mandar padres e freiras para campos de concentração (digamos que era uma espécie de solidariedade para com aqueles que tinha sido da sua confissão, embora já não acreditassem nela). Himmler admirava a igreja católica pela sua hierarquia, obediência, e liturgia, usava-a como modelo, embora planeando um dia livrar-se desse concorrente indesejado já que tinha uma origem não ariana, e estava sediada num país de raça inferior e pregava uma doutrina concorrente.
A Igreja era tolerada e usada porque convinha, mas um dia, ela seria eliminada, como tinha acontecido com os partidos e os sindicatos. E o Deus dos Nazis era bem diferente.
Quanto à igreja: no princípio, tal como a aristocracia e a classe média, ela só queria alguém que os salvasse dos comunistas; a igreja apoiava os conservadores (nunca os nazis que eram vistos como um bando de revolucionários, os discursos dos anos 20 eram muito anti-clericais), mas na década de 30 os nazis moderaram o discurso e tornaram-se respeitáveis. Os conservadores aliaram-se aos nazis e resolveram os problemas. Quem foi eliminado foi toda a casta de "vermelhos", o que não desagradou a ninguém (além dos próprios). O partido católico (existia um) opôs-se aos nazis, mas depois do "suicídio" do seu líder e mais alguns colaboradores na noite das facas longas, os católicos calaram-se. Porque reclamar, se tudo corria bem? Depois vieram as limitações da liberdade de discurso, de imprensa, perseguições de recalcitantes (padres e freiras que não sabiam estar calados), a eutanásia forçada de deficientes, mas tudo era compensado pelo aparecimento em cerimónias oficiais, o silenciamento dos elementos mais à esquerda do partido (que era na origem um partido com forte componente de esquerda) e manutenção dos privilégios. E é preciso não esquecer que o extermínio de prisioneiros é só a partir de 1942, até então não se praticava (o pessoal parece achar que campo de concentração=câmara de gaz e mortes indiscriminadas, o que é falso).
Onde estava Deus? Isso interessa? Foram seres humanos que praticaram (e praticam) os horrores por livre arbítrio. É só a nós que nos temos de culpar."

Manuscritos

Imagina o leitor que se depara com um manuscrito alemão. Este manuscrito refere que um dia o povo alemão encontrará um líder que o fará despertar (dado que são um povo eleito), e entrará em guerra com os franceses a quem conquistarão dado este ser um povo degenerado, depois expandir-se-ão para leste, e criarão um império universal; a falsa igreja de Roma será derrubada e substituída por uma verdadeira. Mas mais importante que tudo, destruirão a raça maldita dos judeus que são uma praga que consome a terra (e muito mais verborreia do género). Familiar? Se pensa que isto é um texto nazi, desengane-se: é um manuscrito do séc. XVI do “anónimo de Nuremberga”. Provavelmente um frade, de que se ignora quase tudo. Do que se sabe nem Hitler, nem qualquer um dos teóricos nazis o leu. O que arrepia ainda mais.

quarta-feira, maio 31, 2006

Desertores

Dos portugueses que embarcavam para a Índia na primeira metade do séc. XVII, parte deles morria na viagem, ou nos primeiros tempos devido ao clima. Aí chegados, o seu destino seria o exército, mas como estado português tinha dificuldades financeiras, recorria ao expediente de desmobilizar a maioria dos soldados na época das monções. Estes ficavam a mendigar, arranjavam um emprego ou entravam na vida religiosa que lhes assegurava o sustento. Outros desertavam para os inimigos dos portugueses que lhes pagavam bem. Chegaram a ser 5000, o que era próximo do número de soldados portugueses ao serviço do vice-rei da Índia.

quarta-feira, maio 24, 2006

Música



A música religiosa portuguesa do séc. XVI teve uma enorme vitalidade. Para além da corte que tinha uma capela com músicos, os diversos bispados (e arcebispados) mantinham capelas (a de Évora era a mais famosa) assim como alguns grandes mosteiros (Santa Cruz de Coimbra). Isso assegurava a existência de locais permanentes de ensino da música e um mercado de trabalho com continuidade, mantendo um alto nível de qualidade (a nível de composição e execução) e diferenças de estilo conforme a localização geográfica. Deste modo alguns compositores portugueses conseguiram ter uma carreira no exterior (Pedro de Escobar é o mais famoso) ou mantendo-se cá, ter as suas peças impressas no estrangeiro.

