A partir daí, as coisas complicaram-se para Atenas: os espartanos obtiveram fundos da corte persa que lhes permitiu obter uma frota e se bem que não derrotassem definitivamente Atenas, esta ficava em situação muito mais complicada. Para complicar mais as coisas, Alcibíades estava também na corte persa intrigando; conseguiu convencer os seus concidadãos de que era o homem certo para terminar a guerra, desde que fosse chamado e se extinguisse a democracia. A eclesia concordou, mas o grupo de oligarcas (o conselho dos 400) que a substituiu recusou-se a chamar Alcibíades. As tropas atenienses fora revoltaram-se e consideraram-se as únicas representantes legítimas de Atenas (por defenderam a democracia). Uma série de derrotas levou o regresso da democracia, e paradoxalmente de Alcibíades.
O conflito com Esparta continuava na mesma: as vitórias e derrotas sucediam-se sem haver um claro vencedor, embora se acentuasse o esgotamento de ambos os contentores. Os espartanos depois de uma derrota ofereceram a paz mantendo o status quo, mas os atenienses confiantes na sua frota e muralhas voltaram a recusar. A destruição total da frota ateniense num ataque surpresa dos peloponésios (Egos-Potamos em 405) ditou a sorte da guerra. Uns meses de cerco depois (cercada por terra e mar), Atenas privada de abastecimento pedia a paz. Atendendo à sua vitória, Esparta foi muito moderada: exigiu apenas a demolição das muralhas, a redução da frota, o abandono da maioria das possessões e o fim da liga de Delos (certos aliados pretendiam mesmo a destruição da cidade).
Como epílogo, digamos que Esparta rapidamente perdeu a moderação que usara até então (não propriamente a sua população que era indiferente aos negócios exteriores, mas um reduzido grupo que dirigia essa política), levando a que pouco depois fosse odiada.
Em Atenas, foi imposta uma constituição radical oligarca que impôs um regime de terror (execuções sumárias de democratas e mesmo de moderados); conseguiram convencer o satrápa persa onde Alcibíades estava exilado a executar este. Rapidamente este regime foi derrubado, e uma década depois, Atenas era novamente uma potência disputando a hegemonia a Esparta e Tebas, até o advento da Macedónia.
segunda-feira, novembro 29, 2004
quinta-feira, novembro 25, 2004
A guerra do Peloponeso-III
Não vou fazer uma cronologia da guerra, que seria algo aborrecido (e de qualquer modo é fácil de consultar para quem se interessar), mas apontar alguns dos acontecimentos que me parecem mais interessantes.
Os anos seguintes viram pequenas batalhas sucederem-se sem que se atingisse qualquer resultado conclusivo: embora Esparta possuísse um exército melhor e tivesse invadido por diversas vezes a Ática, sem material de assédio, era impossível derrubar as muralhas de Atenas, e não valia a pena esperar que a cidade se rendesse pela fome, dado que era reabastecida pelo mar (onde possuía uma vantagem incontestada). Cada um dos blocos tentou então enfraquecer o adversário, fazendo expedições contra os aliados dos inimigos, envolvendo mesmo reinos não gregos (Trácia, Macedónia). Como não se chegava a resultados conclusivos, nas duas potências, os “partidos pró-paz” acabaram por conseguir impor os seus pontos de vista e fazer-se um tratado (421).
Embora existissem alguns descontentes, a paz foi transformada numa aliança. Infelizmente iria intervir uma personagem que modificaria o curso dos acontecimentos: Alcibíades. Personagem controversa, são-lhe reconhecidas diversas qualidades: bom estratega, comunicador nato, bem relacionado (era parente de Péricles e discípulo de Sócrates) adulado pela multidão. Infelizmente era também dotado de uma ambição sem limites, o exemplo acabado do demagogo.
Para se garantir um lugar num império Ateniense precisava de uma guerra vitoriosa: conseguiu que fosse anulada a paz com Esparta e lançou depois o seu país numa expedição contra a Siracusa e a Sicília (a sua ocupação dar-lhe-ia os recursos para acabar com Esparta). Um escândalo religioso levou ao seu afastamento da liderança da expedição e condenação à morte. O seu sucessor depois de uma série de derrotas morreu no comando assim como boa parte do exército (o resto rendeu-se).
P.S. Em resposta à dúvida do R.S., a edição que tenho da obra "A guerra do Peloponeso", em 2 volumes é da Flammarion, e comprei (passo a publicidade) na "Leitura".
Os anos seguintes viram pequenas batalhas sucederem-se sem que se atingisse qualquer resultado conclusivo: embora Esparta possuísse um exército melhor e tivesse invadido por diversas vezes a Ática, sem material de assédio, era impossível derrubar as muralhas de Atenas, e não valia a pena esperar que a cidade se rendesse pela fome, dado que era reabastecida pelo mar (onde possuía uma vantagem incontestada). Cada um dos blocos tentou então enfraquecer o adversário, fazendo expedições contra os aliados dos inimigos, envolvendo mesmo reinos não gregos (Trácia, Macedónia). Como não se chegava a resultados conclusivos, nas duas potências, os “partidos pró-paz” acabaram por conseguir impor os seus pontos de vista e fazer-se um tratado (421).
Embora existissem alguns descontentes, a paz foi transformada numa aliança. Infelizmente iria intervir uma personagem que modificaria o curso dos acontecimentos: Alcibíades. Personagem controversa, são-lhe reconhecidas diversas qualidades: bom estratega, comunicador nato, bem relacionado (era parente de Péricles e discípulo de Sócrates) adulado pela multidão. Infelizmente era também dotado de uma ambição sem limites, o exemplo acabado do demagogo.
Para se garantir um lugar num império Ateniense precisava de uma guerra vitoriosa: conseguiu que fosse anulada a paz com Esparta e lançou depois o seu país numa expedição contra a Siracusa e a Sicília (a sua ocupação dar-lhe-ia os recursos para acabar com Esparta). Um escândalo religioso levou ao seu afastamento da liderança da expedição e condenação à morte. O seu sucessor depois de uma série de derrotas morreu no comando assim como boa parte do exército (o resto rendeu-se).
P.S. Em resposta à dúvida do R.S., a edição que tenho da obra "A guerra do Peloponeso", em 2 volumes é da Flammarion, e comprei (passo a publicidade) na "Leitura".
quarta-feira, novembro 17, 2004
A guerra do Peloponeso-II
Em 435 (a.C.) a cidade de Epidamno estava a ser atacada por ilírios (um povo bárbaro nas costas do Adriático, na antiga Jugoslávia), quando pediu ajuda à sua metrópole Corcira; esta recusou-se e então pediu ajuda a Corinto (esta era metrópole de Corcira). Havendo uma rivalidade entre Corinto e Corcira, Corinto aproveitou a ocasião e enviou uma esquadra, mas Corcira achou que Corinto estava a meter-se em território alheio e atacou essa esquadra e venceu. Corinto decidiu retaliar, e Corcira pediu ajuda a Atenas; esta não o podia fazer dado que tinha uma trégua com a liga do Peloponeso que a impedia de atacar membros da liga em favor de neutrais mas decidiu não perder a oportunidade e esta enviou uma esquadra: deu-se um combate e depois de muita confusão e um empate na prática, tentaram-se negociações; mais uma batalha noutro ponto (o que mostrava o valor que se estava a dar à trégua), os espartanos tentaram uma última vez obter a paz, mas debalde: o maior conflito helénico estava a começar.
segunda-feira, novembro 15, 2004
A guerra do Peloponeso-I
Comecei a ler a “História da guerra do Peloponeso”; ainda vou no princípio (os coríntios estão na assembleia a tentar convencer os espartanos a declarar guerra aos atenienses), mas parece-me um bom pretexto para escrever.
A guerra começou como muitas outras com um insignificante incidente, tendo raízes profundas.