segunda-feira, maio 15, 2006

Mais sobre livros

No séc. XVI em Lisboa existia cerca de uma dúzia de livrarias (tendo ao todo cerca de 60 empregados). Ainda existiam pela cidade tendeiros que também se dedicavam à venda de livros e manuscritos. Com um número um pouco inferior, existiam diversas livrarias também em Coimbra (graças à universidade), em Évora (que também tinha uma universidade) e Porto. Esses livreiros eram considerados ricos dado o grande investimento que representava a posse desses livros para venda. Boa parte dos livros eram vendidos sem capa, encomendando o comprador uma capa de acordo com as suas posses.

sexta-feira, maio 12, 2006

Livros

Num trabalho efectuado no qual se recensearam os livros impressos em Portugal no séc. XVI (uma parte pelo menos), concluíu-se que quase 60% eram em português, cerca de 30% em latim, uns 10% em castelhano e o resto (cerca de 1%) seria em outras línguas (grego e hebraico).

quarta-feira, maio 10, 2006

Cisma




Um facto curioso: durante anos, considerava-se que o cisma entre a Igreja católica Romana e Grega deveu-se à progressiva separação das duas comunidades, que foram perdendo o contacto e foram-se encarando de forma cada vez mais hostil, levando a fricções (a questão dos iconoclastas teria envenenado ainda mais a situação), até à ruptura final em 1054.
Ora actualmente começa-se a encarar as coisas de forma completamente diversa: teria sido o retomar dos contactos entre as duas partes que teria levado a uma progressiva hostilidade.
Se recuarmos até ao séc. V e VI, vemos que vários príncipes bárbaros tinham servido nas cortes de Ravena (enquanto durou) e Constantinopla. Com a queda do império do ocidente, o império do oriente tinha uma reconhecida superioridade cultural e intelectual; mesmo a nível político, os Papas viravam-se para Bizâncio quando precisavam de ajuda (sobretudo até Carlos Magno). Com o estender de competências da Igreja Católica Romana, a criação do Sacro-Império, a estabilização de vários estados no ocidente, este foi-se progressivamente autonomizando, desenvolvendo uma cultura e identidade próprias, que não eram apenas restos da cultura antiga. Ora a partir do séc. X intensificaram-se os contactos e as impressões foram pouco agradáveis: os latinos (estou a considerar do ponto de vista da Igreja) consideravam os gregos efeminados e intriguistas, os gregos consideravam os latinos rudes e bárbaros. Os problemas políticos e religiosos apenas vieram acentuar a questão e o rompimento não foi nenhum choque para ambos os lados.

terça-feira, maio 02, 2006

segunda-feira, abril 10, 2006

O mais antigo mapa

Foi encontrado o mais antigo mapa na itália.

Aristóteles estava certo e Platão errado

Na "Science et vie" deste mês de abril está um artigo sobre o big-bang que refere a existência de várias galáxias que tem sido encontradas mais velhas do que a data que se reconhece para a criação do universo (e da famosa explosão). Encontram-se várias teoria, desde as mais radicais, que implicam pôr de parte a teoria dada as falhas encontradas nos últimos anos, às que não aceitam qualquer modificação sendo essas falhas anomalias que deverão ser explicadas. Uma chamou-me a atenção: o big-bang teria criado a matéria conhecida (cerca de 5% da matéria existente) sendo os outros 95% (matéria negra e energia sombra (esta para mim é nova!) anteriores o que significaria que o universo não teria tido um princípio, mas sempre existira, sem ter um momento de criação (daí o título do meu post). Claro que os cientistas ainda estão à guerra entre eles, dado que não existe nenhuma teoria geral que explique também a existência do universo, mas é bom ver a ciência não repousar.

quarta-feira, março 29, 2006

Cleómenes

Quando li coisas sobre Cleómenes, deparei-me com esta história que achei hilariante. Cleómenes amava profundamente a mulher (afinal, estava casado com ela desde criança e tinham-se dado bem, apesar de ser um casamento de conveniência). Quando ela morreu ao fim de 20 anos de casamento (ele devia ter uns 30 anos, ela um pouco mais), ele sofreu um grande desgosto, mas tendo sido educado por um estóico, tratou de guardar o desgosto apenas para os seus próximos, não o mostrando em público. E tratou de arranjar uma amante e um amante.

terça-feira, março 28, 2006

Ajax

Via o blog o insurgente, vi a notícia de que tinha sido descoberto o palácio de Ajax. Ok, descobriram um palácio micénico que corresponde à datação correcta, mas atendendo a que estamos a falar de um heroi mítico que combateu numa guerra que provavelmente nunca se deu, descrito num poema séculos posteriores e que descreve um sociedade que não é a micénica mas a do período posterior (a chamada idade das trevas gregas), parece-me arriscado fazer esse tipo de apresentação (mesmo que venda bem).

segunda-feira, março 27, 2006

Shi Huang Di

Ontem vi um filme chamado "Herói" que deu na televisão. O filme era (na minha opinião) aborrecido mas isso é uma questão de gosto. A ideia de apresentar várias versões do que sucedeu (muito parecido com o Roshamon) prolongou desnecessariamente o filme (enquanto que no filme de Akira Kurosawa dava-lhe real interesse) e as lutas com as pessoas a voar (estilo manga), tiram-lhe qualquer tipo de credibilidade.
Bem, mas vou falar do rei que aparece no filme: Shi Huang, o primeiro imperador da China.
Shi, pertencia ao reino Quin, um dos numerosos reinos chineses. Depois de 500 anos de lutas, com a subida de Shi, as coisas modificaram-se: subindo ao trono em 247 AC, conseguiu numa vintena de anos conquistar os restantes reinos. Proclamou-se o equivalente a imperador em 221 AC depois da capitulação do último reino e começou a trabalhar para a unificação cultural, uma vez efectuada a política. Uniformizou pesos e medidas, a escrita, eliminou os intelectuais que se opunham sí (a bem dizer, qualquer pessoa que ele imaginasse que não o aprovasse), ordenou a destruição de todos os livros que considerasse que nefastos. Mas ficou mais conhecido por duas obras: a grande muralha que protegeria a China dos povos nómadas (a actual muralha, não é a que ele edificou, já que ela foi abandonada, recuperada e alargada em diferentes troços por várias vezes) e construiu um imenso mausoléu com figuras de terracota (costuma aparecer em programas da national geographic e do canal História). Tendo um medo paranóico da morte, acabou por falecer numa viagem em busca da imortalidade. O seu filho não conseguiu aguentar o império, e ao fim de um par de anos, a dinastia terminou, recomeçando as confusões.
Foi um soberano duro, impiedoso, que espremeu a população, que não admitia qualquer tipo de oposição. Mas acabou (por um breve tempo) com as guerras que devastavam a China, e as dinastias que o seguiriam retomariam muitas das suas medidas (embora de forma mais suave).
Uma nota pessoal: há uns anos atrás, o seu nome era ocidentalizado como Shi Huang Ti, mas agora é apresentado como Qui Shi Huang, que supostamente é mais fiel ao seu nome.