Atenas criara em consequência das guerras médicas uma aliança defensiva, a liga de Delos (ou confederação ateniense). Cada cidade deveria fornecer tropas, barcos e dinheiro de acordo com as suas possibilidades, tendo cada uma direito a voto; com o passar dos tempos (dado que Atenas mantinha um política agressiva), as cidades desinteressaram-se de arriscar homens e passaram a pagar unicamente dinheiro, ficando Atenas com a direcção total da liga, sem se incomodar em consultar os seus aliados que passavam progressivamente à condição de súbditos; Atenas passou também a imiscuir-se nos assuntos internos das cidades (chegando ao ponto da justiça ser administrada por juízes seus) e impondo o seu regime (democracia), o que levaria a imensos conflitos. Curiosamente, a autoritária Esparta, era muito mais tolerante: os membros da sua liga (liga do Peloponeso), podiam ter o regime que bem entendiam que Esparta não se ralava com isso, cada cidade fornecia tropas e dinheiro, mas dado que as guerras eram unicamente defensivas, estas não eram de facto consideradas um peso.
Para quem não sabe, Atenas possuía um regime democrático (de acordo com os critérios da época, que são os que interessam): filho de pai e mãe ateniense, independentemente da riqueza possuía a cidadania, o que lhe possibilitava concorrer a qualquer cargo. Estavam excluídos escravos, mulheres e estrangeiros (metecos). Serviço militar obrigatório para homens livres, Uma assembleia (eclesia), de que qualquer cidadão podia fazer parte, juízes, estrategas (conduziam política externa), arcontes (assuntos religiosos que tinham imenso prestígios). Uma população com aristocratas, comerciantes, artesãos, pequenos proprietários (Platão era nobre parente de Péricles, Sócrates era escultor).
Esparta pelo contrário tinha um regime estranho: dois reis com a direcção militar e religiosa, éforos (que possuíam o que chamaríamos o poder executivo em tempo de paz, e daí serem avessos à guerra que favoreciam os reis) e uma assembleia. A população era composta por cidadãos que tinham uma educação extremamente rigorosa e austera levando a resistência à dor ao limite (a famosa educação espartana), mas com um número de cidadãos cada vez mais em declínio (baixa natalidade, movimento social que levava à concentração das terras em favor de uns poucos e faziam perder outros as suas terras) chamados os “iguais”, os “periecos”- cidadãos que tinham perdido as suas terras ficando sem o seu estatuto, e os famosos ilotas- descendentes dos antigos habitantes da região tendo um estatuto terrível (qualquer igual os podia matar como exercício de treino- em compensação os espartanos tinham um pavor das suas revoltas).
A guerra começou como muitas outras com um insignificante incidente, tendo raízes profundas.
Atenas criara em consequência das guerras médicas uma aliança defensiva, a liga de Delos (ou confederação ateniense). Cada cidade deveria fornecer tropas, barcos e dinheiro de acordo com as suas possibilidades, tendo cada uma direito a voto; com o passar dos tempos (dado que Atenas mantinha um política agressiva), as cidades desinteressaram-se de arriscar homens e passaram a pagar unicamente dinheiro, ficando Atenas com a direcção total da liga, sem se incomodar em consultar os seus aliados que passavam progressivamente à condição de súbditos; Atenas passou também a imiscuir-se nos assuntos internos das cidades (chegando ao ponto da justiça ser administrada por juízes seus) e impondo o seu regime (democracia), o que levaria a imensos conflitos. Curiosamente, a autoritária Esparta, era muito mais tolerante: os membros da sua liga (liga do Peloponeso), podiam ter o regime que bem entendiam que Esparta não se ralava com isso, cada cidade fornecia tropas e dinheiro, mas dado que as guerras eram unicamente defensivas, estas não eram de facto consideradas um peso.
Para quem não sabe, Atenas possuía um regime democrático (de acordo com os critérios da época, que são os que interessam): filho de pai e mãe ateniense, independentemente da riqueza possuía a cidadania, o que lhe possibilitava concorrer a qualquer cargo. Estavam excluídos escravos, mulheres e estrangeiros (metecos). Serviço militar obrigatório para homens livres, Uma assembleia (eclesia), de que qualquer cidadão podia fazer parte, juízes, estrategas (conduziam política externa), arcontes (assuntos religiosos que tinham imenso prestígios). Uma população com aristocratas, comerciantes, artesãos, pequenos proprietários (Platão era nobre parente de Péricles, Sócrates era escultor).
Esparta pelo contrário tinha um regime estranho: dois reis com a direcção militar e religiosa, éforos (que possuíam o que chamaríamos o poder executivo em tempo de paz, e daí serem avessos à guerra que favoreciam os reis) e uma assembleia. A população era composta por cidadãos que tinham uma educação extremamente rigorosa e austera levando a resistência à dor ao limite (a famosa educação espartana), mas com um número de cidadãos cada vez mais em declínio (baixa natalidade, movimento social que levava à concentração das terras em favor de uns poucos e faziam perder outros as suas terras) chamados os “iguais”, os “periecos”- cidadãos que tinham perdido as suas terras ficando sem o seu estatuto, e os famosos ilotas- descendentes dos antigos habitantes da região tendo um estatuto terrível (qualquer igual os podia matar como exercício de treino- em compensação os espartanos tinham um pavor das suas revoltas).
quarta-feira, novembro 10, 2004
Evolução de coçar a cabeça
Uma pesquisa sobre o ADN de piolhos efectuada pelas Universidades do Utah e da Florida revela que exitem dois tipos piolhos humanos geneticamente distintos, que podem fornecer pistas sobre a árvore geneológica da evolução humana. O primeiro tipo de piolho, encontrado em todo o mundo evolui nos nossos antepassados Sapiens, enquanto que o segundo, actualmente só encontrado no continete americano, evolui noutra espécie Homo, que os pesquisadores acreditam ser o Homo Erectus. A análise às mutações do ADN dos piolhos revelou que estes dois tipos divergiram à cerca de 1.18 milhões de anos. Ora, como os humanos divergiram por volta do mesmo tempo, 1.2 milhões de anos, isto parece indicar que cada variedade de piolho infestou uma espécie diferente de humanos. Estas diferenças só fazem sentido se este dois grupos não interagissem por um periodo não inferior a um milhão de anos, para que não existisse qualquer miscisginação e para as diferenças serem tão visíveis. Assim os melhores grupos de hospedeiros seriam a linhage, que saiu de África mais cedo, evoluíndo para o H. erectus, e o que ficou para trás, evoluindo eventualmente para o H. sapiens.
O cientistas pensam que os piolhos que gantes se alimentavam exclusivamente em Homo erectus saltaram para os Homo Sapiens em contactos ocorridos na Ásia entre 25 mil a 30 mil anos atrás. Segundo eles, os H. erectus poderiam estar extintos, mas os seus piolhos não estavam, pelo que os piolhos tiveram de passar para o H. Sapiens antes do H. Erectus se extingir, já que os piolhos não sobrevivem mais de 24 horas fora do corpo do hóspede. Quanto à forma de propagação entre Sapiens e Erectus, estes poderão ter sido através de lutas, troca de roupas, actos de canibalismo ou mesmo por procriação.
No entanto, um especialista na área de pesquisa de ADN, pensa que o ADN mitocondrial dos piolhos divergiu à 300 mil anos, data muito diferente da pesquisa anterior, defendendo que a nossa espécie nunca contactaram com Homo Erectus. Segundo ele, o Pediculus humanus (piolho corporal) é um dos agentes patogénicos mais facilmente tramissíveis, pelo que poderia transmitir-se entre espécies diferentes sem contacto directo, tal como acontece com os piolhos avícolas.
No entanto novas respostas relativas a contactos entre sapiens-erectus devem surgir devido ao futuro estudo de piolhos púbicos, que se transmitem normalmente por via de contactos sexuais, o trará luz à questão dos possíveis contactos sexuais entre estas duas éspecies do género Homo.