quinta-feira, março 23, 2006

Cleómenes

Alguns anos depois, o rei Leónidas morreu e sucedeu-lhe o filho Cleómenes (casado com a viúva de Agis). Ora sendo este ainda criança quando casou, a mulher passou os primeiros anos a contar-lhe os feitos do seu falecido marido. Chegado à idade adulta, Cleómenes decidiu aplicar o programa de Agis. Para evitar ter um destino semelhante, decidiu fazer um golpe (Agis tivera sempre a preocupação de agir dentro da lei e evitar atacar quem quer que fosse e a sua execução sem julgamento foi ilegal), executando os éforos e banindo um número de cidadãos que se poderia opor a si. Distribuiu as terras, e criou cerca de 4000 novos cidadãos. Reformou o velho exército hoplita, copiando a falange macedónica. Mas entrou em conflito com uma liga (a liga Acaia), que via com maus olhos o novo governo revolucionário a fortalecer a velha cidade odiada. Cleómenes infligiu-lhes várias derrotas sendo acolhido como libertador por várias populações que esperavam que as medidas que tinham sido aplicadas em Esparta, o seriam noutros locais. Aratos, o principal chefe da liga, acabou por ter de pedir ajuda ao seu até então maior inimigo, o rei da Macedónia. Este que fora expulso de boa parte da Grécia por Aratos, entrou imediatamente na Grécia e com um exército superior bem treinado, equipado e alimentado derrotou o exército de Cleómenes (a batalha foi bastante sangrenta, morrendo grande parte dos novos cidadãos). Cleómenes teve de fugir e refugiou-se no Egipto que lhe fornecera subsídios durante algum tempo. Mas aborrecido com as intrigas da corte e com a inacção tentou com uns companheiros uma revolta que correndo mal, levou ao suicídio colectivo.

terça-feira, março 21, 2006

Agis

Esparta depois das derrotas de Leuctros e Mantineia no séc. IV AC sofreu um total apagamento. Perdeu a liderança das cidades da península do Peloponeso que lhe dera um imenso poder. A diminuição de cidadãos por motivos demográficos que já vinha de trás) acelerou-se: no séc. VII Ac tinha cerca de 9000 cidadãos, no séc V AC cerca de 4000, um século depois eram menos de 2000. Em meados do séc. III AC, só restavam 700, dos quais só 100 eram proprietários (tendo os lotes de terras que tinham pertencido aos 9000 cerca de 500 anos antes). Ora nesse período, um jovem rei subiu ao trono, Agis. Este decidiu restabelecer o antigo poder da cidade, voltando (na teoria) a aplicar a antiga constituição espartana. No seu programa pretendia em primeiro lugar abolir as dívidas, depois redistribuir as terras por todos os cidadãos e a criação de novos cidadãos num total de 5000 (entre estrangeiros e periecos residentes na cidade); mais cerca de 15000 pessoas teriam direito a distribuição de terras. Só conseguiu implementar a 1ª reforma, pois sob o pretexto de que deveria aplicar uma reforma de cada vez, a segunda foi sendo adiada até acabar por ser assassinado por opositores às mudanças em 241 Ac, quando tinha 24 anos (Esparta tinha um regime com dois reis, e o líder da conspiração foi o outro rei juntamente com os éforos). O líder da conspiração era o rei Leónidas, que mandou assassinar também a mãe de Agis e a avó; sendo estas ricas proprietárias, tudo passou para a viúva de Agis (que já era rica) que foi obrigada a casar com o filho de Leónidas que era ainda criança. Mas o futuro reservava uma ironia.

quinta-feira, março 16, 2006

Amor e sangue

Há uns anos atrás vi um filme chamado amor e sangue. O realizador era o Paul Verhoen (realizador do robocop), mas o filme surpreendeu-me bastante.
O filme passa-se em 1500, sem uma localização exacta, mas dá-nos pistas para provavelmente ser em Itália. Um príncipe que foi expulso da sua cidade, está com um exército de mercenários a retomá-la. Assistimos ao cerco e ao saque. Às tantas o príncipe apercebe-se que os mercenários não lhe vão deixar grande coisa da cidade, e com uma guarda fiel, obriga os mercenários desorganizados a abandonar a cidade sem nada. Estes dispersam-se, mas um grupo decide vingar-se. Aprisionam com um golpe de sorte a noiva do filho do príncipe e depois de uma série de peripécias, os mercenários são massacrados, a noiva reencontra-se com o seu noivo e os nobres acabam bem.
O que me agradou neste filme, foi o facto de não haver “bons”. Todos são cúpidos, cruéis, traiçoeiros e corajosos ao extremo ou cobardes conforme as situações (o filme nesse aspecto parece do Sérgio Leone, para pior). O personagem principal (um dos chefes dos mercenários) não hesita em enganar os companheiros quando lhe interessa, inclusive a companheira que traz (eventualmente) o seu filho na barriga. O filho do príncipe embora a princípio mole, só se preocupando com os seus livros, quando tem a sua vida em jogo arranja a energias para se safar das situações. A sua noiva que ouviu demasiadas histórias de belos cavaleiros, balança-se para o lado que mais lhe convém.
Os cenários são tardo-medievais, e vemos exércitos renascentistas em toda a sua glória com os soldados, prostitutas e padres.
É um filme bastante forte, mas mais realista do que numerosas outras produções (de repente vê-me à cabeça Braveheart ou o Reino dos Céus).