(Jornal Público)
O cientistas pensam que os piolhos que gantes se alimentavam exclusivamente em Homo erectus saltaram para os Homo Sapiens em contactos ocorridos na Ásia entre 25 mil a 30 mil anos atrás. Segundo eles, os H. erectus poderiam estar extintos, mas os seus piolhos não estavam, pelo que os piolhos tiveram de passar para o H. Sapiens antes do H. Erectus se extingir, já que os piolhos não sobrevivem mais de 24 horas fora do corpo do hóspede. Quanto à forma de propagação entre Sapiens e Erectus, estes poderão ter sido através de lutas, troca de roupas, actos de canibalismo ou mesmo por procriação.
No entanto, um especialista na área de pesquisa de ADN, pensa que o ADN mitocondrial dos piolhos divergiu à 300 mil anos, data muito diferente da pesquisa anterior, defendendo que a nossa espécie nunca contactaram com Homo Erectus. Segundo ele, o Pediculus humanus (piolho corporal) é um dos agentes patogénicos mais facilmente tramissíveis, pelo que poderia transmitir-se entre espécies diferentes sem contacto directo, tal como acontece com os piolhos avícolas.
No entanto novas respostas relativas a contactos entre sapiens-erectus devem surgir devido ao futuro estudo de piolhos púbicos, que se transmitem normalmente por via de contactos sexuais, o trará luz à questão dos possíveis contactos sexuais entre estas duas éspecies do género Homo.
(Jornal Público)
quarta-feira, novembro 03, 2004
Notícias de Portugal
Hoje vou passar para um tema completamente diferente do que habitualmente abordo: o Portugal contemporâneo.
Recentemente conversei com uma pessoa mais velha oriunda do campo, e fiquei tão interessado na descrição que me fez do seu mundo, que não resisti a escrever alguns dos temas da conversa.
Essa pessoa pertencia a uma família de caseiros. O seu avô fora um jornaleiro (trabalhava as terras de outrem em troca de um salário por dia de trabalho); o pai, depois de imensos anos conseguiu comprar uma junta de bois, algumas alfaias agrícolas e deste modo tornar-se um caseiro. Para quem não sabe o que significa, os caseiros eram pessoas que combinavam cultivar uma terra de um proprietário por um determinado período (1, 2, ou mais anos), em troca de uma renda (que para determinados produtos era em quantidade fixa, para outras era percentual).
Numa das propriedades, o Sr. X (chamemos-lhe assim) a principal produção era de milho e deviam entregar 9000 litros de milho; mais uma determinada quantidade de cebolas, frutas, e metade do vinho; caso não conseguissem atingir a quantidade acordada, teriam de comprar milho para entregar. E se a colheita corresse bem? Bem, a resposta deixou-me espantado: o regedor (uma espécie de funcionário local) observava a quantidade que sobrava ao caseiro (depois de ter sido pago ao proprietário o estipulado) e podia retirar o excesso em proveito do governo (o argumento invocado, é que era utilizado em favor dos mais pobres, mas quando lhe perguntei se alguma vez recebeu alguma coisa em maus anos, e tiveram de facto maus anos passando fome, deu-me uma resposta negativa), deixando unicamente aquilo que seria suficiente para o seu sustento e da sua família (ainda gostava de saber se isso era um imposto, ou uma requisição-o que era mais provável dado que a quantidade dependia da vontade do regedor, embora pareça roubo puro e simples a coberto de qualquer esquema legal).