terça-feira, março 07, 2006

O batalhão sagrado

Era uma unidade de elite da cidade de Tebas, constituída por 150 casais de homossexuais (ou seja, 300 homens). Teriam sido constituídos em princípios do séc. IV, participaram nas batalhas decisivas contra Esparta que derram a hegemonia à sua cidade (Leucra, Mantineia). Viram o seu fim em 338, contra os macedónios de Filipe II e Alexandre: aí, Atenas e Tebas durante muito tempo inimigas reconciliaram-se ao ver o perigo macedónio e jogaram não só a sua independência como a democracia como regime independente viável no contexto de grandes nações. Os génios militares dos príncipes macedónios levaram a melhor em Queroneia, no que foi uma das batalhas mais duras desse período. Primeiro foram os atenienses, depois os tebanos, os exércitos aliados fugiram do exército macedónio, tendo ficado unicamente o batalhão sagrado a resistir até ao fim. Apenas um reduzido número foi capturado, já feridos.

sexta-feira, março 03, 2006

Chorar pelos vivos?

Quando se deu a batalha de Leuctros (371 AC), entre Esparta e Tebas, aquela sofreu uma pesada derrota, perdendo 400 cidadão (para uma população de cidadãos no total de 1500); os éforos (magistrados que governavam a cidade), pediram às famílias dos mortos para não chorarem, dado que iria desmoralizar ainda mais a cidade. No dia seguinte, as famílias dos mortos saíram à rua alegres e bem vestidos, pois os seus mortos não tinham desonrado a cidade, enquanto que os familiares dos sobreviventes fizeram luto pela sua desonra: um espartano não deveria ser derrotado a menos que estivesse morto.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Carnaval

A origem do Carnaval é incerta. Normalmente atribui-se a uma festa romana, as saturnalia, em que as pessoas gozavam de enorme liberdade, chegando os escravos a ser servidos pelos seus donos (o mundo às avessas), para além de se beber e comer muito. Passava-se no entanto no final de Dezembro (enquanto que o nosso Carnaval é em Fevereiro).
Só na Idade Média, é que se pode falar em verdadeiro Carnaval, dado que tem esse nome e as características actuais: o hábito das pessoas se mascararem, um cortejo, um rei do Carnaval e muita troça. O nome vem aparentemente do latim ou do italiano (carnem vale-adeus carne, tanto podendo significar a despedida da carne como alimento devido à Quaresma ou carne como prazeres terrenos). A festa mais popular começou a ser a de Roma (sendo patrocinadas pelos Papas até ao Concílio de Trento), mas Veneza começou lentamente a suplanta-la, tornando-se (à medida que perdia a sua importância política) uma capital de prazeres. É um exclusivo dos países católicos (e ortodoxos), não se festejando nos países protestantes até muito recentemente. A partir de meados do séc. XX, o Carnaval brasileiro tornou-se o mais popular do mundo.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Um roubo bem sucedido.