Ora os caseiros também não eram idiotas, e o que faziam era esconder o excesso, deixando apenas à mostra o suficiente para comerem para mostrar como o ano era mau; o regedor partia sempre do princípio de que estavam a mentir e retirava uma parte do que estava à mostra. De qualquer modo, a parte que já era entregue ao proprietário era muito elevada, e apenas dava para manter o que tinham, sendo impossível sonhar com adquirir uma propriedade própria (de qualquer modo, a sua sorte era muito mais invejável que a dos jornaleiros, dado que estes só recebiam quando trabalhavam, e nas épocas mortas nada tinham). Os caseiros eram obrigados a contratar jornaleiros em determinadas alturas (como nas colheitas); os diferentes caseiros acordavam entre si quando os jornaleiros trabalhavam em que propriedade (para evitar que sendo muitos poucos em cada terreno, não se efectuasse o trabalho a tempo). Quando era terminada a tarefa, no último dia efectuava-se uma festa, em que quem tivesse um instrumento tocava, e os outros dançavam e cantavam. Era uma vida difícil (trabalhando de sol-a-sol), mas o Sr. X disse-me que preferia essa vida, pois era mais alegre que a vida e trabalho de cidade.
Se descobrir mais coisas interessantes (e tenho a certeza que sim) irei coloca-las aqui.
Recentemente conversei com uma pessoa mais velha oriunda do campo, e fiquei tão interessado na descrição que me fez do seu mundo, que não resisti a escrever alguns dos temas da conversa.
Essa pessoa pertencia a uma família de caseiros. O seu avô fora um jornaleiro (trabalhava as terras de outrem em troca de um salário por dia de trabalho); o pai, depois de imensos anos conseguiu comprar uma junta de bois, algumas alfaias agrícolas e deste modo tornar-se um caseiro. Para quem não sabe o que significa, os caseiros eram pessoas que combinavam cultivar uma terra de um proprietário por um determinado período (1, 2, ou mais anos), em troca de uma renda (que para determinados produtos era em quantidade fixa, para outras era percentual).
Numa das propriedades, o Sr. X (chamemos-lhe assim) a principal produção era de milho e deviam entregar 9000 litros de milho; mais uma determinada quantidade de cebolas, frutas, e metade do vinho; caso não conseguissem atingir a quantidade acordada, teriam de comprar milho para entregar. E se a colheita corresse bem? Bem, a resposta deixou-me espantado: o regedor (uma espécie de funcionário local) observava a quantidade que sobrava ao caseiro (depois de ter sido pago ao proprietário o estipulado) e podia retirar o excesso em proveito do governo (o argumento invocado, é que era utilizado em favor dos mais pobres, mas quando lhe perguntei se alguma vez recebeu alguma coisa em maus anos, e tiveram de facto maus anos passando fome, deu-me uma resposta negativa), deixando unicamente aquilo que seria suficiente para o seu sustento e da sua família (ainda gostava de saber se isso era um imposto, ou uma requisição-o que era mais provável dado que a quantidade dependia da vontade do regedor, embora pareça roubo puro e simples a coberto de qualquer esquema legal).
Ora os caseiros também não eram idiotas, e o que faziam era esconder o excesso, deixando apenas à mostra o suficiente para comerem para mostrar como o ano era mau; o regedor partia sempre do princípio de que estavam a mentir e retirava uma parte do que estava à mostra. De qualquer modo, a parte que já era entregue ao proprietário era muito elevada, e apenas dava para manter o que tinham, sendo impossível sonhar com adquirir uma propriedade própria (de qualquer modo, a sua sorte era muito mais invejável que a dos jornaleiros, dado que estes só recebiam quando trabalhavam, e nas épocas mortas nada tinham). Os caseiros eram obrigados a contratar jornaleiros em determinadas alturas (como nas colheitas); os diferentes caseiros acordavam entre si quando os jornaleiros trabalhavam em que propriedade (para evitar que sendo muitos poucos em cada terreno, não se efectuasse o trabalho a tempo). Quando era terminada a tarefa, no último dia efectuava-se uma festa, em que quem tivesse um instrumento tocava, e os outros dançavam e cantavam. Era uma vida difícil (trabalhando de sol-a-sol), mas o Sr. X disse-me que preferia essa vida, pois era mais alegre que a vida e trabalho de cidade.
Se descobrir mais coisas interessantes (e tenho a certeza que sim) irei coloca-las aqui.
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