Philetaerus era um eunuco da época de Alexandre o grande, que depois da morte deste e de algumas confusões recebeu ordens do seu novo senhor Lisímaco (301 AC,) para comandar a fortaleza de Pérgamo (no território da actual Turquia) e o tesouro acumulado. Sendo Philetaerus um eunuco, não haveria perigo de este se revoltar e tentar criar uma dinastia, certo? Errado, pois possuía sobrinhos. Uma vintena de anos depois, desertou para um outro diadoque, Seleuco (criador da dinastia Seleucida) e este eliminou Lisímaco, sendo assassinado pouco depois por um filho de Ptolomeu que acolhera. Philetaerus aproveitou para criar um pequeno estado, distribuindo dinheiro a templos e comunidades gregas necessitadas, arranjou amigos, manteve-se à margem dos conflitos da época tudo isto de forma discreta e reconhecendo e apoiando verbalmente o novo rei seleucida (Antíoco), mas tornando-se progressivamente independente. Quando faleceu, passou a sucessão para o seu sobrinho; por essa altura já era tarde demais para os seleúcidas reconquistarem o enclave de Pérgamo, dado que tinham outros problemas em mão.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Alcibiades




Acabei de ler este fim-de-semana a guerra do Peloponeso de Tucidides. Portanto decidi escrever sobre a personagem que domina o final da obra (a bem dizer, a segunda metade), Alcibíades.
Nascido por volta de 450 AC, era parente de Péricles, o que significa que pertencia a uma das mais ricas nobres e influentes famílias atenienses. Teve os melhores mestres da época, e foi mesmo discípulo de Sócrates (aparecendo mesmo nalguns diálogos de Platão). Bem parecido, rico, inteligente, culto, bom conversador tinha tudo para agradar; o problema é que era vaidoso, cínico, e muito, muito ambicioso; enquanto que o seu ilustre parente fora o primeiro homem da cidade, mas respeitara sempre a democracia e servia a cidade, Alcibíades pretendia (pelo menos assim foi apresentado) apenas o poder e as honrarias. Participou na guerra do Peloponeso, e depois de alguns combates, conseguiu convencer os seus concidadãos a romper a trégua assinada (421 AC) com os espartanos. Tendo entrado a princípio no partido aristocrático, como este o olhara com desconfiança, acabou por virar-se para o partido popular favorável à guerra (que o poderia dar a glória que pretendia). Conseguiu que fosse aprovada uma expedição contra Siracusa na Sicília, que forneceria dinheiro, homens e matérias-primas que dariam a vantagem definitiva contra Esparta. Mas então a sua sorte mudou. Foi acusado de várias blasfémias (a mutilação das estátuas de Hermes, a profanação dos mistérios de Eleusis, de que ainda hoje se discute se ele foi de facto culpado), e depois de uma série de peripécias teve de fugir. A expedição terminou num desastre, perdendo-se mais de 20.000, uma centena de barcos e muito dinheiro; expedição fora de facto decisiva, mas não como planeado. Refugiou-se junto dos espartanos e deu-lhes vários conselhos contra a sua pátria, que foram muito úteis (nomeadamente, a escolha do comandante que esmagaria os atenienses na sicília). Mas acabou por ter de fugir (por uma questão de amores com a mulher de um dos reis de Esparta (eram sempre 2) para a corte de um dos satrápas persas, que dominava a costa asiática. Convenceu este que em vez de apoiar os espartanos como fizera até então, devia manter um equilíbrio entre os dois adversários para se enfraquecerem e deixarem a Pérsia em paz. Entretanto, entrara em negociações com Atenas, e exigiu para o seu regresso (prometendo o apoio da Pérsia para esmagar Esparta), que fosse abolido o regime democrático e nomeado uma oligarquia. Atenas resignou-se mas a oligarquia não o chamou de volta. A frota de Atenas em Samos revoltou-se e considerou-se a única representante legal de Atenas seguindo a democracia (o resto das forças atenienses fieis à cidade foram esmagadas). Alcibiades conseguiu convencer as forças em Samos a reconhece-lo como chefe democrático, e venceu os espartanos em vários reencontros e reconquistando territórios; a oligarquia caiu. Voltou e foi recebido triunfalmente em Atenas (407). Mas no ano seguinte vários dos seus lugares-tenentes foram derrotados e acabou por se retirar. Tentou ir para a Pérsia para convencer o grande rei a atacar Esparta, mas um dos satrápas a comando dos espartanos mandou assassina-lo. Era um final algo inglório mas de certo modo apropriado para quem levara uma vida tão movimentada.